Pickle. Uma ideia de génio ou simplesmente idiota?

Depois de, em 2019, o artista italiano Maurizio Cattelan ter surpreendido o público ao colar com fita adesiva cinzenta uma banana madura na parede de uma galeria durante a Art Basel, em Miami, agora, o artista australiano Matthew Griffin tirou o pickle de um cheeseburger do McDonald’s e atirou-o ao teto de uma galeria. E,…

O debate não é novo. Muitas vezes, perante um objeto considerado, à partida, “artístico”, cresce uma dúvida na cabeça de muitos: “Mas será que realmente estou perante uma peça de arte?”. Talvez possamos dizer que a “discussão” começou no início do século XX, em 1916, durante a Primeira Guerra Mundial. Nessa altura, surgiu um novo movimento artístico, o Dadaísmo, que tinha como objetivo romper com os estilos clássicos e tradicionais, agindo de modo “anárquico” e “irracional”. O propósito dos artistas dadaístas – que tinham o lema de que “a destruição também é criação” – era criar uma arte de protesto que chocasse a sociedade burguesa e pusesse em causa os seus valores culturais. Fonte, uma das obras mais célebres de Marcel Duchamp – considerado o artista mais influente do século XX, pioneiro da arte conceitual e que elevou o objeto quotidiano à categoria de arte – é amplamente vista como um ícone da arte do século passado. A obra original que se perdeu, consistia num urinol de cerâmica produzido industrialmente, assinado e datado “R. Mutt 1917”. Se nessa altura muitos se sentiram insultados com a possibilidade de Fonte ser considerada uma obra de arte, hoje o debate continua aceso.

Em 2019, o artista italiano Maurizio Cattelan surpreendeu o público ao colar com fita adesiva cinzenta uma banana madura na parede de uma galeria durante a Art Basel, em Miami, em 2019. Segundo o The Guardian, o trabalho, intitulado Comedian, foi vendido por 120 mil dólares, cerca de 115 mil euros. Ou melhor, quem o comprou pagou por “um certificado de autenticidade da ideia artística”, já que a banana acabou por não durar muito. Foi depois arrancada da parede e comida pelo artista de Nova Iorque, David Datuna. Agora, no centro da polémica, mantém-se um alimento. No entanto, desta vez, ainda mais pequeno e insignificante – um pickle. O artista australiano Matthew Griffin tirou o pickle de um cheeseburger do McDonald’s e atirou-o ao teto de uma galeria. De acordo com a Artnet News, a criação vale “muito mais do que aquilo que se poderia esperar”: 10 mil dólares neozelandeses, o equivalente a seis mil euros. A obra de arte, apelidada precisamente Pickle, está em exibição na Michael Lett Gallery, em Auckland, numa exposição coletiva. E os neozelandeses estão divididos entre os que a consideram uma ideia de “génio” e os que a consideram a ideia de um “idiota”. Um internauta chegou a fazer uma comparação sobre como a situação é tratada numa galeria em contraposição a um restaurante. “Fui expulso pela polícia de um McDonald’s por fazer isso quando era adolescente, agora é arte”, reclamou. Outros defendem-na, considerando-a “parte de uma rica tradição”. Por sua vez, a galeria de arte de Auckland considerou-o um “gesto provocativo” deliberadamente pensado para questionar o que tem valor. 

