Podes fugir da web3. Mas não te podes esconder

Se a internet revolucionou o mundo de uma forma imprevista e absolutamente positiva para todos, ao difundir a informação digitalmente e torná-la acessível ao mundo inteiro num formato digital, a web3 está a devolver aos utilizadores o controlo dessa informação. 

Por Pedro Febrero, VP of Web3 at RealFevr

Eu sei que o teu tempo é limitado. E por isso respondo-te já à pergunta que procuras. A web3 não é o que tu imaginas.

Não acredito que sem estar envolvido diariamente no mundo das ‘crypto-atividades’, como diz o outro, consigamos sequer vislumbrar o tornozelo sumarento e provocante da web3. Não, esquece isso. Podes ter sonhado, talvez pelas mentiras doces que alguém te contou, mas não creio que possas ter a real noção do impacto que a verdadeira web3 vai ter nas nossas vidas. 

Eu incluo-me nesse grupo. Porque mesmo estando aqui todos os dias, e vendo com os meus próprios olhos as maravilhas que dinheiro descentralizado, as finanças descentralizadas (DeFi) e os NFTs trouxeram às nossas vidas, mesmo assim, nunca consegui prever um milésimo do que poderíamos estar hoje a criar com as nossas próprias mãos. 
Portanto, certamente não poderei prever o que será construído no futuro. 

Contudo, posso-vos falar da web3 de hoje, do que já construímos e do que vocês podem criar. Prometo-vos que no final vão ficar boquiabertos com a quantidade de ferramentas assustadoramente poderosas que hoje temos nas pontas dos nossos dedos. 

Se a internet revolucionou o mundo de uma forma imprevista e absolutamente positiva para todos, ao difundir a informação digitalmente e torná-la acessível ao mundo inteiro num formato digital, a web3 está a devolver aos utilizadores o controlo dessa informação. 

Não vos parece importante? 

E se eu vos disser que dinheiro, crédito e ativos financeiros fazem parte desse grupo de informação digital? 

Bitcoin: a revolução do balanço do razão distribuído

Independentemente do que vos digam, a base de toda a web3 é a bitcoin. Querem saber um segredo? Vão ser enganados e ludibriados por alguns contadores de histórias, que vos irão sussurrar ao ouvido que o ‘je ne seis quoi’ do protocolo da bitcoin é a blockchain, a estrutura e base-de-dados onde estão registadas todas as transações de bitcoin.

Contudo, convido-vos a procurar no whitepaper da bitcoin, ou em todos os posts e documentação que antecedem e precedem a bitcoin, e a encontrar essa mesma tecnologia ‘blockchain’. 

Se não o conseguirem fazer, não se preocupem. Pensem assim: se nem o próprio criador da tecnologia que mais valorizou na história da humanidade, se nem esse semi-Deus achou que seria relevante dar importância à blockchain, porque raio haveríamos nós de o fazer?

Meus caros, a blockchain (ou time-chain se quisermos ser precisos), não é de todo a parte relevante da tecnologia bitcoin. Porque sem as transações de bitcoin, essa estrutura de dados que guarda as transações deixa de ser necessária. Isto porque há centenas, provavelmente milhares, de outras formas mais eficientes, com menor custo e dores-de-cabeça, para guardar os dados. É que uma blockchain, é uma estrutura de dados que é imutável, não pode ser censurada, é pública, auditável e apenas contém registos que podem ser apenas adicionados, nunca removidos.  

Na prática, este tipo de estrutura-de-dados é extremamente ineficiente, requer imensa manutenção e está dependente de vários players que competem entre si para maximizar o seu lucro. Portanto, duvido que este tipo de estrutura-de-dados chamada blockchain seja a parte mais interessante da tecnologia que compõe a base de toda a web3. 

A bitcoin revolucionou o sistema de dinheiro porque representa a primeira moeda não soberana e totalmente descentralizada nascida no seio da internet (ou web). Um balanço distribuído por todos os peers (participantes) que guardam o registo de todas as transações numa estrutura-de-dados pública e auditável. Essencialmente, a bitcoin é um protocolo de facturação onde cada pagamento é absolutamente final, no espaço temporal de alguns blocos. Não vou desmistificar tudo hoje, mas ficam a saber que não existem carteiras como costumamos dizer. E os endereços que usamos para receber bitcoin não são ‘tipo IBANs’. Pelo menos não no protocolo bitcoin, se estivermos a falar de Ethereum a história é outra. 

