Supertaça. Por entre essas malhas que o Império tecia…

A Supertaça joga-se amanhã entre FC Porto e Tondela. A primeira tentativa de Supertaça foi entre Sporting e Benfica. Era para continuar mas ficou-se por um jogo.

António de Oliveira Salazar prometera e cumprira. Em 1932, quando subira ao poder, anunciara a construção de um grande parque desportivo. Em Julho desse ano, o novo Ministro das Obras Públicas e Comunicações, o engenheiro Duarte Pacheco, lançou um programa gigantesco de obras públicas com o objectivo imediato da modernização urbanística e económica do país. A planificação daquele que viria a chamar-se, muito a propósito, Estádio Nacional, iniciou-se em 1939. A sua concepção visava não apenas as manifestações desportivas, mas igualmente a criação de um espaço no qual tivessem lugar demonstrações públicas da política vigente, tal como sucedia na Alemanha de Hitler, por exemplo. Por isso, não admira que o Estádio de Honra, como começou por ser designado, fosse inspirado no Estádio Olímpico de Berlim e nessa concepção ultra-neoclássica que eram as manifestações estéticas monumentalistas e teatrais do III Reich. Francisco Caldeira Cabral, Jorge Segurado, Konrad Wiesner, foram alguns dos arquitectos consultados. Mas é a Miguel Jacobetty Rosa que a paternidade do estádio tem de ser atribuída. 

Cinco anos duraram as obras. E, no dia 10 de Junho de 1944, Dia da Raça, como então se designava, perante a presença do Pesidente da República, Óscar Carmona, e do Presidente do Conselho, Oliveira Salazar, milhares de jovens filiados na Mocidade Portuguesa ou na Federação Nacional da Alegria no Trabalho desfilam orgulhosos nos seus fatos de ginástica ou nas suas fardas de gala em frente às bancadas monumental estádio que se inaugurava.

Nunca tinham sido tantos em redor de um campo de futebol. 60.000 pessoas vitoriavam Salazar que, pouco dado a essas coisas de desporto e muito menos de futebol, saiu ao intervalo, “à la française”, com o resultado ainda em zero-zero.

Esmagador! O Século rejubila na sua primeira página: “A inauguração do Estádio Nacional foi um espectáculo esmagador de emoção!” E continuava, num estilo grandiloquente que tanto agradava ao regime: “60.000 pessoas delirantes de entusiasmo patriótico aclamaram em apaixonada grita os Chefes de Estado e do Governo e cantaram em coro o Hino Nacional”. António Lopes Ribeiro estava lá: filmaria tudo.

Depois dos desfiles, o jogo. Em disputa estava a grandiosa Taça Império (que tinha novas edições prometidas mas não cumpridas – o país não era feito de Salazares) e frente a frente o campeão nacional, o Sporting, e o vencedor da Taça de Portugal, o Benfica. No fundo, a primeira Supertaça…

Até ao intervalo, não houve golos. Azevedo, o célebre Azevedo, estava seguro como nunca. Espírito Santo e Julinho, Teixeira – o Gasogéneo – e Rogério, dito Pipi, nada podiam contra a simplicidade científica do futebol de Octávio Barrosa e Manuel Marques.

Depois, António Oliveira Salazar saiu do Estádio Nacional, e o jogo libertou-se. Adolfo Mourão foge à defesa encarnada e oferece o primeiro golo ao pletórico Peyroteo. Estão decorridos 16 minutos do segundo tempo. O Benfica responde em avalanche. É Espírito Santo quem empata, pouco depois da meia-hora. Até ao fim dos noventa minutos, os espectadores assistem, inquietos, aos golpes e contragolpes dos dois opositores.

Mas há que recorrer ao prolongamento. E mal dois minutos estão decorridos quando Barrosa lança Peyroteo em direcção à baliza Martins. Nada a fazer. O Sporting ganha vantagem e não mais a perderá. Eliseu, lesionado, encosta-se à esquerda, a fazer figura de corpo presente, como era regra da época.

Convencidos da sua incapacidade, os jogadores do Benfica condenam-no ao abandono. Erro fatal. É sozinho que recebe uma bola vinda da sua defesa e é sozinho que caminha com ela para a baliza encarnada e para o 3-1. Estamos apenas com 6 minutos desde prolongamento de loucos. Quatro minutos depois, Júlio, a quem os adeptos tratam carinhosamente por Julinho, reduz para 2-3. É a vez do enorme Azevedo fazer valer a sua imensa categoria. A Taça Império está segura nas suas mãos. E é Adolfo Mourão que, no último minuto do prolongamento, ainda remata à barra de Martins como que a sublinhar a justiça de tão grande vitória.