Persi Diaconis. “Atirar uma moeda ao ar é física, não é aleatório”

Professor na Universidade Stanford, referência mundial no estudo das probabilidades, Persi Diaconis descobriu a Matemática pela mundo da magia. Depois da pandemia lhes trocar as voltas, está a viver com a mulher no Alentejo. Um feliz acaso, porque também existem. Conversamos sobre a sua paixão, a aleatoriedade, e uma vida cheia de histórias. 

Vamos falar sobre o quê?, pergunta Persi Diaconis. «Um pouco de tudo e de Matemática mas sem termos muito complicados… », pedimos. «Se me puser a falar de Matemática…», ri-se. Gosta de o fazer, com histórias pelo meio que vão juntando as pontas de uma vida singular: desistiu da escola com 14 anos, meteu-se no ilusionismo e o ilusionismo meteu-o em Harvard.

Estamos numa esplanada de Lisboa. À mesa está também o presidente da Sociedade Portuguesa de Matemática, João Araújo, que, em 2020, quando Persi se viu afastado da mulher que tinha vindo a Portugal estar com a família, bloqueada pela covid-19 no regresso aos EUA, se empenhou em resolver este problema adicional que lhe colocava a paixão pela Matemática e a admiração por um par: era o ‘homem que tinha inventado a água!’ que estava em apuros.

Persi especializou-se em probabilidade e estatística e, sem nunca largar a magia, publicou mais de 250 artigos. Foi um dos primeiros vencedores do prémio ‘genius’ do Programa MacArthur Fellows em 1982 e tornou-se uma referência na área – ocupa a cátedra Mary V. Sunseri de Estatística e Matemática na Universidade Stanford. Aos 77 anos, tal como a mulher também professora, dá aulas à distância e este ano estão de sabática. Planos? Continuar a pensar.  

Qual era a probabilidade de acabarem a viver em Portugal?

Muito improvável [risos]. A minha mulher ficou cá presa por causa da covid-19… porque os EUA são loucos. Quis vir visitá-la. Não era propriamente fácil vir a Portugal se não tivesse uma razão e o João conseguiu que eu viesse a convite da Universidade Nova para colaborar no Departamento de Matemática. Bom, foi um milagre atrás do outro. Depois andávamos a ver de casas para arrendar e encontrámos um sítio no sul, perto de Vila Nova de Milfontes, Odemira. E depois a minha mulher apaixonou-se por uma casa, não sei como é que as mulheres o fazem [risos].

Não aconteceu consigo?

Bom… é uma casa boa. Mas diria que antes de tudo isto era muito improvável. Comprámos casa em Portugal e cá estamos. [’Deve ser a única piscina em Portugal cuja água é tratada pelo Departamento de Química da Universidade Stanford’, comenta João Araújo]. 

Já tinha mudado de Nova Iorque para a Califórnia. 

Cresci em Nova Iorque mas saí de lá com 14 anos. Sim, há essa história colorida sobre ter fugido de casa com 14 anos.

Foi o momento decisivo?

Foi uma parte da minha vida. Nos últimos 50 anos vivemos praticamente sempre na Califórnia. Agora o sul de Portugal é mais calmo, é mais seguro e é muito bonito.

É o primeiro professor de Stanford a dar aulas a partir do concelho de Odemira?

Provavelmente. A minha mulher também é professora em Stanford e a primeira coisa que fez na casa nova foi arranjar boa internet. Agora, como lá a cada sete anos temos um ano de sabática, temos este ano todo livre e devemos ficar quase sempre cá. Eu ainda estou a dar aulas, ela já acabou.

Quais são os planos para um ano de sabática aos 77 anos?

Continuo a trabalhar e a pensar. Escrevo papers, reúno com alunos, falo com colegas. Tenho mais liberdade para viajar, estar com pessoas.

Como foi a integração cá?

A covid-19 estava em todo o lado e de repente nós, não sendo portugueses, pensámos: como é que vamos ser vacinados? Preenchemos formulários online, falámos com pessoas, mas parecia impossível. Mais uma vez falei com o João. Telefonou para o presidente da junta de freguesia de S. Luís e deve ter-lhe dito: ‘Sabe quem é que tem a viver aí? É um homem que não só caminha sobre a água, mas inventou a própria água!’ [risos].   

E de alguma forma o presidente ficou convencido. Ele falava umas 100 palavras de inglês, nós falávamos umas 10 palavras de português mas entendemo-nos e isso foi logo extraordinário. A minha mulher tem nacionalidade francesa, por isso era mais fácil. Para o meu caso precisavam de um relatório do FBI sobre a minha atividade criminal para poder entrar no sistema. Bom, pensei que nunca seria vacinado mas uns dias depois recebi uma chamada a dizer: apareceram, temos vacinas. E tinham. É bom ver um Governo socialista a funcionar: o autarca realmente trabalha para as pessoas e ajudou-nos. E para mim, que venho de uma realidade diferente, isto é de facto extraordinário, nunca o vi na América.

Vê mais diferenças?

