Estremoz: a água e as sombras

Estremoz começou a estar na moda. Surgiram novos hotéis, como o Páteo dos Solares, e novos restaurantes, com outros conceitos: a Mercearia Gadanha, o Alecrim, a Cadeia Quinhentista, recentemente o Howard’s Folly.

Como os meus leitores sabem, tenho uma ligação já antiga a Estremoz. Que não tem nada que ver com as raízes da família: a minha mãe era lisboeta e o meu pai, embora nascido em Leiria, tinha alma de beirão, donde os seus pais eram naturais (do concelho do Fundão).

Em 1989, por um feliz acaso, comprei em ‘sociedade’ com um cunhado (Rui Silva) um monte perto de Estremoz – e desde aí as nossas famílias não mais deixaram de frequentar a zona. De início apenas aos fins de semana e nas férias, depois em períodos mais longos. Foi aqui que me refugiei durante o tempo do confinamento obrigatório imposto pela covid-19.

Quando o comprámos, o monte era escalvado. Tinha uma área boa mas poucas árvores. Assim, a primeira coisa que fizemos, depois de recuperar as casas, foi plantar árvores e construir uma piscina.

Passado um tempo, o ambiente era completamente diferente. 

Agora, por estes dias escaldantes, quando é impossível andar ao sol e sair de casa antes das sete da tarde, seria impensável estar ali sem uma piscina. 

Quando para lá fomos, Estremoz era uma cidade muito pobre. Durante a semana viam-se poucas pessoas na rua. Só aos sábados o largo principal – o Rossio – se animava com gente vinda das redondezas: homens de camisa preta, boné de lado na cabeça e botas de carneira, ou latifundiários com outra postura, vestidos com roupa country.

Restaurantes havia o Águias d’Ouro, que fora bom mas estava em acelerada decadência, e a Adega do Isaías, que era o restaurante onde ia toda a gente: gente da cidade e gente de fora. Ficámos muitas vezes à espera de mesa, com fila à porta. Para passar o tempo, falávamos com o senhor Isaías, o proprietário – que assava carne na rua num grelhador que estupidamente foi depois proibido. O senhor Isaías morreu e o restaurante passou para os filhos; mas só um se interessou pelo negócio, que foi caindo a pouco e pouco, até a casa fechar. 

Entretanto tinham surgido outros restaurantes, com outro tipo de oferta. O São Rosas, por exemplo. Estremoz começou a estar na moda. Aos sábados, muita gente de Lisboa e de outros pontos do país, e até espanhóis, deslocava-se a Estremoz aos sábados para visitar a feira de antiguidades – dando de caminho uma volta pelas vendas de produtos da terra: frutas e legumes, flores, até árvores para plantar, além de queijos e enchidos com fartura.

Com esta onda de visitantes, surgiram outros hotéis, como o Páteo dos Solares, e novos restaurantes, com outros conceitos: a Mercearia Gadanha, o Alecrim, a Cadeia Quinhentista, o Larau, O Carlos, recentemente o Howard’s Folly.

Estremoz ainda não é propriamente uma cidade cosmopolita, longe disso. Mas já se vê gente de várias latitudes, o movimento aos fins de semana é enorme, e mesmo durante a semana não é o deserto de outros tempos.

A zona de venda de alimentos e a feira de antiguidades funcionavam na praça principal – e bem. Basicamente eram duas ruas paralelas, ladeadas por árvores.

Há meia dúzia de anos este largo foi objeto de reabilitação, que obrigou ao seu encerramento durante um período longuíssimo, transmitindo a ideia de que dali ia surgir uma grande obra. Mas, quando tiraram os tapumes, a desilusão foi enorme: a imensa placa central do Rossio continuava a ser um parque de estacionamento, e a única coisa que mudara fora o pavimento: a terra fora substituída por empedrado com desperdício de mármore (igual à nossa calçada portuguesa, em que os cubos de calcário são substituídos por pedaços de mármore branco).

Nem uma árvore, nem uma fonte, nem uma escultura, nada! Apesar de ser um parque de estacionamento, nem as vias nem os lugares estavam marcados. Era um imenso deserto empedrado, que o mármore branco, refletor do sol, tornava irrespirável nos dias de Verão.

Não é preciso muita imaginação para desenhar os espaços públicos no Alentejo: basta olhar para o lado, para a Estremadura espanhola e para a sua vizinha Andaluzia. Os árabes já inventaram quase tudo. Em todos os arranjos paisagísticos, há dois elementos fundamentais: as árvores e a água. As fontes.

As árvores são imprescindíveis para dar sombra, a água para refrescar o ambiente. E, ao contrário dos relvados ou dos canteiros de flores, não implicam grandes gastos de água, que ali é preciosa. As árvores só precisam de ser regadas de início e as fontes podem funcionar em circuito fechado, quase sem desperdício. 

Mas a Estremoz esses conhecimentos ancestrais parecem não ter chegado – e ainda recentemente se fez a reabilitação de um largo junto de uma das portas principais (perto do local onde fica a praça de touros) sem atender a nada disto. Impermeabilizou-se o terreno, fez-se um local de lazer com uns bancos de cimento (quentes no Verão e frios no Inverno) e uma pista para skate, uma zona para jogar às cartas – mas apenas plantaram meia dúzia de árvores na periferia. Nem se construiu um pequeno lago para amostra. É um local inóspito, à torreira do sol, para onde não vai ninguém. Só à noite se poderá ir para ali. Mas os velhos jogarão às cartas às escuras?

Agora o Rossio está de novo em remodelação. O trânsito foi cortado e foram colocados tapumes. Espero sinceramente que desta vez acertem. E deixo uma sugestão: não transformem a praça num armazém de lata. Façam um parque de estacionamento subterrâneo, cuja construção não é muito cara e se paga a si própria. E deixem livre a área à superfície, como se fez na Praça do Comércio, em Lisboa.

Para lá disso, a receita é muito simples: árvores e água. Basta ver o que fazem os espanhóis, seguindo os ensinamentos dos árabes – que deixaram a península há quase mil anos!