Montenegro o novo inquilino da Travessa do Possolo

De regresso ao apartamento onde viveu quando era líder parlamentar do PSD, frente à residência de Cavaco Silva, Luís Montenegro sonha em chegar a PM. ‘É uma rua de onde os líderes do PSD saem para São Bento’, brincam os seus mais próximos.

Depois de se ter instalado no seu gabinete no Palácio de São Bento,  tal como noticiou o Nascer do SOL no início de julho, o presidente do PSD está agora também de volta à Travessa do Possolo, em Lisboa, onde morou quando era líder da bancada parlamentar social-democrata. Mesmo em frente à célebre residência do antigo líder social-democrata, ex-primeiro-ministro e também antigo Presidente da República, Aníbal Cavaco Silva. Se analistas e comentadores políticos como José Miguel Júdice dizem não dever fazer-se qualquer ‘leitura política’ deste facto, o próprio Luís Montenegro sorri perante a «coincidência», sem, no entanto, a valorizar.

«Já fui morar para a Travessa do Possolo há cerca de 9 anos. Estive agora uns anos ‘menos presente’ mas nunca abandonei essa casa», revela  ao Nascer do SOL, indicando que foi «por acaso» que foi para lá viver através de uma pessoa amiga que lhe falou num apartamento T1 que estava para arrendar.

A cinco minutos da Presidência do Conselho de Ministros, onde ainda reúne o Executivo socialista, e a menos de dez minutos da São Caetano à Lapa, onde se situa a sede ‘laranja’, o líder do principal partido da oposição diz que «a localização é perfeita» e a vizinhança, então, «é excelente».

«A coincidência de ser quase em frente ao Presidente Cavaco Silva é feliz. Os meus amigos costumam dizer que aquela é uma rua de onde os líderes do PSD saem para São Bento», brinca Montenegro, que, desde as diretas, traçou como meta chegar a primeiro-ministro. «Vim para ser candidato a primeiro-ministro», afirmou no seu discurso de vitória a 28 de maio.

Apesar de não ter assento no Parlamento, Montenegro tem uma equipa de confiança para fazer oposição ao PS, perfilada no líder da bancada parlamentar do partido, Joaquim Miranda Sarmento, e também não esquece os seus antecessores para delinear a linha política à frente das hostes sociais-democratas. Além de Francisco Sá Carneiro, que criou os alicerces ideológicos que fizeram do PSD um dos dois maiores partidos portugueses, reconhece em Cavaco Silva – que curiosamente manteve sempre a mesma casa de Lisboa, na Travessa do Possolo – um dos seus maiores exemplos na política.

«Cavaco Silva foi a pessoa que mais me inspirou para abraçar a vida política. A década em que foi primeiro-ministro foi, de longe, o período de maior transformação e desenvolvimento do Portugal democrático»,  declara.

Na verdade, Luís Montenegro chegou a deputado com apenas 29 anos, era Durão Barroso presidente do PSD, depois de ter passado pela Juventude Social Democrata e de ter sido vereador da Câmara Municipal de Espinho, a cidade onde cresceu. Se as palavras sobre Cavaco Silva são elogiosas, o mesmo se aplica quando se fala do antigo comissário europeu. «Durão Barroso, além de um bom primeiro-ministro, fez história ao liderar a Comissão Europeia 10 anos e em tempos muito desafiantes. Em Portugal devia ser mais valorizado o seu trabalho na Europa», defende o líder laranja.

Na história recente do partido há outro nome que sobressai: «Pedro Passos Coelho cumpriu uma missão patriótica e segurou o país num momento excepcionalmente crítico. E Portugal perdeu muito com a interrupção da agenda reformista e transformadora que começamos em 2012», considera Montenegro, referindo-se a Cavaco, Barroso e Passos Coelho como «três referências do PSD», tanto para o partido como para a sua carreira política. «Tenho uma grande admiração, respeito e amizade com os três», resume o líder social-democrata.

Nem todos os presidentes do PSD, os 18 que comandaram o partido, tiveram o mesmo peso e deixaram o mesmo lastro ideológico.

Das referências sociais-democratas indicadas por Luís Montenegro, há uma ausência que era expectável: Rui Rio, que abandonou a liderança do PSD ao fim de uns longos quatro anos e quatro meses. Entre os presidentes sociais-democratas, o antigo autarca do Porto é o terceiro com mais tempo a dar a cara pelo partido, ficando unicamente atrás de Cavaco Silva e de Passos Coelho. E é o recordista na oposição, liderando o partido desde 18 de fevereiro de 2018, sem nunca ter sido eleito primeiro-ministro.

Apesar de como líder ter falhado os seus objetivos e não ter conseguido deixar uma marca ideológica, Rio deixará um legado que perdurará no PSD, ainda que não possa reivindicar muito poucos feitos eleitorais, como as legislativas dos Açores e a simbólica conquista da Câmara de Lisboa, por Carlos Moedas, sob a sua direção.

Já Cavaco Silva, na presidência das hostes sociais-democratas, destaca-se por ser o líder que concentra mais anos. Ao todo, foram dez, de 1985 a 1995. Internamente, é considerado um dos líderes mais marcantes do partido,  não só por ter ganho três legislativas (uma de maioria relativa e duas de maioria absoluta), mas também pela transformação que o país sofreu após a entrada na então Comunidade Económica Europeia (CEE).

Tal foi a sua influência que ainda hoje, cerca de seis anos depois da sua saída da Presidência da República, as suas opiniões políticas continuam a ter enorme peso político. Prova disso foi a reação que o seu artigo de opinião mais recente, no qual exigia «mais e melhor» a António Costa, gerou.

Já Durão Barroso, que acabou por deixar o cargo de primeiro-ministro ao fim de dois anos, em 2004, para se candidatar à liderança da Comissão Europeia, nunca mais interferiu na vida política nacional nem interna do PSD, sendo raros os momentos em que se envolveu nas atividades partidárias.

E Pedro Passos Coelho, que esteve na liderança dos ‘laranjas’ sete anos e dez meses, entre abril de 2010 e fevereiro de 2018, também se remeteu ao silêncio. O poder caiu-lhe no colo em 2011, em pleno pedido de resgate do país. A sua liderança e governação deixaram marcas pelos apertos da troika, que ainda hoje são carne para canhão nos discursos do PS, que lhe imputam a austeridade que se viveu no país. Ainda assim, Passos Coelho voltou a ganhar, em coligação com o CDS (como em 2011), as legislativas de 2015, só que a esquerda – PS, PCP e BE –aproveitou a maioria parlamentar para reivindicar o poder.

Talvez também por isso não faltem sociais-democratas que continuam a sonhar com o seu regresso.