Muitas diferenças, em muitos aspetos. É muito especial o que têm em Portugal. Vocês podem queixar-se, mas funciona. Os serviços de Saúde. Já o tinha visto em França. Uma vez cortei um dedo. Como era estrangeiro, cobraram me 30 euros por tudo. Raio-X, cirurgião, os pontos. Voltei para os EUA, tiraram-me os pontos e o copagamento disso, mesmo a pagar um seguro, foi dez vezes mais. Se quer ter o filho na escola, que alguém tome conta dele, os custos são uma loucura. Temos um pessegueiro carregado de pêssegos e fizemos uma enorme tarte de pêssego para dar ao presidente da junta. Temos tido dezenas de experiências com pessoas que se mostram amáveis e prestáveis.

E o que estranhou mais?

Deixe ver… É impossível encontrar um canalizador! Se precisa de alguém que lhe tome conta das ovelhas ou galinhas tudo bem, agora um canalizador… Mesmo quando alguém conhece um canalizador diz que não conhece a pessoa assim tão bem…[risos].

Não inventou propriamente a água. O que inventou?

Tento olhar para o mundo à minha volta e tirar um sentido matemático das coisas. Dá para fazer matemática com tudo. Na minha campa vai estar escrito: ‘Baralhar sete vezes é suficiente’ [em 1992, demonstrou com Dave Bayer que baralhando sete vezes um baralho de 52 cartas consegue-se uma distribuição em que a probabilidade de sair qualquer carta é praticamente idêntica]. 

Sou professor de Probabilidades mas desconfio muito da maneira como as pessoas usam as probabilidades para modelar o mundo real. As pessoas são muito complicadas, não é como tirar bolas de um saco. O que fiz foi questionar os fundamentos e a filosofia da disciplina em coisas simples: quando alguém atira uma moeda ao ar, a probabilidade de sair cara ou coroa é mesmo 50/50? Não, não é. Há uma probabilidade ligeiramente maior de sair a face que está virada para cima.

Qual é o seu recorde a controlar o lançamento?

Bom, se praticar talvez consiga tirar 99 caras em 100 lançamentos. Se praticar muito, talvez 100.

E não é sorte?

De todo. Se tiver uma moeda e lhe disser exatamente onde colocar o polegar e a força que deve fazer, a moeda sobe e as equações de Newton dizem-lhe até onde sobe e como cai. Atirar uma moeda ao ar é física, não é aleatório. Pedi ao meu departamento para me construir uma máquina em que a moeda fica pousada num polegar mecânico com uma mola por baixo. A máquina atira e a moeda cai dentro de uma taça. E dá sempre cara. Mas gira mesmo no ar e dá sempre cara. Dizer que é 50/50 é enervante. A probabilidade de sair cara e coroa não é igual, depende do lançamento. Mágicos, até uma criança, conseguem perfeitamente aprender a controlar isto.

É uma questão de precisão?

É física.

De 6 mil em 6 mil lançamentos, estava a dizer o prof. João Araújo, a moeda aterra de pé. Mas alguém atirou uma moeda ao ar 6 mil vezes para demonstrar isto?

Há muitos factos engraçados. Em primeiro lugar essa ideia de que quando se atira uma moeda ao ar vai ser um resultado justo. Mesmo que uma pessoa não esteja a fazer esforço nenhum, a probabilidade da moeda cair com a face que se lançou é de cerca de 51%. Portanto já é um bocadinho mais provável aterrar com o lado que atirou. Bom, é 1 em 100… mas não é igual. Isto é um teorema, não é uma crença religiosa.

Essa experiência das moedas ficarem de pé tem a ver outra coisa: quando pomos uma moeda a girar numa mesa já temos uma física diferente de atirar uma moeda ao ar mas mais uma vez pode ser muito tendencioso, porque 80% das vezes sai coroa. Sabendo isto, pode ganhar muita coisa de borla em apostas (risos).

Os ilusionistas têm moedas que são ligeiramente raspadas para mudar o centro da gravidade. Não dá para sentir, não dá para ver, mas com esse simples truque sai sempre coroa. Quando era miúdo, aí com 12 anos, tínhamos uma aposta no pátio da escola: tínhamos de agitar dez moedas e atirá-las ao ar. Fazíamos isto centenas de vezes. Uma vez a moeda girou no ar e caiu de pé. Portanto sabia que podia acontecer. Anos mais tarde, alguém que estava a fazer um doutoramento em física no Canadá calculou qual era a probabilidade de um nickel americano aterrar de pé e foi aí que se chegou a esse número.

Com os dados é a mesma coisa? 

Sim, dá para fazer cálculos mas é mais difícil. E depende se estamos a jogar com os dados lá de casa ou num casino. Num casino obrigam-na a atirar o dado contra uma parede que tem borracha e cortiça. Não dá para controlar. Agora os dados são objetos físicos, basta pensar que podemos atirá-los com uma força diferente. Tenho muitas histórias com dados. Uma vez, quando estava na faculdade, conheci um homem todo engravatado, com uns 60 anos, que disse que gostava de atirar dados e queria testar as leis do acaso. Atirou os dados 3,5 milhões de vezes e tinha dados para analisar.

