Há muitas coisas erradas na comunicação social portuguesa

É muito fácil, deste modo – sobretudo nos países, como o nosso, em que o sistema educativo oficial não criou nos estudantes, ao longo dos anos, hábitos permanentes de escrutínio, vigilância e crítica ao discurso e à actuação das autoridades políticas –, enganar e manipular a consciência da população em geral e, portanto, da chamada…

por António Silva Carvalho

Quase tudo aquilo que a generalidade dos portugueses sabem sobre o seu país e sobre o resto do mundo – em especial relativamente aos fenómenos de toda a espécie que vão acontecendo algures, dia após dia –, ou foram coisas vistas e ouvidas na televisão, ou então foram lidas num jornal ou revista [sobre o papel da rádio é muito pouco o que posso dizer, já que há pelo menos duas décadas que não ligo nem ouço uma telefonia].

Significa isto que o papel dos media é muitíssimo importante, pois é através deles que cada pessoa pode ir-se dando conta do que vai acontecendo no mundo, e em particular no seu país.

O grau de fiabilidade das informações e opiniões que, minuto a minuto, são transmitidas por cada órgão de comunicação social, vai determinar que os respectivos utilizadores (sejam eles leitores, espectadores ou ouvintes) recebam dados dignos de confiança ou, pelo contrário, dados maioritariamente falsos e enganadores.

É muito fácil, deste modo – sobretudo nos países, como o nosso, em que o sistema educativo oficial não criou nos estudantes, ao longo dos anos, hábitos permanentes de escrutínio, vigilância e crítica ao discurso e à actuação das autoridades políticas –, enganar e manipular a consciência da população em geral e, portanto, da chamada ‘opinião pública’.

Sob este aspecto, há uma grande variabilidade quanto à situação que existe em cada país, em cada época, em cada regime político. Por exemplo: na actual Federação Russa, sob a liderança de Vladimir Putin, existe um regime que não é possível classificar como sendo de direita nem de esquerda, mas o que sem dúvida nós sabemos é que é uma ditadura totalitária e terrorista onde, entre outras facetas, os media e os jornalistas que tentam ser verdadeiros sobre o que realmente se passa na Rússia e na Ucrânia são pesadamente punidos com bastantes anos de prisão, ou até mesmo, “aparecem” mortos. Por outras palavras, na actual Rússia, a profissão de jornalista, para aqueles que a exercem com honestidade e rigor, significa um risco pessoal enorme, que pode facilmente implicar a própria morte. Sendo esta a situação, porventura a maior parte da população russa, que só tem acesso a canais de televisão comandados pelo Kremlin, parece não fazer a menor ideia do que verdadeiramente se está a passar no seu próprio país, quanto mais na Ucrânia e no resto do mundo.

Outro exemplo de que posso falar, este com conhecimento directo, diz respeito ao modo como funcionavam os nossos media no tempo do Estado Novo, seguidamente no PREC, e depois ao longo da ‘democracia à portuguesa’, até hoje. E o que me ocorre afirmar desde já sobre a grande evolução a que assisti durante mais de 70 anos, é algo que, muito provavelmente, chocaria numerosos concidadãos meus, se acaso lessem este meu texto de opinião: o período em que, para tentar saber o que realmente estava a acontecer no meu país, tive de recorrer quase sempre a fontes estrangeiras (em especial à BBC), não foi durante o Estado Novo, mas sim ao longo do PREC, tempo em que, com raras excepções, a grande maioria dos nossos media ou eram pró-comunistas, ou tinham medo das represálias do PCP – uns e outros, não relatavam a verdade sobre a situação que se vivia no país, embora por motivações diferentes. E até se deu o caso de um dos jornalistas do DN, com cargo de chefia, que viria a receber, anos mais tarde, o prémio Nobel da Literatura, teve na altura um comportamento humano que, a meu ver, envergonharia qualquer jornalista digno dessa profissão.

