Barbie Jane Goodall. Verde é o novo cor-de-rosa

Com seis décadas de história, a Barbie deixou de ser apenas ‘perfeita’ e passou a ter um corpo parecido com as mulheres de carne e osso e a refletir as preocupações do mundo atual. Com os olhos postos na sustentabilidade ambiental e em homenagem a Jane Goodall, a marca lança agora uma boneca inspirada na primatologista…

Lá vão os tempos em que uma boneca Barbie consistia em quatro membros finos em plástico cor de pêssego, cabelos loiros, peitos empinados, cinturas minúsculas, com os pés perpetuamente em pontas. Essa boneca é agora ladeada por um elenco diversificado de amigas que também se chamam Barbie. Há uma baixinha, uma alta e uma cujas curvas não se ficam apenas pelo peito. Há mais tons de pele, uma variedade de penteados, mas sobretudo a Barbie já não se resume a ser um modelo de beleza de proporções inatingíveis, cujo único interesse se reduz ao universo da superficialidade e do materialismo. Atualmente, a Barbie já acumula mais de 200 carreiras profissionais, incluindo em mais áreas CTEM (ciência, tecnologia, engenharia e matemática). E, recentemente, reforçou o seu compromisso com um futuro mais verde.

Com uma camisa caqui combinada com calções, um par de binóculos ao pescoço e um caderno na mão e tudo feito de 75% de plástico reciclado, a Mattel, fabricante destas icónicas bonecas, lançou agora uma versão da Barbie à semelhança da primatologista britânica Jane Goodall. A boneca faz parte da série Mulheres Inspiradoras lançada pela marca e promove não só os estudos pioneiros de Goodall sobre chimpanzés mas também o seu ativismo na área da conservação da natureza.

Este era também um desejo de longa data de Goodall: «Quando soube que a boneca seria feita, fiquei muito feliz porque, na verdade, vinha a sugerir isso há muito tempo», confessou. «As raparigas não querem ser apenas estrelas de cinema e coisas assim; muitas delas, como eu, querem estar na natureza e estudar animais».

 A boneca traz ainda uma réplica do primeiro chimpanzé que confiou na primatologista e se aproximou dela, e que a britânica batizou como David Greybeard durante os trabalhos de campo que conduziu no Parque Nacional de Gombe, um território que corresponde hoje à Tanzânia, no Leste de África. Jane Goodall começou a investigação no Leste da África em 1960, aos 26 anos, equipada com pouco mais que um caderno e binóculos -, tal como a sua boneca. Quando entrou na floresta de Gombe, muito pouco se sabia sobre os chimpanzés. Após mergulhar no seu habitat, descobriu que estes primatas fabricam as suas próprias ferramentas, caçam e comem carne, mostram compaixão, entre outras características antes impensadas como próprias da espécie.

Agora, aos 88 anos, viaja pelo mundo, para  alertar para as ameaças que os chimpanzés e o meio ambiente enfrentam, incitando o resto do mundo a agir. Goodall espera que a sua boneca incentive as novas gerações a envolverem-se em projetos de conservação do meio ambiente, já que na sua infância não tinha exemplos femininos nesta área. «Quando era mais nova, não tinha nenhum ídolo feminino. A minha mãe apoiou o meu sonho, mas os meus heróis, os meus exemplos, eram o Tarzan e Dr Dolittle».

O lançamento desta boneca está também em linha com a meta da Mattel de atingir 100% de materiais plásticos reciclados, recicláveis ou de base biológica em todos os seus produtos e embalagens até 2030. A empresa tem concentrado os seus esforços em transformar a Barbie numa marca que se define pela diversidade e inclusão, igualdade de oportunidades e, agora, sustentabilidade. Mas nem sempre foi assim.

Barbie – de nome completo Barbara Millicent Roberts -, uma figura de plástico de 29 centímetros que envergava um fato de banho às riscas preto e branco, lábios vermelhos e um rabo de cavalo loiro, foi lançada em 9 de março de 1959 pela Mattel, Inc., uma fabricante de brinquedos do sul da Califórnia. Ruth Handler, que cofundou a Mattel com o seu marido, Elliot, foi a responsável pela introdução da boneca no mercado norte-americano. A aparência física da Barbie foi inspirada na boneca alemã Bild Lilli, originalmente comercializada como um souvenir mais atrevido que os homens podiam comprar em tabacarias, e que era feita à imagem de uma personagem de uma banda desenhada do jornal alemão Bild Zeitung.

