Crónica pouco silly para uma silly season

Portugal teve o discernimento de perceber, a tempo, que não precisa de estar ligado à rede europeia de alta velocidade.

por Francisco Gonçalves

Quando olhamos Portugal de fora devemos ter o cuidado de não julgar com demasiada crueza a nossa realidade.

Apesar das dificuldades de este ser um país que teima em adiar-se, somos governados com uma sabedoria rara, que procura deixar, às gerações futuras, um País organizado, com setores de ponta, bem como centros de decisão capazes de assegurar a nossa independência e, ainda, uma população devidamente preparada para os desafios do século XXI.

Há poucas semanas, dizia, na minha ingenuidade, a uma titular de cargo público, que a Holanda tinha voltado atrás na decisão de limitar a 35% a produção das suas centrais a carvão. Claro está que ouvi que «a Holanda não é um bom exemplo». Limitei-me a responder, também na minha ingenuidade, que é isso que lhes deve ser transmitido, caso seja necessário que nos emprestem dinheiro para o Estado português pagar salários – como aconteceu, há pouco mais de 10 anos.

Este pensamento, bem como o do ex-ministro que dizia que era contra a exploração do subsolo marítimo português, com o argumento de que o mercado internacional de metais raros está abastecido, está muito à frente do nosso tempo. Isto é, somos tão avançados que até já tivemos ministros que ultrapassaram a natureza competitiva do capitalismo, mesmo num sistema internacional cuja natureza anárquica parece constituir elemento básico da relação entre Estados.

Quando visitamos outros países, e vemos como estes não se deixam adiar, pensamos que estamos a deixar-nos atrasar, mas, depois, lemos ou ouvimos estas pessoas e pensamos que, provavelmente, o mal reside em nós, ou no nosso julgamento. Somos governados tão à frente que não vislumbramos…

Vejam-se os casos do Egito ou Marrocos, ambos têm ou vão ter comboios de alta velocidade. Portugal teve o discernimento de perceber, a tempo, que não precisa de estar ligado à rede europeia de alta velocidade. Uma sorte, a nossa.

Nas margens do Spree, em Berlim, nascem prédios. Pobres alemães, não sabem eles, com as alterações climáticas, vai haver um fenómeno de subida das águas? Em Portugal já há muito percebemos a solução para as alterações climáticas: não fazer nada. É um talento nacional das últimas décadas: não mudar nada!

Há, até, um caso sui generis, de classificação de uma antiga pedreira como reserva ecológica, certamente pelas extraordinárias espécies por descobrir que vivem naquelas pedras que, para quase todos nós, continuam sendo apenas pedras.

As próximas gerações terão bons solos para cavar e um país para desenvolver, se quiserem. Esta geração deixará isso mesmo como legado: a oportunidade das gerações futuras poderem decidir por si próprias, partindo do zero. Não é atraso estrutural, apenas adiamento civilizacional.

Apenas ainda não conseguimos compreender como esse país, que não muda e não cresce, poderá continuar a suportar o ‘contrato’ que é expectativa da comunidade. Provavelmente, também somos nós que não compreendemos, ou talvez não haja nada para compreender.

Porém, importa ter consciência de que, quando a realidade nos acerta em cheio, não há como não ver: o Estado já não tem recursos para manter abertas as urgências hospitalares no Verão. O mesmo Estado encerra esquadras de Polícia nas principais cidades do país, as mesmíssimas esquadras que há muito não têm os seus quadros devidamente preenchidos.

É apenas incompreensão nossa ou isto está mesmo a acontecer?