Pela Ucrânia e os ucranismos, antes de mais (I)

Não vejo outra Rússia que não tenha de ser europeia, caminhando para uma democratização, sem telecomando, numa Europa politicamente autónoma, num mundo de cooperação convivente, mesmo entre modelos políticos diferentes, numa nova ordem multipolar, em que possam ser enfrentados e vencidos os desafios globais que em velocidade vertiginosa ameaçam a Humanidade

«Por que não puseste montanhas na Ucrânia, Senhor?»
Interrogação de Putin, que se diz crente

 

1.A Rússia invadiu a Ucrânia, continua a arrasar a Ucrânia. E a interrogação coloca-se-me: perante ato tão intolerável será… moral, suportável, procurar causas, explicações, responsabilidades, por não ter sido evitado o que se previa, configurava e foi mesmo anunciado?

 Por mim, sustento que sim, que se devem procurar as explicações e as razões. Fazê-lo antes de mais pela vida e o futuro dos ucranianos, pela paz célere e a reconstrução do seu país. E pela inteligência da História, que não deve ser esquecida e deve iluminar o caminho do Homem. E isso não será procurar argumentos, que não os há, para justificar a invasão ou suavizá-la.

2.Conhecia-se se a História, o contexto político, geoestratégico e militar, a identidade russa, a personalidade e a biografia do ‘czar’, a dificuldade da democratização e da ocidentalização desenhada e almejada da Rússia, os constrangimentos.

Em 2017, num livro-chave, Prisioneiros da Geografia, Tim Marshall já previra o cenário provável, referindo mesmo a linha vermelha definida e anunciada por Putin: a Ucrânia. E como foi isso tido em conta? Apesar da consciência que os líderes europeus tinham do contexto e do desiderato, dos esforços tímidos deliberados de alguns deles e… ‘da fé em Deus’? Nenhum país pode ser uma ilha. Nem hoje a China, como antes pôde ser durante séculos. A Ucrânia não o poderia ou poderá ser, em paz e no desenvolvimento.

3.Distingo três nuances na Europa que condena a invasão da Ucrânia, a brutalidade na guerra – que é tanto de Putin como histórica e identitária russa -, que exige a retirada dos invasores, quer a paz e um compromisso sólido. A nuance dos países, digamos, mais autónomos; a dos países de Leste, que democratizando-se e integrando-se na Europa viveram antes a opressão e o terror soviéticos e aos quais o fantasma dessa ameaça assombra; e a posição da Grã-Bretanha de Johnson, que ligo à dos EUA, em que julgo ver de um obscuro desejo de prolongamento do conflito. Sonhando com que impossível desfecho? E depois de quantos ucranianos sacrificados?

Não vejo outra Rússia que não tenha de ser europeia, caminhando para uma democratização, sem telecomando, numa Europa politicamente autónoma, num mundo de cooperação convivente, mesmo entre modelos políticos diferentes, numa nova ordem multipolar, em que possam ser enfrentados e vencidos os desafios globais que em velocidade vertiginosa ameaçam a Humanidade. O mundo a que hoje cada vez mais nações, em todos os continentes, aspiram.