Vamos sempre falar de ti!

Há poucos dias, em conversa com o Sr. Joaquim Anselmo, este falava-me do Dr. Barbosa, que bem conheceu, citando-me muitos casos de pessoas que ele tinha acompanhado na aldeia: «Esta terra muito lhe deve e as pessoas têm consciência disso».

No concelho de Alenquer, junto à Serra de Montejunto, existe uma pequena aldeia com pouco mais de mil habitantes, de nome Cabanas do Chão. Gente simples e pacata, muitos deles primos e primas, todos se conhecem e se respeitam uns aos outros. 

Com uma capela dedicada a S. Lourenço, esta terra é conhecida também pela Sociedade Musical e Recreativa de Cabanas do Chão, que se ocupa da área cultural. 

No plano gastronómico, não há ninguém que não conheça o Pátio dos Anselmos, restaurante aberto todo o ano, que iniciou a sua atividade em 1994, conhecido pelo delicioso frango no churrasco. O proprietário, Joaquim Anselmo (mais conhecido pelo Costinha), lá está para nos receber condignamente. 

A padaria da D. Chica é uma paragem obrigatória. Aí se junta muita gente à espera da última fornada, para levar para casa o pão quente, cozido em forno de lenha, de sabor inconfundível. 

Em termos de saúde, a situação não é famosa. A unidade mais próxima fica na Abrigada, a cerca de dois quilómetros, e a maioria dos residentes não tem médico de família. Para se arranjar uma consulta de urgência é necessário ir de madrugada, sendo o atendimento feito por um clínico tarefeiro, à semelhança do que, tristemente, vai acontecendo por esse país fora e que ninguém consegue resolver.

No alto de um monte, virado para a Serra de Montejunto, fica uma moradia com um painel de azulejos à entrada onde se pode ler: «Ao avô Fernando. Vamos sempre falar de ti!». A vista é magnífica e repousante. Com a serra em pano de fundo, avista-se ao longe a aldeia e as povoações vizinhas – e tudo em redor são espaços verdes e prados verdejantes, com cavalos a correr e um ou outro rebanho, num cenário de beleza e magia. 

O chilrear dos passarinhos saúda-nos à chegada, e os esquilos, que correm por toda a parte, convidam-nos para mais um dia em contacto com a natureza. Esta casa era do Dr. Fernando Gomes Barbosa, médico com raízes na aldeia que tanto amava, onde fez clínica, serviu muita gente e passou longas temporadas. Profissional de outros tempos, homem discreto mas sempre atento, muito dedicado aos doentes e à profissão, é ainda recordado por muitos naquela aldeia, que louvam o seu trabalho e sentido de amor ao próximo. 

Estou a falar do meu sogro – a quem, com este artigo, presto a minha homenagem.

O meu filho, em criança, passava férias com os avós e ainda se lembra de algumas pessoas que nesta casa procuravam o avô Fernando em situação de aflição, e que ele nunca se negava a atender. 

Há poucos dias, em conversa com o Sr. Joaquim Anselmo, este falava-me do Dr. Barbosa, que bem conheceu, citando-me muitos casos de pessoas que ele tinha acompanhado na aldeia: «Esta terra muito lhe deve e as pessoas têm consciência disso». 

De facto, o Dr. Fernando Barbosa foi um autêntico médico de família, no verdadeiro sentido da palavra, muito antes da criação da carreira de Medicina Familiar.

Naquele tempo, só era médico quem tivesse vocação para isso. Para o médico, o doente era tudo e tudo se fazia pelo doente. Hoje, o panorama é bem diferente. A começar pela entrada em Medicina, que obriga a médias elevadíssimas, como se os melhores alunos viessem a ser os melhores médicos! 

Por isso, temos hoje muitos licenciados – mas médicos de bata branca, poucos. Depois, as afirmações de alguns, revelando publicamente estarem desiludidos e arrependidos com a escolha que fizeram, são confrangedoras. Que é isto senão falta de vocação? E apesar de tantos rigores na escolha dos candidatos, faltam médicos nos locais onde são precisos. Basta ler as notícias e ver os telejornais para percebermos que algo está errado. E não nos esqueçamos de que muitas vagas postas a concurso para a especialidade ficam por preencher, mesmo nas grandes cidades. Os nossos governantes falam num problema estrutural que afasta os profissionais do SNS e eu pergunto: de que estão à espera para o resolver?

Interrogo-me com alguma frequência como reagiriam os médicos do tempo do meu sogro se vissem como está hoje a Medicina e como se encontra presentemente o SNS!

A homenagem sentida que lhe prestamos, expressa naqueles azulejos, para lá da saudade com que o recordamos, pode também corresponder à gratidão dos habitantes da aldeia, a quem ele serviu com carinho e espírito de missão.
A qualquer jovem médico que esteja agora a dar os primeiros passos na profissão, independentemente da carreira que escolheu, quero deixar uma mensagem: 

«Se conseguires fazer da tua vida clínica uma missão de serviço aos outros, e se vires nos doentes, em vez de números, seres humanos que precisam da tua ajuda, tal como fez o ‘avô Fernando’, podes ter a certeza de que ‘VAMOS SEMPRE FALAR DE TI’».

(À memória do Dr. Fernando Gomes Barbosa)