A pobreza, os pobres e os pobres de espírito

A solidariedade europeia e a coesão da União são apreciadas, mas já devíamos estar embaraçados desta política de mão estendida.

por Francisco Gonçalves

Escreveu brilhantemente Mia Couto que «a maior desgraça de uma nação pobre é que, em vez de produzir riqueza, produz ricos». No contexto internacional Portugal não é uma nação pobre, mas é uma nação que tem vindo a empobrecer, que padece de problemas estruturais na sua organização, que impedem o país de deixar o atraso estrutural no contexto europeu.

Em Portugal, de acordo com a OCDE, uma família pobre leva, em média, 5 gerações a deixar a pobreza. Isto é, um Homem pobre tem filhos pobres, netos pobres, bisnetos pobres e trinetos pobres. Ou há um problema de linhagem na pobreza (e na riqueza) nacional, ou temos uma situação de pobreza estrutural. Dado que não é aceitável que uma pessoa ou uma linhagem sejam inferiores, não é difícil perceber que não temos uma sociedade assente no mérito e no talento.

Isto acontece num país que tem mais de 20% de pobres, que assim são objeto da vergonha de uns e do desprezo dos outros.

Os pobres são (e devem ser), para a maioria dos políticos, uma vergonha e um embaraço. O melhor é não pensar neles, serem invisíveis. O Presidente da República faz uns números mediáticos interessantes quando oferece uma malga de sopa aos sem-abrigo ou tira uma selfie no Bairro da Jamaica. Todavia, o nosso Presidente não conversa sozinho com uma mãe que sai de casa às 5 da manhã para limpar escritórios, que a seguir trabalha a dias na ‘casa da senhora’, chegando a casa tarde e a más horas para acompanhar o filho de 8 anos. Estas crianças, que vivem nos bairros da periferia das grandes cidades, crescem onde a escola é frágil e a sedução dos traficantes locais está ao virar da esquina.

O mesmo Presidente da República nem uma única vez se preocupou em saber quantos milhares de milhões de euros de investimento privado estão parados nos poderes intermédios da administração. É esse investimento que cria a riqueza que paga o apoio social que ajuda o filho daquela senhora. É esse investimento, que não entra na economia, que libertaria as crianças da vida de criminalidade, que suportaria a escola e o apoio escolar que elas precisam para combater o atraso do ponto de partida (uma casa que não tem livros ou pais que não sabem ajudar nas contas de dividir ou na gramática) e que pagaria a bolsa de estudo que as libertariam a si, e aos seu filhos, da maldição das cinco gerações de pobreza.

O Presidente da República não é o culpado desta situação, mas é cúmplice de um sistema que despreza os pobres e os torna invisíveis.

Temos uma esquerda que usa os pobres e a pobreza para continuar a ter votos e uma direita que tem vergonha dos pobres, a quem trata como coitadinhos, confundindo solidariedade e justiça social com a caridadezinha de quem usa a tal malga de sopa para aliviar a vergonha e sossegar o espírito.

As políticas de criação de riqueza e uma cultura de trabalho e de maior produtividade deveriam ser elevadas a desígnios nacionais. Os entraves ao investimento e à geração de riqueza são as forças de bloqueio das últimas décadas. O país está organizado para não produzir, e isso está a ter custos brutais para as atuais e futuras gerações.

Os pacotes de fundos comunitários são a nossa ‘doença holandesa’. Quase 4 décadas após a adesão às comunidades europeias não era já tempo de estarmos a fazer mais por nós próprios? A solidariedade europeia e a coesão da União são apreciadas, mas já devíamos estar embaraçados desta política de mão estendida.

Não podemos continuar a ser um país de pobres e de pobres de espírito.