Bom, isto é um trabalho que podemos fazer, mas quando pega por exemplo nos dados do monopólio pode perceber o fundamento. Cada face tem pequenos buraquinhos, significa que a face do seis, com seis buraquinhos, é mais leve. Se atirar os dados num jogo, pode não estar a fazer contas, mas quando atira os dados 3,5 milhões de vezes, os lados mais leves saem mais vezes porque os lados opostos são mais pesados.

Posto isto, os casinos às vezes fazem batota. Um dado normal num casino tem três quartos de polegada, 19mm. O que fazem é cortar 1/100 de polegada, para que o lado do 6 e do 1 sejam do mesmo tamanho e os outros quatro um pouco menores. Isso significa que o 1 e o 6 saem mais vezes. Quantas mais vezes? Esse já é um problema matemático mais complexo porque tem a ver com tombar e rolar e coeficientes de restituição. É um problema de física difícil de testar no ambiente real. O que fiz foi experimentação. Fui a um negócio especializado em dados alterados.

Isso existe?

Claro! Pedi-lhes então para me fazerem desses dados com um quarto de polegada e um centésimo a menos nos dois lados. Tinha um grupo de alunos de pós-graduação e decidimos ocupar a biblioteca. A ideia era atirar dez dados de cada vez e fazer isso milhares de vezes. Demora alguns dias e um dos problemas é que tínhamos de contar os resultados e logo aí podemos ter algum erro, que pode sobrepor-se ao efeito de ter o dado cortado.

Então pedi para que fizessem os dados sem pintas, apenas com as duas faces maiores com uma mancha branca para ser mais fácil de contar. Quando fui buscá-los a um antigo funcionário de casino, o homem olhou para mim com um ar suspeito: ‘faço isto há muito tempo e nunca vi dados assim. Para que quer isto?’ Disse-lhe que era professor de Estatística. E ele ‘pois, pois…’ [risos]. Bom, isto para dizer que é uma vida animada ser professor de probabilidade e estatística quando se interage desta forma com o mundo.

E a resposta desse homem mostra que há um negócio de milhões onde tudo isto acaba por ser mais relevante do que geralmente pensamos.  

Sem dúvida. O negócio do jogo é maior do que toda a indústria do cinema e da música. Todo o entretenimento popular é, perante isto, uma pequena quantia de dinheiro e são biliões de dólares. Contratam-nos como consultores: como devemos desenhar os layouts das mesas de jogo, etc.

Para evitarem ser burlados?

Sim e para perceberem a dinâmica. E também há casinos que fazem furos nos dados e preenchem-nos com tinta para controlar a gravidade. Querem que seja justo, isto quando não fazem batota.

Qual foi a proposta de trabalho mais fora do comum que aceitou?

Foi antes de ser professor. Quando tinha 17 anos li no New York Times que um professor estava a tentar usar matemática para jogar Blackjack. No Blackjack, o baralho muda à medida que as cartas são distribuídas, o número de ases, de dez, etc. Por isso é preciso mudar a estratégia à medida que se joga. Ele tinha descoberto como fazer isso. Telefonei-lhe a perguntar se estava a ter problemas com batota? Ele disse que sim e eu disse: ‘Bom, não sei nada de probabilidades, mas sou especialista em detetar batota’. E ele disse: ‘Apareça’. Estava em Porto Rico.

E foi?

Sim, com 17 anos. Fingi que era mais velho. Estava a perder 10 mil dólares. De alguma forma consegui perceber que o casino estava a remover cartas com figuras e alterava assim as probabilidades, digamos um pouco de batota. Estavam a jogar com quatro baralhos e a tirar cerca de dez cartas com figuras, o que altera as probabilidades do jogo. Descobri isto só de observar e pensar um bocado, expliquei ao matemático e vi o fumo a sair-lhe pelas orelhas.

Telefonou do quarto do hotel com uma toalha à frente da boca a fingir que estava a falar um inglês espanholado e disse: ‘Sou espanhol, estão a fazer batota no casino e vou dizer isso para os jornais’. No dia seguinte fomos ao casino e os baralhos estavam perfeitos. Quando voltámos ao quarto tinha sido tudo revirado. Liguei ao lóbi e a resposta foi: há uns americanos que estão a causar alguns problemas, se fosse a vocês ia-me embora. Andámos por vários casinos. Não estávamos a fazer batota, estávamos apenas a usar a cabeça para jogar.

Mas como nunca ninguém ganha no casino, tinham a certeza que estávamos a fazer alguma coisa e começaram a seguir-nos. Usávamos disfarces. Pintei o cabelo de branco, pus um chapéu e uns óculos. No fundo como estou agora [risos]. Uns anos mais tarde, quando já era professor em Stanford, a comissão de controlo de jogo perguntou-me se os podia ajudar e a certa altura disseram: ‘Quer ver o nosso ficheiro sobre si?’. E lá estava eu a sair do casino de chapéu, com 17 anos a fingir que era um velho.

