Alta tensão na Autoeuropa

A partir de 2035, deixa de ser possível colocar no mercado na União Europeia veículos com motor de combustão interna. Mas, enquanto a PSA de Mangualde já anunciou, a partir de outubro, o fabrico de carros elétricos, a Autoeuropa continua a apostar no T-ROC remetendo a decisão para mais tarde.

O fim da das vendas de veículos com emissões poluentes até 2035 está a pôr os fabricantes automóveis em Portugal sob pressão. Um dos casos mais mediáticos é a Autoeuropa, tendo em conta o peso da fábrica de Palmela na economia portuguesa (ver texto em cima). Para já, fonte da empresa acena com o investimento feito no final do ano passado de 500 milhões para os próximos cinco anos e que teve como objetivo adaptar a unidade de produção à nova geração do T-Roc, que já deverá contar com uma versão híbrida plug-in.

A ideia de Bruxelas de fixar o objetivo de eliminar a 100% as emissões de automóveis de passageiros ou veículos comerciais ligeiros com motor de combustão contou com o parecer negativo por parte do Governo português. Uma tomada de posição aplaudida pelo secretário-geral da Associação Automóvel Portugal (ACAP): «O Governo português – juntamente com Itália, Bulgária, Roménia e Eslováquia – até teve uma posição favorável, porque tentou com mais quatro países que houvesse até 2040 uma prorrogação da legislação para dar tempo aos nossos fabricantes para esta transição», referindo que esse cenário «seria o mais positivo». No entanto, a oposição destes quatro países, incluindo Portugal, foi insuficiente, já que a proibição contou com a aprovação de todos os outros Estados-membros.

E a proposta da Comissão Europeia foi já aprovada pelo Parlamento Europeu. 

Assim sendo, está posto em causa o futuro da Autoeuropa?

Para já, na opinião do antigo ministro Mira Amaral – que nos Governos de Cavaco Silva trouxe a empresa para Portugal –, o grupo estará interessado em rentabilizar o investimento e só depois pensará no futuro.

«Acredito que a mudança ou não da plataforma para os modelos elétricos ainda não se coloca, enquanto não for recuperado o montante agora investido. Mas é uma questão que inevitavelmente se irá colocar daqui a quatro ou cinco anos». Num artigo de opinião publicado pelo economista no Nascer do SOL, em 2021, já Mira Amaral deixava o futuro da Autoeuropa em aberto. «Os sucessivos Governos têm feito e bem sucessivos acordos de investimento com a Autoeuropa. Será que a VW vai continuar a apostar nos veículos de combustão interna (VCI) e após o T-Roc ainda haverá futuro para outro VCI em Palmela ou será que a sua produção deverá ser gradualmente adaptada aos híbridos e aos veículos elétricos (VE)?A resposta a estas questões ditará o futuro da fábrica de Palmela».

Ainda assim, o economista lamenta que Portugal continue a não falar do tema, quando Espanha já está a reconverter a sua indústria para veículos elétricos.

Uma opinião partilhada por Daniel Bernardino, coordenador das Comissões de Trabalhadores do Parque Industrial ­– empresas satélite que alimentam a Autoeuropa­– ao garantir que tantos os fabricantes, como o Governo português têm estado adormecidos para esta mudança. «Vimos essa questão com preocupação, até porque estamos a assistir ao país vizinho com um forte investimento para a eletrificação dos carros, e Portugal, do nosso ponto de vista, tem ficado para trás face à concorrência com os outros países», diz ao Nascer do SOL. E daí já ter pedido reuniões ao ministro da Economia e à ministra do Trabalho, não tendo para já qualquer resposta. Também as centrais sindicais estão a ser chamadas a intervir por parte desta estrutura. «Queremos que todos estejam a rumar connosco no mesmo sentido, apesar deste adormecimento».  Mais: otimista está uma fonte próxima ligada ao setor ao garantir que a Autoeuropa tem seu plano de produção deste modelo está seguro até 2027, sendo que, a partir daí será a estratégia que os construtores irão definir. Mas deixa um alerta:_«O bloqueio é só na Europa, as marcas continuam a vender carros na América do Sul, em África e na Ásia. Só na Europa é que vamos assistir a esta limitação em 2035».

Também Daniel Bernardino diz  que, para já, a informação que tem é que, até 2030, a fábrica de Palmela irá continuar a produzir carros a combustão e até um hibrido, admitindo, no entanto, que a fábrica «obviamente tem de ser preparada com investimentos e as empresas do parque industrial obviamente têm de fazer investimentos para os novos modelos elétricos ou modelos a hidrogénio». E acrescenta que, a partir do momento em que Autoeuropa começou a ser uma fábrica de produção em massa, ao passar para um fabrico de 300 mil carros anuais, Portugal já é considerado um país de produção automóvel, lembrando também que a PSA de Mangualde ajudou Portugal a ter esse estatuto e que, na semana passada, anunciou que vai investir num modelo elétrico. Um anúncio que, no seu entender, «é um alento para o setor».

Recorde-se que, no início deste mês, o presidente do Grupo Stellantis, Carlos Tavares, garantiu que a fábrica de Mangualde irá começar a produzir veículos com motor elétrico. Uma decisão que poderá garantir o futuro desta unidade fabril, que emprega cerca de 900 pessoas, para as próximas décadas. «As equipas em Mangualde já estão a preparar essa transição de forma a que, quando for necessário, a fábrica tenha a agilidade necessária para dar essa resposta», disse o gestor, assegurando ainda que «o nível de custos e a competitividade de Mangualde» foram fatores chave que justificaram esta tomada de decisão.

 

Espanha ganha corrida

Daniel Bernardino, apesar das informações que vai tendo, diz que o grupo alemão poderá estar a preparar-se para que Portugal também possa fazer parte dos elétricos, para que não fique para trás, e lamenta que o país «não esteja a fazer investimentos tais como os que já foram feitos em Espanha» – dando como exemplo a fábrica das baterias em Valência. «Infelizmente, não temos esta notícia, mas já percebemos que vai haver algum investimento de uma fábrica de lítio em Setúbal e isso é um bom indicador».

Mas os exemplos não ficam por aqui. O coordenador das Comissões de Trabalhadores do Parque Industrial dá também o anúncio feito há duas semanas, segundo o qual a Ford anunciou dois modelos elétricos para Valência, garantindo assim 25 mil postos de trabalho para os próximos 10 anos «Isso deixa-nos preocupados, porque em Portugal não temos notícias deste género. Naturalmente não nos podemos comparar com Espanha em termos de indústria automóvel, mas neste momento, já a própria Alemanha está preocupada com o que Espanha está a fazer», confessa.

De acordo com o responsável falta ao país um «lobby no sentido positivo do Governo português junto da União Europeia e dos construtores automóveis para podermos ser mais atrativos». E acentua: «Obviamente que nos faltam infraestruturas para importar e exportar, o que nos deixa mais condicionados, ao contrário do que acontece com Espanha».