Vamos continuar para o sumo da coisa. 

A web3 e a revolução do dinheiro distribuído

Todas as tecnologias que compõem a web3 utilizam protocolos de criptomoedas para concretizar os seus objetivos. E a bitcoin é o primeiro e o protocolo mais valioso à data em que escrevo, portanto a bitcoin é a base da web3. 
A bitcoin permite a qualquer cibernauta transacionar e guardar valor através de um formato de um dinheiro puramente digital. Através da bitcoin, o dinheiro nativo da internet. Mas outros protocolos permitem outras funcionalidades. 

Pessoalmente, eu penso que os dois tipos de protocolos mais importantes construídos depois da bitcoin são stablecoins e swaps. Stablecoins devem ter ouvido falar devido ao recente colapso de $UST, uma stablecoin algorítmica – onde o colateral que servia para criar $UST, não eram dólares mas sim um outro ativo cujo preço é volátil. As stablecoins são absolutamente críticas para o aparecimento de protocolos de crédito, já analisamos porquê mais em baixo.

Essencialmente uma stablecoin é um token cujo preço segue o dólar. Portanto 1 unidade de moeda estável é igual a 1 dólar (peg). 

As swaps representam a possibilidade de trocar moedas com outros utilizadores usando uma plataforma (associada a smart contracts) descentralizada. O que significa isso? Bem, que primeiramente somos os donos das nossas moedas e que estamos a utilizar um serviço providenciado pela comunidade. Ou seja, para eu poder trocar moedas, alguém teve de depositar liquidez primeiramente. 

Para eu quero trocar 1 ETH por $1,000 e tal USDC, tem de existir um smart contract que tenha pelo menos $1000 USDC disponíveis para eu poder depositar 1 ETH e receber o valor em troca que procuro. De outra forma, eu teria de esperar que algum utilizador quisesse comprar 1 ETH por $1,000 USDC – o que poderia levar segundos, minutos, horas ou dias.

Contudo, através de um smart contract onde as moedas ficam depositadas à espera que alguém queira efectuar uma troca, e que é composto por centenas de milhares de depósitos de outros utilizadores, torna-se possível qualquer pessoa trocar moedas enquanto existir liquidez, sem ter de esperar por uma ordem exactamente oposta à sua. 

O que ganham em troca os utilizadores por providenciar este serviço de liquidez (ou market making, se queremos parecer conhecedores)? Uma taxa que os utilizadores que desejam transacionar moedas, pagam. 

Portanto, existem moedas que são essencialmente tokens com um preço estável (peg ao USD), e existem utilizadores que depositam moedas em contratos de liquidez para que outros utilizadores possam efectuar trocas sem uma entidade central. 

Mas a web3 que existe hoje não fica só por aqui. Existem muito mais mecânicas e tecnologias que vale a pena explorar. Venham comigo. 

A web3 e a revolução do crédito permissivo

Para que possamos pedir crédito, um dos requerimentos mínimos é que a moeda que é usada para tal fim, não seja volátil. Isto porque, caso fosse, seria complicado calcular um valor de juro que fizesse sentido para o credor e para o devedor. 

Portanto, para que exista crédito montado em smart contracts, têm de existir protocolos de moedas estáveis. Como vimos em cima, já existem e posso acrescentar que têm bastante volume, acima dos $mil milhões diários. 

O segundo requisito para a existência de crédito descentralizado, é que consigamos garantir que quem pede dinheiro emprestado, paga o que deve. Literalmente. 

Portanto, a forma mais comum encontrada hoje para que isto fosse possível de fazer em larga escala e sem um intermediário – como um banco, cujo um dos papéis principais na economia é verificar quem são os indivíduos que transacionam, para diminuir a probabilidade de burlas e afins – é através de créditos sobre-colateralizados. Isto significa apenas que temos de meter mais dinheiro do que aquele que vamos pedir. 

Se estão confusos, eu clarifico. Essencialmente, eu coloco como colateral um valor superior àquele que vou pedir emprestado porque (i) tenciono pagar o empréstimo e recuperar o colateral e (2) é a única forma que existe de aceder a uma pool de liquidez de crédito sem intermediários. 