Quando jogou poker para pagar os estudos, usava truques?

Não. É parvo usar truques. O que tem de fazer é jogar melhor que as outras pessoas para ganhar, mas não o tempo todo. Se usar truques, ganha sempre, é descoberto e as pessoas não querem jogar consigo. Umas vezes ganha-se, outras perde-se.

Pode dar alguma dica? Sem estarmos aqui a incentivar ao jogo…

Uma questão interessante para mim enquanto matemático é que não sabemos qual é a estratégia ideal para jogar poker. É muito complicado. Mesmo para jogos mais simples como o solitário não sabemos quais são as probabilidades. O que agora as pessoas estão a fazer é a usar inteligência artificial e machine learning (aprendizagem automática). Também ainda não têm a estratégia perfeita, mas saem-se melhor que os humanos.

E por isso hoje os melhores jogadores de poker do mundo são robôs, programas de computador. É aborrecido e muda completamente o jogo, porque se está a jogar online ninguém sabe se tem o computador a ajudá-lo a dizer o que deve fazer. E por isso o nível do poker online subiu muito. A menos que use também um computador, vai perder. E esta é a dica… Nos últimos dois ou três anos a Science fez um artigo em que diz os ‘computadores mataram o poker’.

Há tempos puseram o computador a jogar contra seis especialistas e foi assim. Não acreditei, liguei a um deles, doutorado em ciências computacionais, um tipo que tinha ganho o World Series of Poker quatro vezes, milionário e respondeu-me que sim:  joguei contra a máquina durante um mês e deu cabo de mim’. Por isso o que as pessoas estão a fazer agora é a comprar programas para jogar contra o computador para aprender a jogar melhor. O mesmo com o xadrez ou com o Go.

Há pouco estava a lembrar que atirava moedas ao ar no recreio. Hoje os miúdos já não o farão tanto. Perde-se alguma coisa?

Com cartas até jogam. Não sei, é uma tradição muito antiga da humanidade, vem até na Bíblia. Para decidir quem ia limpar o templo tiravam umas palhas e quem tivesse a mais curta tinha de ir. Usar dispositivos aleatórios para tomar decisões sob incerteza é uma tradição antiga. Lá está: dá-nos a ideia de que é mais justo.

O que percebeu que não é.

Bom, 51% ainda é muito perto de justo, é o melhor que temos.

É verdade que acha que toda a matemática da escola básica pelo menos se podia ensinar com cartas, dados e truques de magia?

Há um grupo de professores na Hungria que usa os dados da seguinte forma com miúdos de cinco, seis anos: há dois dados e a  soma pode dar um resultado de dois até 12. Depois têm cartas numeradas até 12. Cada um tira uma carta.

Atiram-se os dados e se sair o seu número, ganha. Ao fim, de algum tempo, todos começam a querer que lhes saia o sete, que é a soma mais provável. E a partir daí pode começar a tentar-se explicar como se fazem os cálculos, as probabilidades. No fundo o que se pretende é manter os miúdos interessados. Tudo o que implique meter as mãos na massa, ver quem soma mais rápido, pode ser motivador. Os jogos e este envolvimento são fatores que cativam as crianças e com a magia pode ser o mesmo: aprender a fazer truques simples que tenham matemática pode ajudar alguns alunos. Diria que provavelmente muita da matéria pode ser ensinada com truques de magia e cartas.

Noutro do dia o prof. João Araújo falava dessa sua visão e um antigo ministro da Educação colocava dúvidas: como se ensina por exemplo o conceito de contínuo [um conjunto de números não se pode dividir em dois subconjuntos que não tenham um ponto em comum]?

Sim, claro. Mas deixe-me pensar. Se pegar numa régua e a equilibrar nas mãos e for aproximando as mãos e vir qual é o número em que as suas mãos se tocam, em primeiro lugar verá que pára sempre no meio. Se puser um peso na régua, uma moeda, para-se noutro sítio. E isso é um continuum de possibilidades. Seguramente que se começarmos a discutir isto encontraremos centenas de maneiras de explicar diferentes conceitos.

Essa é a parte divertida?

Sim. E se interessar os professores, os miúdos vão ficar interessados. Por exemplo, a experiência de atirar dardos a uma parede. Este foi um teorema que provei e que tem a ver com contínuo e sorte e que podemos usar, exceto talvez a parte dos dardos ser um pouco perigoso… Imagine que temos uma parede, o lado esquerdo está pintado de preto e o direito de branco. Tem um dardo e atira-o. Não é muito aleatório: se mandar para a esquerda, vai acertar no preto.

Se mandar para a direita, vai acertar no branco. E agora entra a aleatoriedade: vou refazer a pintura com faixas intercaladas de preto e branco. A sua pontaria não é assim tão má, talvez ainda consiga ter algum controlo. Mas à medida que as faixas se tornem mais estreitas, torna-se aleatório onde acerto. Vê a aleatoriedade a instalar-se. E dá para fazer matemática disso: quão finas têm de ser as faixas para que alguém com alguma pontaria ainda tenha probabilidade de acertar?