Desde o seu lançamento que a Barbie é alvo de controvérsia. Num estudo de mercado financiado pela Mattel, em 1958, antes do lançamento da boneca foram muitas as críticas sobre a sua «figura demasiado adulta». A empresa californiana conseguiu contornar a questão com anúncios televisivos dirigidos ao público mais jovem. Na verdade, a Mattel tornou-se a primeira empresa de brinquedos com anúncios televisivos para crianças.

Em resposta à procura, entre 1961 e 1964, a Mattel lançou o namorado da Barbie, Ken, a melhor amiga, Midge, e a sua irmã mais nova, Skipper. Em 1968, a Barbie abraçou outras bonecas de cor como ‘amigas’, mas só na década de 80 é que a própria Barbie conheceu uma versão afro-americana.

Desde a década de 70, que a Barbie não se consegue desligar do materialismo que a rodeia, pela acumulação de acessórios como carros, casas e roupas, bem como das proporções corporais irrealistas que difunde. Em 1994, investigadores finlandeses denunciaram até que se a Barbie fosse uma mulher de verdade, não teria gordura corporal suficiente para menstruar. Apesar disso, muitas mulheres que brincaram com a boneca naquela época reconheciam-na como uma escapatória aos papéis de género perpetuados até aos anos 50. Equipada com um leque de acessórios que remetiam para diferente profissões, a boneca era um exemplo de autossuficiência financeira. O currículo da Barbie inclui, entre outras coisas, uma carreira como piloto de avião, astronauta, médica, atleta olímpica e candidata à presidência dos Estados Unidos.

Embora a Mattel tenha criado a Barbie à imagem da típica rapariga americana, a boneca nunca foi fabricada nos Estados Unidos, para evitar custos de mão de obra mais elevados. Hoje em dia a boneca é um símbolo do capitalismo, com um mercado que se estende pela Europa, América Latina e Ásia. No entanto, nunca alcançou a aprovação no mundo muçulmano. Em 1995, a Arábia Saudita chegou mesmo a interromper a sua venda porque violava o código de vestuário islâmico. Eventualmente, foram lançadas bonecas com hijabs que foram comercializadas tendo como público-alvo crianças muçulmanas.

De forma a ultrapassar as críticas que se acumulavam ao longo dos anos de que as bonecas Barbie não refletiam com precisão a diversidade da mulher moderna, a Mattel em 2016 apresentou as Barbie Fashionistas. Uma série que incluía quatro tipos de corpo, sete tons de pele, 22 cores de olhos e 24 penteados.

«A Barbie é um reflexo do mundo tal como as jovens raparigas o veem hoje», explicou na altura Richard Dickson, o presidente executivo da fabricante norte-americana. «A sua capacidade de evoluir com o tempo, permanecendo fiel ao seu espírito, é fundamental para explicar porque a Barbie é a boneca número um do mundo», acrescentou o responsável.

Já Evelyn Mazzocco, vice-presidente e diretora geral global da marca Barbie, defendeu esta aposta como uma responsabilidade. «Acreditamos que temos uma responsabilidade para com as jovens raparigas e para com os pais de refletir uma visão mais alargada da beleza», destacou.

Mais tarde, em 2019, foram introduzidas na linha Fashionistas as primeiras Barbie com deficiências físicas. No ano seguinte a marca introduziu nesta linha uma boneca com vitiligo (uma perturbação da pigmentação da pele), outra careca, e mais uma com uma prótese na perna, além de um boneco Ken de cabelos longos. Foi um autêntico sucesso, levando a que a marca alcançasse o maior crescimento de vendas em duas décadas em 2020.

Apesar dos esforços da Mattel, que recentemente lançou também uma coleção de bonecos sem género definido, para algumas vozes mais críticas, este reconhecimento da diversidade por parte do fabricante da boneca icónica foi tardio. l