“Houve sorrisos e conversas interessantes” “Suscitar respostas diferentes ao trabalho faz parte da alegria do próprio trabalho”, disse, ao The Guardian, Ryan Moore, o galerista de Sydney que representa Griffin. “Uma resposta humorística ao trabalho não é inválida – está tudo bem, porque é engraçado!”, acrescentou. Moore diz sentir-se atraído pelo trabalho de Griffin porque, “além de usar o humor como artifício, segue as tradições da arte contemporânea e questiona a forma como o valor e o significado são gerados entre as pessoas”. Além disso, acrescenta, de um modo geral, “não são os artistas que decidem se algo é arte, eles que fazem as coisas”. Ou seja, tal como Marcel Duchamp e, mais recentemente, Maurizio Cattelan, o artista australiano não é aquele que pinta ou esculpe e que gera beleza, mas sim aquele que escolhe um objeto sem pretensões estéticas e lhe dá sentido pelo simples facto de tê-lo escolhido. “Se algo é valioso e significativo como obra de arte depende da maneira que nós coletivamente, como sociedade, escolhemos usá-lo ou falar sobre ele”, explicou, frisando que “por mais que Pickle pareça apenas um ingrediente de hambúrguer preso ao teto – e não há artifício ali, é exatamente isso – há algo no encontro com isso como uma escultura ou um gesto escultórico”.

O vegetal conservado em vinagre está pegado ao teto com o seu próprio molho pegajoso e não mostrou nenhum sinal de decomposição. “Se formos ao McDonald’s, em todo o mundo, veremos coisas presas ao teto”, brincou o Ruan Moore. Já o co-diretor da Michael Lett Gallery, Andrew Thomas, disse que Pickle foi “uma inclusão importante na exposição”, permitindo que aqueles que encontram o trabalho de Griffin pela primeira vez “pensem amplamente sobre as várias ideias que ele tem”. “Houve muitos sorrisos, seguidos de algumas conversas interessantes”, revelou ainda.

Obviamente que o comprador da obra de arte de Griffin não receberá o pickle em questão, mas sim “instruções sobre como recriar a obra de arte no seu próprio espaço”, esclarece o jornal britânico. Um gesto que eleva o objeto além daqueles que podem ser encontrados no teto do próprio qualquer McDonald’s. “Não se trata do virtuosismo do artista na galeria, como é que ele chegou lá não importa, desde que alguém o tire do hambúrguer e o atire ao teto”, continuou Moore. “O gesto é tão puro, tão alegre… É isso que o torna tão bom!”, defendeu. 

Cattelan acusado de plágio Quase três anos depois de ter causado escândalo, a banana de Maurizio Cattelan está a dar problemas. Segundo a CNN, no princípio do mês, Joe Morford, um artista de Glendale, Califórnia, apareceu dizendo que o artista italiano de renome mundial copiou a sua obra de arte de 2000, intitulada Banana & Orange. A obra consiste em dois quadros com o fundo verde com uma banana e uma laranja coladas com fita adesiva. Agora, um juiz federal do Distrito Sul da Florida decidiu que Morford pode avançar com um processo contra Cattelan. O juiz tomou a sua decisão com base na “semelhança substancial” entre as obras. Se chegar ao tribunal, o “confronto das bananas” acontecerá em Miami, onde o juiz Robert N. Scola Jr. negou a moção de Cattelan para arquivar a queixa no dia 6 de julho. “Felizmente para o Tribunal, a questão de saber se uma banana colada na parede pode ser arte é mais uma questão metafísica”, escreveu Scola. “Mas a questão legal perante o Tribunal pode ser difícil”, admitiu. De acordo com a agência de notícias norte-americana, Morford está a pedir uma indemnização de mais de 390 mil dólares, o equivalente a mais de 383 mil euros. De acordo com o processo, o valor é aproximadamente o mesmo que Cattelan fez com a venda de três exemplares da obra, numa feira em 2019. Ao entrar com a sua ação legal contra Cattelan, em 2021, Morford argumentou que “as pessoas são livres de colocar fita adesiva em quantas bananas quiserem”. “Apenas não têm permissão para infringir a minha expressão, reivindicando-a como a sua própria obra de arte original”, explicou na altura. Por sua vez, os advogados de Cattelan argumentaram que “as leis de direitos autorais não permitem reivindicar a propriedade de coisas como frutas ou fita adesiva” e que o demandante “não poderia provar que o artista italiano viu o seu trabalho antes de criar o Comedian”.