No limite, o que é que pensamos que controlamos.

E como explicamos o que descrevemos como a aleatoriedade.

E, no limite, a aleatoriedade existe mesmo ou é uma invenção dos matemáticos para o que explicam e não explicam?

É uma maravilhosa questão. E para perceber a minha dificuldade em responder é como perguntar a alguém sobre os vinhos de Portugal ou da Califórnia. A conversa pode continuar eternamente. Escrevi um livro que se chama Ten Great Ideas About Chance, que é um pouco sobre tudo o que temos estado a falar. Depois de pensar nisto durante 50 anos, e esquecendo agora a mecânica quântica, o meu melhor palpite é que a aleatoriedade é uma afirmação sobre o conhecimento de determinada pessoa. Não é uma afirmação acerca do mundo exterior.

Ou seja, as moedas têm coeficientes de restituição, têm massa, têm espessura, não têm pequenos números dentro delas sobre probabilidade. Ser eu a atirar uma moeda ao ar é diferente de seres tu a atirar uma moeda. Portanto, a aleatoriedade é uma afirmação sobre o grau de conhecimento de um observador. E, assim, pessoas diferentes podem atribuir probabilidades diferentes ao mesmo evento. E inteligentemente um cientista político usa isso: qual é a probabilidade de Trump ser o próximo Presidente? Bom, eu espero que seja 0,00000, e pode citar-me, mas pessoas diferentes podem chegar a diferentes probabilidades.

No início dizia que desconfiava da forma como se usam as probabilidades. Falava desse tipo de campos, das sondagens por exemplo?

Há uns sites, chamam-lhes mercados de previsões, que são legais no Reino Unido e basicamente pode apostar em qualquer tipo de evento. Trump vai ser o próximo Presidente? E dão-lhe as probabilidades. Se acha que estão certas, aposta consoante a maior probabilidade. Se acha que não, aposta no oposto. Vale o que vale.

E o que acha um cientista quando aparecem aqueles animais a fazer previsões sobre quem vai ganhar o Mundial? Chegou a haver um polvo… 

[Risos] Um polvo? Não sei. Mas eis o que posso dizer: há muitas experiências com animais sobre probabilidades, por exemplo esta que já foi repetida milhões de vezes. Eu digo: esta pessoa vai ali para o fundo e pode enviar um de dois sinais, ou uma luz vermelha ou uma luz branca. Agora tu vais tentar acertar e vamos fazer isto 100 vezes. As pessoas tentam adivinhar. Depois de três vezes em que houve dois vermelhos e um branco, por exemplo, começam a fazer raciocínios muito complicados sobre o que pensam que a pessoa está lá ao fundo a fazer.

Na realidade, o que está a acontecer lá ao fundo é que é atirada ao ar uma moeda com uma probabilidade de 70% de sair cara. Quando isso acontece, acende-se a luz vermelha, quando sai coroa, acende-se uma luz branca. A pessoa foi-se embora portanto não há ali nenhum fator humano. Há uma estratégia ótima para este jogo que é dizer sempre vermelho, porque 70% das vezes vai sair vermelho. Ninguém faz isso, nem as pessoas mais espertas. Fazem planos e cenários muito complicados. Os animais mais burros como os peixes dourados e pombos escolhem sempre vermelho. Os animais inteligentes perdem-se e ficam confusos.

A inteligência pode ser uma desvantagem? 

Da mesma forma que quando temos algum problema começamos a pensar ‘mas o que fiz de errado’, fazemos histórias muito complicadas. E isto foi testado milhões de vezes. Os animais mais burros parecem sair-se melhor do que os mais inteligentes. 

Como é que se mantém a sanidade quando se converte, como dizia, tudo à volta em matemática e probabilidades? Transportou isso para a sua vida, por exemplo em momentos importantes?

Tenho uma história boa para responder… A dada altura tive de decidir se ficava em Stanford ou se ia para Harvard. Duas grandes universidades, tinha boas ofertas e estava a aborrecer toda a gente com a minha indecisão. Uma das minhas amigas disse: escuta, tu és um dos nossos grandes especialistas em probabilidades subjetivas, faz uma árvore de decisões, determina probabilidades e computa utilidades. Sem pensar respondi-lhe: ‘Sandy, isto é importante!’ [Risos]. Em retrospetiva, talvez devesse tê-lo feito. O que fiz foi seguir o coração e fui para a Harvard.

O probabilístico que segue o coração nas decisões importantes.

Há o custo do cálculo. Sou um probabilístico profissional. Tenho amigos psicólogos que fazem perguntas que envolvem probabilidade e se não as tiver feito antes estou no mesmo nível que a Marta. Não estamos programados para fazer cálculos de probabilidade corretamente. Seguimos o instinto e se calhar é bom que seja assim.

Tem funcionado nos últimos 200 mil anos de humanidade.