Poder-me-ão retorquir: E no tempo do Estado Novo, em que havia censura prévia a tudo quanto era publicado e muitas verdades não podiam ser ditas ou escritas, como é que não precisava de recorrer a fontes estrangeiras para saber o que realmente se passava no país?

E eu, quanto a isso, responderia: Tudo isso é verdade, e nem me passa pela cabeça negar tal realidade. Mas, embora vivêssemos em ditadura, não deixa de ser verdade que podíamos comprar, à vontade, jornais e revistas vindos de países onde havia completa liberdade de expressão e, por isso, quem soubesse ler a imprensa francesa ou de língua inglesa, podia facilmente andar bem informado sobre o que realmente ia acontecendo no mundo, inclusive no nosso país. Mas o facto que considero mais relevante é que, nesse tempo, os leitores e espectadores portugueses sabiam ler, nas entrelinhas, a maior parte do que se passava; e, por outro lado, os bons jornalistas que não eram afectos ao regime só raramente não eram capazes de escrever de modo a tornar perceptíveis as verdades que estavam proibidos de expor taxativamente. Ou seja: a censura obrigara ambas as partes, jornalistas e leitores, a tornarem-se mais inteligentes e argutos, uns na fabricação das notícias e opiniões, e outros na sua recepção e interpretação. Era um jogo, uma arte que se tinham aprimorado com o tempo, e que deixaram de ser necessários depois do 25 de Abril, daí que haja sido sentido como uma traição impensável o que veio a passar-se durante o PREC, pois todos os portugueses sabiam que deixara de existir censura, e portanto o que era publicado “tinha que ser verdade”! Não estávamos preparados para as falsidades que os comunistas tentaram então impingir-nos.

Focando-me agora nas coisas erradas da comunicação social portuguesa actual, que menciono no título, o exemplo que imediatamente me ocorre é o da fraquíssima qualidade dos telejornais. Em vez de cada canal fazer, com independência e total liberdade, a sua selecção dos temas do dia cuja divulgação tem maior importância para a generalidade dos portugueses, e depois tratar cada um deles de modo sintético, por forma a abranger o maior número de assuntos no mínimo tempo possível, o que se verifica nos nossos canais de TV é um modelo de actuação exactamente oposto ao que descrevi: em geral, todos os canais escolhem o mesmo grupo de temas, como se funcionassem em cartel, com tudo combinado antes; só se referem a dois ou três assuntos, e frequentemente apenas a um, que tratam em “estilo tabloide”, ou seja, de modo a agarrar o público-alvo por razões de ordem sensacionalista, e não pelo rigor da informação e o equilíbrio da forma como ela é dada. Tanto quanto parece, o dito estilo tabloide será aquele que, do ponto de vista comercial, tem dado os resultados mais vantajosos, e daí o facto de haver cada vez mais órgãos de comunicação social que optam por o utilizar. E daí, também, o processo de crescente declínio que está a ver-se nos nossos media (na minha avaliação pessoal, é claro, que inevitavelmente é subjectiva e, portanto, sujeita a erros).

Lamento muito que seja este (ou me pareça ser este) o panorama da generalidade da comunicação social no meu país, até porque, em países como a Espanha, a França ou a Inglaterra, e tendo em conta aquilo que vou constatando, há muitos media que, a meu ver, cumprem muito melhor, e sem os vícios a que atrás aludi, o papel que lhes cabe desempenhar nas respectivas sociedades.

Além disso, não creio haver razões para ter esperança de que a situação por cá venha a melhorar significativamente nos próximos anos, tendo em conta não as maravilhas utópicas que o governo sistematicamente anuncia, mas a decadência quase generalizada que se tem verificado nos últimos anos entre nós, e a degenerescência civilizacional de tipo “woke” que está a tomar conta, também, de tantas mentes portuguesas. Embora não seja um fenómeno mortal, como é por exemplo a guerra e o terror impostos à Ucrânia, é sem dúvida algo que mói e perturba muitos, como tem ficado patente, cada vez mais, entre os nossos jovens – sem que o poder político esteja à altura, mais uma vez, de saber proteger os vulneráveis.