Obviamente que esta não é a solução ótima, mas existem alguns protocolos que contornam este ‘problema’. Por exemplo flash loans. Ou empréstimos executados numa transação. 

Mais uma vez, devem estar a coçar os queixos algo confusos. O que quero dizer é que é possível eu pedir um valor quase-ilimitado emprestado, suponhamos mil milhões, desde que devolva esse dinheiro mais uma pequena taxa ao contrato que detém os fundos, numa única transação. 

A transação apenas é executada caso o pagamento cubra o valor do empréstimo + taxa de empréstimo. Portanto, é realmente possível pedir dinheiro emprestado sem colateral; a única restrição é que este empréstimo seja pago na mesma transação onde o empréstimo é contraído. 

A web3 e a revolução dos NFTs e da propriedade

No meu último artigo debrucei-me sobre a utilidade dos NFTs no mundo financeiro. Desta vez, venho contar outra história que talvez vos ilumine sobre outra das muitas utilidades dos malfalados NFTs. 

Enquanto que na web 2.0 as empresas produtoras de conteúdo eram donas desse conteúdo, por exemplo as personagens, roupas, itens, imagem, entre outros atributos eram detidos pela plataforma e/ou empresa que criou e desenvolveu o jogo, produto ou metaverso, na web3 isto já não é bem assim.

Com a chegada dos NFTs cantamos diferente. Porque os itens existem num protocolo web3, totalmente distribuído como Ethereum, Polygon, Binance Smart Chain, etc., qualquer indivíduo ou grupo pode criar conteúdo para, sobre ou com esses itens. 

Os NFTs pertencem a quem os detém na sua carteira, correto? Desta forma, esses são os únicos sujeitos cujo parecer de onde e como são utilizados esses itens, importa. Se alguém ou alguma entidade decide construir um jogo, produto ou metaverso para esses NFTs, pode fazê-lo. 

Imaginem um mundo digital onde transportam o vosso conteúdo digital convosco, entre plataformas (ou metaversos). E onde qualquer um de nós pode construir para qualquer outra comunidade. Não entendem o impacto? Pois bem, se eu tenho um negócio nascente e preciso de utilizadores, porque não construir sobre produtos, jogos ou metaversos de comunidades já estabelecidas? Mais importante que isso, é que muitas destas comunidades anseiam por poder usar os seus itens, como avatares estéticos, no máximo de locais digitais possíveis. 

Assim, parece-me óbvia a enorme oportunidade de negócio que vai aparecer: construir sobre projetos de sucesso é aberto a todos e pode ser bastante lucrativo. 

Outra funcionalidade que está implícita na sequência de tecnologias que já discutimos, é também (i) a colateralização destes ativos e (ii) a possibilidade de poder emprestar NFTs e receber um juro por isso. 

É possível ligar uma moeda a um NFT, criando um NFT que tem associado uma outra moeda, por exemplo moedas que geram juros, ou então fazer exatamente o oposto e subdividir o item em várias frações e vender ou alugar pequenas quotas. Este tipo de mecânica pode ser muito interessante para terreno digital ou para NFTs que são muito valiosos.

Outro exemplo são os jogadores que detém itens raros, ou muito procurados pelas suas stats, poderão emprestar esses itens em vez de vender. Não costumam dizer que o segredo dos ricos é nunca vender? Pois bem, existem soluções para rentabilizar os NFTs sem nos desfazermos deles. 

Conclusão 

O web3 é sem dúvida um passo em frente para melhorarmos a nossa qualidade de vida. Ainda estamos muito no início, reconheço, e há muito trabalho a fazer. Acrescento ainda que, e admitindo primeiramente que talvez não o tenha feito da melhor forma, nem com as melhores palavras, o meu único objetivo em ter escrito esta pequena peça foi cativar alguns de vós, quiçá os mais curiosos e mais audazes, a dar um passo em frente e a descobrir um universo integralmente novo onde as oportunidades espreitam em todas as esquinas, e que requer o contributo do máximo número de cabeças possível. 

A verdade é que há tanta inovação a acontecer em diferentes focos da web3, e tão poucas mãos, que ansiamos por novo sangue que aceite o pesado fardo de liderar a revolução tecnológica mais importante do século XXI. 

No final do dia, a web3 é apenas uma comunidade composta por todos aqueles que escolheram parte dela; portanto para nos juntarmos a ela, basta querer.