Sim. Os homens primitivos na selva veem umas listras nos arbustos: se calhar é melhor fugir do que tentar calcular as probabilidades de ser mesmo um tigre. Estamos programados para reagir exageradamente a coincidências, e provavelmente é sensato.

Numa sociedade com cada vez mais informação, pode explicar a maior ansiedade e até polarização?

Mais informação e inputs, os telefones a apitar toda a hora. Provavelmente, mas não é um problema matemático que tenha estudado.

Como foi o seu primeiro contacto com o ilusionismo?

A minha mãe tomava conta de crianças um dia quando eu tinha cinco anos encontrei um livro sobre magia, 400 truques. Escolhi dois e fi-los para os outros miúdos. Eram truques horrorosos mas eu estava encantado. Tornou-se um hobby. Em Nova Iorque, onde cresci, havia lojas de magia e fui entrando nesse mundo.

Nos anos 60, era um mundo glamoroso ou mais decadente?

Vi-o só como um hobby. Muitas pessoas viviam da magia mas nós éramos só miúdos que gostavam de fazer uns truques. Não sei se é exagerado, mas odiei a escola, nunca fiz um trabalho de casa e era um mau miúdo. Não que me metesse em problemas e crimes mas preferia fazer truques e baldar-me. Diziam és muito esperto e estás aborrecido, passa de ano… até que me vim embora. Antes disso já tinha um grupo de mágicos. 

Mas andavam de capa a tirar coelhos de cartolas?

Não, nada disso, era mais para fazer atuações. Acho que o mais determinante foi ter conhecido um homem que foi talvez o maior mágico do mundo, Dai Vernon.

Nessa altura ele já teria uns 60 anos. Como é que um miúdo conhece alguém assim?

Na loja de magia. Depois da loja fechar, aos sábados, íamos para um restaurante e ficávamos ali sentados durante horas a fazer truques e a falar.

Como era essa loja, um sítio obscuro com teias de aranha?

Não, era num 12º andar. As lojas de rua é que eram um bocado assim. Ali era tudo arranjado, nada desse campo mais místico. Tinha livros, acessórios, certamente algumas pessoas podiam lá pôr coelhos mas era magia branca, nada de misticismo e assombrações.

Nunca se deixou seduzir por isso?

Não. Nesse aspeto o mais que fiz foi desmascarar algumas coisas. 

Voltando primeiro a Dai Vernon.

Conheci-o numa dessas noites de sábado. Estava numa mesa com amigos  a praticar dar a segunda carta do baralho em vez de dar a carta no topo e fazer uns truques de mãos e a certa altura senti alguém atrás de mim que disse: ‘Isso é muito bom e sei quem foi o teu professor’. E de repente era este grande mágico. Ele chama-me para a mesa dos mais velhos e diz ‘faz lá aquilo’. Eu fiz e ele disse: ‘Estão a ver? este miúdo consegue fazer isto e nenhum de vocês consegue. A partir de agora podes sentar-te connosco’. E foi assim. Ficámos amigos.

Um dia, tinha eu 14 anos, telefonou-me a dizer que ia para Delaware, se eu queria ser assistente dele. Fui. Há mágicos de vários sabores, um pouco como os músicos. No tempo de Mozart, os compositores eram performers. Depois separaram-se: passou a haver compositores e performers. Com a magia aconteceu o mesmo: os performers inventavam regra geral os seus truques. Depois passou a haver inventores de truques e performers. Os inventores ou escritores de guiões podem ser péssimos performers e vice-versa.

E tornou-se um inventor.

Sim. O Dai Vernon era um grande inventor. Também atuava, mas era sobretudo um grande inventor. Havia em quase todas as cidades comunidades de mágicos amadores e os mais importantes andavam de cidade em cidade para dar palestras, que era o que ele fazia. Também ia à televisão e atuava, mas a vida dele era sobretudo na comunidade de mágicos que tinha gente de áreas muito diferentes, médicos, advogados. Foi uma vida ótima.

Diz-se que Dai Vernon foi o único mágico que conseguiu enganar Houdini com um truque que ele não conseguiu descortinar. Alguma vez derrotou o seu mestre?

Sim, claro.

Então pode dizer-se que derrotou o mágico que bateu Houdini?

[risos] Uma das coisas que os mágicos sérios mais gostam de fazer é inventar truques que enganem outros mágicos. E ele gostava disso, ficava feliz. Às vezes empenhamo-nos mesmo nisso.

Há mais ciência na magia do que se imagina?

Matemática, Psicologia. Saber que as pessoas geralmente pegam na segunda coisa que veem. Pode usar-se ciência ou então truques de mãos, conseguir fazer alguma coisa que o público não vê.

Pode dar-nos alguma pista? Para onde olhar no palco?

A comunidade mágica tem regras muito rígidas. Se viesse para um jornal explicar um truque deixavam de me falar!  

Mas são investidos nesse código ou é um acordo de cavalheiros?

É uma forma de pressão social. Escrevi um livro e como posso explicar truques quee inventei e também era sobre Matemática e sou professor passou, mas é chato.  

