Estado pagou internet que não foi ativada pelos alunos

Auditoria do Tribunal de Contas à primeira fase de entrega de 100 mil computadores a estudantes estima pagamentos indevidos de 1,3 ME.

O Estado terá pago 1,3 milhões de euros a mais por pacotes de internet de estudantes que não chegaram a ativá-los até 31 de agosto de 2021. É uma das conclusões de uma auditoria do Tribunal de Contas (TdC) à compra de 100 mil computadores para alunos com Ação Social Escolar, a “fase zero” da distribuição de computadores e hotspots nas escolas decida pelo Governo com a chegada da pandemia.

Além da derrapagem nos prazos, os auditores apontam “deficiências e insuficiências” quer na afetação do financiamento quer no acompanhamento e controlo do programa, notando que em junho deste ano ainda ainda havia alguns destes computadores por serem levantados pelas famílias, também devido a casos de recusa, justificados pela má qualidade dos portáteis ou pela assunção de custos com manutenção.

Este é o primeiro relatório a focar-se especificamente na compra de computadores na sequência de uma auditoria à digitalização das escolas durante a pandemia. Um dos pontos suscitados no documento, a que o i teve acesso, foi o facto de inicialmente não se abrangerem alunos em escolas particulares com contratos de associação com o Estado, que também são beneficiários da Ação Social Escolar. “Esta correção só se tornou efetiva após ter decorrido cerca de um ano”, diz o TdC.

Ao todo, recapitula o relatório, foram assinados a 16 de outubro de 2020, sete meses já depois de ter sido decretado o primeiro estado de emergência, seis contratos de aquisição de bens e serviços, no montante de 31,8 milhões de euros – três para 100 mil kits de computadores portáteis, no valor de 24,4 milhões de euros, e outros três para o fornecimento de hotspot/mobile router, no valor de 7,4 milhões. Os auditores notam que, embora tenham acabado por ser executados em escolas com contratos de associação, nem todas foram abrangidas, “em virtude de os dados dos alunos, para efeito da atribuição de equipamento na Fase Zero, não terem sido atualizados nos sistemas de informação”. Nota também o TdC que o alargamento que existiu acabou por sair do Orçamento do Estado, no valor de 318 mil euros, sem que tenha havido adendas aos contratos por parte da Secretaria-Geral da Educação e Ciência, que alegou não haver prejuízo porque os valores pagos foram inferiores aos que estavam previstos no contrato. O TdC, em face do exposto, afasta o cenário de infração financeira, mas nota que os computadores chegaram com a indicação de ter sido financiados por fundos comunitários quando não foram e não descarta em toda a linha responsabilidades financeiras neste processo, sendo a questão mais problemática a das ativações de rede.

“As verificações físicas em 2022 evidenciaram existirem hotspots e cartões SIM, abrangidos por estes contratos, que ainda permanecem por entregar aos alunos e, não obstante, a conetividade foi faturada e paga”, lê-se. “Conclui-se, assim, que o pagamento da prestação de serviços de conetividade foi efetuada como se tivessem sido ativados todos os cartões SIM, quando de facto não foi o caso”.

Revelando que a questão levantou dúvidas jurídicas, que já este ano em maio motivou um parecer que deu razão ao entendimento de que foram feitos pagamentos a mais, o TdC insta a SGEC a determinar os  montantes dos pagamentos indevidos (que estimam em 1,3 milhões de euros) e das verbas a repor, para notificação das operadoras. Como a SGEC informou  que esse processo está em curso, não avança para já o procedimento de responsabilidade financeira.

Os auditores deixam ainda algumas conclusões sobre todo o processo, salientando por exemplo que há cartões SIM que permanecem ativos, apesar dos contratos terem terminado a 31 de agosto. Por outro lado, revelam que há computadores por entregar a alunos, quer porque os pais não os levantaram mas também por recusas “justificadas com a má qualidade dos computadores portáteis, receio de perda ou quebra e morosidade e elevados custos de reparação”. O TdC assinala ainda que “a maioria das escolas referiu que a má qualidade dos computadores portáteis tem impacto na sua vida útil, prevista para quatro anos”. E reforça as conclusões da auditoria inicial: “Se não forem detetadas tempestivamente e tomadas as medidas apropriadas, as situações desconformes poderão vir a ser impactantes na marcha do processo da Escola Digital e na modernização do sistema educativo português”.