As políticas identitárias são inimigas da democracia

As políticas identitárias invadem telejornais, programas políticos, sugam milhões em apoios e subvenções, grupos e observatórios e já influenciam áreas do setor jurídico e educativo e têm os políticos sequestrados. 

Por João Maurício Brás

Recentemente o museu de língua Portuguesa (Brasil), anunciava o seu regresso e agradecia: «@ todos, todas e todes». 

Mark Lilla um democrata norte-americano tem travado uma batalha fundamental pela lucidez e pelos mais nobres princípios democráticos contra as políticas identitárias que estão a destruir a democracia. Os seus alertas merecerem uma profunda atenção das pessoas, principalmente dos políticos que querem preservar a democracia e preocupar aqueles que por medo ou omissão legitimam essa destruição. O melhor da democracia está a ser totalmente minado, quer por um determinado modelo económico-financeiro, quer por um modelo societal.

As políticas identitárias invadem telejornais, programas políticos, sugam milhões em apoios e subvenções, grupos e observatórios e já influenciam áreas do setor jurídico e educativo e têm os políticos sequestrados. 

Os movimentos sociais surgidos nos anos 50 nos EUA pela igual dignidade de direitos (vamos ater-nos apenas ao século XX) constituem uma das páginas mais luminosas do mundo contemporâneo. Igual dignidade de direitos para negros, mulheres e homossexuais foram e são uma regra de ouro de qualquer sistema político digno. Sem a garantia desse pilar, tal como a luta contra a pobreza, nenhuma sociedade se poderá orgulhar do que significa. Essas lutas travaram-se em nome do princípio da construção de sociedades solidárias. A cidadania é incompatível com discriminação baseada em sexo e raça. Esses movimentos sociais provocaram mudanças fundamentais na sociedade, baseadas nesses princípios de solidariedade e igual dignidade. 

Mark Lilla deteta uma mudança profundamente destrutiva por parte da esquerda que surge durante os anos do Reaganismo. A retórica da esquerda (liberais culturais, progressistas, esquerda radical) deslocou-se da exigência de igualdade e solidariedade entre cidadãos para a linguagem de identidade pessoal. O princípio da solidariedade deu lugar aos princípios de autodefinição e reconhecimento (de uma diferença, uma excecionalidade superior a quem tudo é devido de modo perpétuo). O impacto político foi desestruturante. Uma coisa, como refere Lilla, é exigir que gays e lésbicas tenham tratamento de igual dignidade perante a lei, outra coisa é exigir que as autodefinições de género de cada um (a subjetividade de cada um) seja obrigatoriamente reconhecido e afirmado por todos os outros. Para essas políticas identitárias que sequestraram os democratas, uma sociedade consiste num agregado de tribos, grupos que se opõem entre si e se digladiam, acusando-se e proclamando o quanto têm razão e são vítimas perpétuas. A divisão é o seu princípio social e não o que une na diferença. 

O sentido identitário já não é o de democratas e da sua identidade mais abrangente, mas o tribal dos ativismos, o da sua individualidade excludente, na sua visão privada e subjetiva do mundo à qual tudo se deve vergar. A identidade de cada um será tão específica que o coloca à parte da comunidade e da sociedade, e estas têm de o aceitar e se submeter. Esta dinâmica aumentou o ressentimento, o ódio e o vitimismo. O profundo egoísmo e cegueira desta ‘onda’ identitária impõem que ideologicamente tudo se resuma para cada um à sua identidade pessoal. 

 

Esquerda pós-moderna e liberais partilham essa visão antidemocrática. A alternativa também não é o reacionarismo delirante.