É verdade que acabou por entrar em Harvard com uma carta de recomendação que dizia que tinha inventado truques de magia?

Sim, foi o escritor de ciência Martin Gardner. Dizia: ‘Dos 10 melhores truques de cartas inventados nos últimos dez anos, este miúdo inventou dois, por isso deviam dar-lhe uma hipótese’. Um dos membros do comité era mágico amador e deu-me uma oportunidade. E foi assim que comecei a estudar em Harvard.

Era comum?

Cada pessoa tem a sua história. E depois do curso a forma como arranjei trabalho em Stanford também foi inesperada. Havia um tipo que alegava que conseguia dobrar colheres com a mente, Uri Geller. Estava a ser estudado por um think tank chamado SRI, Stanford Research Institute. Eram financiados pela Marinha, que começou a ficar nervosa por pagar 100 mil euros por ano para estudar um tipo que dobrava colheres. Contrataram-me para ir ver e fazer um relatório. Era ao lado da universidade, tinha acabado o curso e perguntei se podia dar uma palestra. E eles, claro, por que não? Depois perguntaram-me se tinha trabalho. Não tinha e propuseram-me um contrato de um ano. Arranjei trabalho acidentalmente porque andava a investigar um psíquico [risos].

Como é que ele dobrava as colheres?

A Times queria pô-lo na primeira página como homem do ano, como psíquico. Era um fenómeno, estava em todas as televisões e tinha de fazer uma demonstração para os editores da revista. Eu e outro mágico, James Randy, sabíamos e avisámo-los com antecedência: pede às pessoas para levarem colheres, para não pensarem que usa colheres especiais.

‘Trouxeram colheres? Muito bem. Então encontram duas colheres que sejam iguais. Dessas, escolham uma que eu vou tentar dobrá-la. Vejam que não lhe toquei’. E quando mete a outra de lado dá-lhe um toque mas estamos a olhar para outro lado. E depois diz: ‘Segure a colher. Sente-a a aquecer. Vamos comparar com esta outra colher, é diferente’. E então vai buscá-la para ver que é diferente, corre à volta da mesa, diz que precisa de água, vai à casa de banho, coloca a colher debaixo de água e a ponta dobra.

Se disser que é isto que vai acontecer, consegue ver. Mas quando não sabe, fica incrédulo. Por isso dissemos-lhes o que ia acontecer, eles viram e fizeram um artigo sobre o psíquico ser uma fraude.

Consegue perceber todos os truques que vê?

Quase todos.

Então a magia não funciona para si?

Não funciona muito bem [risos]. Mas uma vez o Uri Geller enganou-me e não aconteceu muitas vezes. Estávamos a ir para Palo Alto. Estou a guiar e ele vai no banco de trás. ‘Não acreditas em mim, pois não?’, diz a certa altura. E eu respondi: ‘Não, para ser honesto sou cético’. E ele responde: ‘Consigo perceber mas vou tentar fazer alguma coisa’. Mais tarde, no restaurante, pergunta-me: ‘Tens chaves no bolso?’ E eu ‘Sim’. ‘Sabes que chaves estão no porta-chaves?’ ‘Sim’. ‘Consegues pensar numa chave que seria mais fácil de dobrar do que as outras?’ E eu: ‘Talvez’. E ele: ‘Não quero tocar em nada. Tira as chaves e fecha-as na mão, levanta-te’. De repente estávamos no meio do restaurante, toda a gente a olhar para nós a perguntar: ‘Aquele não é o Uri Geller?’. E ele: ‘Sentes a tua mão a ficar mais quente’. E eu: ‘Óbvio, estou a apertá-la’. E ele: ‘Abre a mão’. E de repente abri e a chave em que estava a pensar estava dobrada.

Durante cinco minutos senti-me mais enganado do que nunca. E depois percebi. Tenho dois porta-chaves, as do carro e as de casa, que estavam no meu casaco que ia na parte de trás do carro com ele. Enquanto eu estava a guiar, ele tirou o porta-chaves. Quatro eram chaves de Stanford, muito grandes, e outra era mais pequena e ele dobrou-a. Uma hora mais tarde, fez o truque. Foi esperto, um bom performer mas não psíquico.

Quando saímos do carro tinha dito: ‘Está frio, é melhor levares o teu casaco’. Ainda está vivo e não estou a dizer nada que não tenha escrito antes. Uma vez testemunhei no Congresso: dão cerca de 20 milhões de euros por ano para investigação psíquica. Pediram-me para ir falar com os generais que davam o dinheiro. São pessoas inteligentes. E disse-lhes mesmo: ‘O que é que se passa com vocês?’ Responderam: ‘Estamos a falar da DARPA Advanced Projet Research.

Os projetos são estranhos, mas os russos estão a financiar investigação psíquica. Se existir um mínimo de probabilidade de existir, temos de estar em cima do acontecimento’.

Mas não acredita mesmo nada?

