Os filhos são do Estado

A disciplina de Cidadania e Desenvolvimento pretende criar novos cidadãos de todas as categorias de género expurgados dos preconceitos burgueses.

Portugal é um país deveras estranho onde acontecem milagres, fenómenos sem explicação e pais de Famalicão.

O que terá passado pela cabeça dos pais dos alunos de Famalicão que impediram os seus filhos de frequentar a disciplina de Cidadania e Desenvolvimento? Ter-se-iam convencido, apenas por os terem colocado neste mundo, os terem criado, educado, amado e acompanhado até agora, ou seja apenas por serem verdadeiros pais, que sabiam o que era melhor para os seus filhos? Ter-se-iam convencido de que estavam em condições de decidir o futuro deles? Como é possível que no século XXI alguns pais, ou qualquer cidadão, possa julgar que sabe mais do que Estado? Como é possível alguém atrever-se a pensar que pode escolher o rumo da sua vida e dos seus filhos, realizar-se e alcançar a felicidade sem a orientação e os conselhos do Estado?

É demasiada arrogância e atrevimento. Acaso dispomos de inteligência suficiente para distinguir o bem e o mal? Seremos mesmo mais inteligentes do que um babuíno? Para tudo que seja mais complicado do que o enredo de uma telenovela, existe o Estado – o nosso Pai omnipresente que nos salva das tentações e garante a felicidade.

Eu nunca educo a minha filha sem antes ler o Diário da República e consultar o programa de Cidadania e Desenvolvimento. E os resultados, quanto ao seu despertar político, ativismo cívico e desobediência pacífica, têm sido extraordinários. Noutro dia, quando lhe disse para mastigar com a boca fechada, logo me perguntou:

– Tens a certeza que isso é constitucional e está de acordo com os valores progressistas? O povo come de boca aberta e arrota. Há algo de fascista nessa imposição de ter boas maneiras à mesa.

Fui logo consultar as fontes e, apesar de não ter encontrada nada sobre etiqueta e aprumo, dei-lhe o benefício da dúvida.

Se o Estado tem de proteger menores em risco, evitar que sofram abusos e sejam assassinados, então deve atuar antes que tal aconteça. Tal como o Homem Novo Soviético e o projeto de substituição integral da população de Pol Pot, a disciplina de Cidadania e Desenvolvimento pretende criar novos cidadãos de todas as categorias de género expurgados dos preconceitos burgueses que tanto deformaram as cabeças dos seus pais e dos seus avós. Obviamente, não se pode confiar a esses mesmos pais e avós, cheios de vícios incutidos pela educação salazarista, a frequência de tascas, a visualização do Pátio das Cantigas e a provável iniciação sexual com senhoras que alugam as carnes a educação dos seus filhos e netos.

No mundo belo e cheio de amor que se pretende construir, as famílias deverão apenas ocupar-se do corpo dos filhos, alimentando-os, colocando-os no penico e dando-lhes banho, ficando a cabeça à guarda do Estado. Portanto, tendo em conta o lixo com chegam às escolas, deve-se assumir sem complexos que se trata mesmo de uma lavagem ao cérebro. E um ano de mangueirada e lixívia progressista será suficiente para operar maravilhas: rapazes poluídos de masculinidade tóxica desejarão cortar a pilinha; meninas que brincam com bonecas sonharão com uma barba rija; e não haverá ninguém que não se envergonhe de ser branco.

Depois da catequese, a comunhão solene.

Tivessem Hitler e Mussolini frequentado as aulas de Cidadania e Desenvolvimento e não teria havido da Segunda Guerra Mundial. Ambos ter-se-iam tornado cidadãos exemplares: Hitler seria um ativista dos direitos humanos; Mussolini teria trocado Clara Petacci por um Balilla.

Ainda assim, a disciplina pode ser aperfeiçoada com a introdução de um projeto final que sintetize toda a matéria chamado: Como Votar Corretamente. Neste projeto, os orientadores deverão mostrar aos alunos que os partidos à direita do PS são – como certamente a maioria deles já percebeu – uma aberração do sistema democrático. Depois, entre os três partidos progressistas que desejam salvar o mundo, há um que é muito melhor do que os outros. Os novos homens, as novas mulheres e os novos não-binários só poderão votar nesse. Os que chegarem a esta conclusão, terão nota máxima no projeto – ainda que só escrevam duas linhas com um erro em cada palavra. Os outros, reprovam. Mas estou certo de que os responsáveis pelo Ministério da Educação já devem andar a pensar nisso.

Entretanto, o Ministério Público afirmou que, caso não frequentem a disciplina, os dois alunos poderão ser vítimas de bullying. É exatamente o contrário. Sem Cidadania e Desenvolvimento, os dois alunos, tendo em conta os seus progenitores, irão decerto tornar-se dois Alex da Laranja Mecânica. Receio que ainda este Verão peguem em caçadeiras e desatem aos tiros no centro de Famalicão ou desviem um avião da TAP para a sede da National Rifle Association no Texas.

Pior ainda, não irão questionar a sua orientação sexual e jamais votarão no partido certo.

Portanto, exige-se a retirada imediata da guarda aos pais dos alunos de Famalicão para que possam frequentar a disciplina de Cidadania e Desenvolvimento onde aprenderão – se necessário acorrentados e algemados – os valores da liberdade, tolerância e respeito pela diferença. E quanto aos dois mariolas a quem chamam pais, é uma pena não estarmos no Camboja de Pol Pot.