Eu observo, mantenho a mente aberta. Mas sempre que observei eram apenas maus truques de magia ou estatísticas mal feitas. Fiz isto 40 anos. Cansamo-nos.

Tem muitas perguntas ainda na sua cabeça?

Sim, muitas. E sempre que aprendo uma nova técnica ou vejo algo novo penso será que pode ajudar. Há pouco tempo fui ver as questões da minha tese que ficaram em aberto há 50 anos e não sei como resolver e ultimamente tenho pedido a outras pessoas se podem ajudar.

É como uma ‘bucket list’ científica?

Sim, se não consegui resolver em 50 anos, será que podem ajudar este velho?

É interessante.

Fiquei cansado de bater com a cabeça na parede e o que gostava mesmo era de ver os problemas resolvidos. Adoro aprender coisas novas. Em Portugal não tenho uma biblioteca e os matemáticos ainda recorrem muito a livros. Lemos artigos científicos de há 50 anos. Se disser a um biólogo que leu um artigo de há cinco anos vai pensar que é louco mas nós ainda o fazemos. Podemos encontrar livros online e continuo a tentar aprender partes da matemática que não domino.

E tem ficado por aí ou depois da magia e da matemática, está aberto a outras paixões?

Não, adoro Matemática e ainda faço alguma consultoria a mágicos profissionais, que fazem por exemplo espetáculos para organizações. Sei lá, vou fazer um espetáculo para uma associação de ferro, podes inventar-me um truque com latas? 

Já inventou algum truque para um mágico português?

Já, para um maravilhoso mágico português mas talvez seja melhor não dizer mais.

Tem uma solução para a falta de professores de Matemática?

Não sei. Nos EUA temos faculdades comunitárias. Dois anos em que as pessoas entram sem requisitos e se sair bem pode ir para uma faculdade a sério. Acho que podia ser uma maneira de atrair mais pessoas. Um dos motivos para a matemática ser mal vista é as pessoas não aprenderem. E quando se é miúdo pode ser mais fácil.

Foi como descobriu a Matemática?

Posso dar o exemplo de como descobri os números binários. Os jogadores e os mágicos conseguem baralhar cartas na perfeição. Tem um baralho, corta-se exatamente a meio e depois em quatro e vai-se enfiando as cartas. Vamos supor que tenho quatro ases no topo: se baralhar de forma perfeita, os ases passam a ser a segunda carta. Se baralhar outra vez, são a quarta carta. Se der a quatro pessoas, sei como ficar com os ases. Há alguma forma de baralhar que dê para fazer isto com cinco mãos? Isto é um problema de matemática.

E onde é que viu os números?

Não sabia que se chamavam assim, mas foi a pensar nisto. Há dois tipos de baralhadores perfeitos, os que baralham por dentro (in-shuffle) e por fora (out-shuffle). Esta é mais uma conversa como a dos vinhos [risos]. Percebi que depois de baralhar oito vezes de forma perfeita, o baralho de 52 cartas volta a estar como no início. E aprendi isto da forma mais longa: a repetir, repetir, repetir. E depois começamos a pensar: se for um baralho de 32 cartas ou 64 cartas? Quantas vezes é preciso baralhar?

Não sabemos e nunca saberemos e é fascinante que um problema em que um miúdo de 13 anos consegue pensar não tenha sido resolvido ainda por nenhum matemático. Ao estudar o que podia fazer baralhando de forma perfeita, comecei a pensar: imagine que quero que a carta de topo apareça em sexto lugar – o que é fácil de ver que dá jeito nos truques. E comecei a ver que 6-1 um era 5 e 5 em ‘binário’ é 101, então isso dizia-me que é baralhar uma vez por dentro, outra por fora, outra por dentro. Se fizer esta sequência tem esse resultado.

Mas chegou a essa conclusão sozinho?

Cheguei ao raciocínio. Há uma forte relação entre baralhar cartas e a teoria dos números que começa com questões que um miúdo pode fazer.

Há um lado obsessivo na disciplina?

Ao início foi praticar, que é algo que os miúdos fazem.

Ao fim de todos estes anos, o que lhe foi mais útil?

Para saber como falar com os outros, dar uma aula, isso veio da magia seguramente. Em miúdo ganhava a vida com magia, fazia 17 shows por dia em Nova Iorque. Isso dá-nos um grande à vontade.

Qual foi o seu primeiro cachê?

Cinco dólares, talvez.

Comprou o quê?

Lembro-me de ter comprado um livro. Há milhares de livros de magia. Hoje tenho 10 mil livros de magia e continuo a comprá-los.

Vai trazê-los para o Alentejo?

Não sei, é um problema. Dois mil livros já são muitos. 10 mil são muitas salas de cima a baixo. E são livros que me fazem falta: não dá para ir a uma biblioteca consultar um livro de magia. Todos os anos são publicadas centenas, há três jornais, uma revista semanal. É um mundo, como qualquer outro mundo.

E anda com um baralho de cartas especial?

Ah isso não, temos de conseguir trabalhar com qualquer baralho, de outra forma não é a sério.