O ‘milagre’ económico do Barcelona

Frente à séria crise, a direção sempre foi consciente de que o Barça não é uma empresa como qualquer outra, é um clube propriedade dos seus sócios que, acima de tudo, vibram com os triunfos e sofrem com as derrotas e muito mais se estas são frente ao grande rival, o Real Madrid, deixando que…

por Manuel Pereira Ramos
Jornalista

Quando Joan Laporta decidiu apresentar a sua candidatura à presidência do Barcelona já sabia que o que iria receber das mãos de Josep Maria Bartomeu seria tudo menos uma boa herança, a gestão do seu antecessor tinha sido desastrosa com decisões mais que discutíveis e com fortes repercussões negativas para o futuro, entre elas a renovação, com salários altíssimos e longo prazo de extinção, dos contratos de vários dos futebolistas como Busquets ou Piqué que estavam a entrar na fase final das suas carreiras.

Mas, ao tomar posse e ver os livros, a nova direção encontrou-se com a desagradável surpresa de que a realidade ultrapassava, para muito pior, as mais pessimistas previsões, o clube estava ‘clinicamente morto’, as auditorias levadas a cabo confirmavam que todos os indicadores, começando pela divida acumulada de mais de 1.300 milhões de euros, eram os próprios duma entidade à beira da falência técnica, tudo isso agravado pelas fortes restrições nas receitas causadas pela epidemia. Perante a mais que preocupante situação e para salvar o clube, foi necessário tomar medidas de emergência tais como renegociar a divida, baixar os ordenados de todos os empregados incluindo os desportistas, pedir a Goldman Sachs um crédito de 600 milhões de euros destinado, essencialmente, a tapar buracos e a fazer entrar alguma liquidez numa caixa que estava literalmente vazia e, a mais penosa de todas, desprender-se de Leo Messi por não haver dinheiro suficiente para lhe poder pagar. No aspeto desportivo, Laporta segurou de início a Ronald Koeman para depois o deixar cair e ir buscar a Xavi a Catar, não era o treinador que ele queria, mas era a alternativa mais acessível com o inconveniente da falta de experiência, mas a vantagem de conhecer por dentro e estar disposto a sacrificar-se pelo clube. Finalmente, a equipa terminou a pobre temporada como pôde sem ganhar nenhum título, mas logrando o objetivo fundamental do apuramento para a Liga dos Campeões.

Frente à séria crise, a direção sempre foi consciente de que o Barça não é uma empresa como qualquer outra, é um clube propriedade dos seus sócios que, acima de tudo, vibram com os triunfos e sofrem com as derrotas e muito mais se estas são frente ao grande rival, o Real Madrid, deixando que as questões financeiras sejam geridas pelos dirigentes que foi para isso que os elegeram. Só havia, pois, em relação à equipa de futebol, dois possíveis caminhos a seguir: o conservador, mantendo os mesmos jogadores mas um ano mais velhos e fazendo subir a alguns jovens das categorias inferiores ou outro, muito mais audaz, de ir buscar futebolistas capazes de fazerem dar ao plantel o salto de qualidade que lhe permita lutar pela conquista de todas as competições.

Esta última foi a opção escolhida por Joan Laporta que, para a levar a cabo, introduziu no dicionário futebolístico espanhol uma nova palavra: palanca (alavanca), uma operação financeira que, em essência, consiste em vender ativos para conseguir cash de forma imediata, nada que seja novo, mas que é bastante complexo e exige uma grande coragem para a pôr em prática. Para dar esse passo foi necessário o consentimento da assembleia geral do clube, não foi difícil consegui-lo e, com a luz em verde, foi ativada a primeira alavanca, a venda a Sixt Street de 10% dos direitos de televisão de 25 anos a que seguiu a segunda de outros 15%, rendendo ambas cerca de 600 milhões de euros, feitas as contas por alto esses 25% poderiam ter rendido una 1.000 milhões durante o próximo quarto de século, mas o Barcelona preferiu sacrificar 400 a prazo e ter 600 de forma imediata. A essas duas operações juntou-se uma terceira, a da cedência não temporal, mas para sempre, á plataforma sócios. com, de 24,5% de Barça Studios, uma empresa do grupo que se ocupa de NFT, Tokens e Metaverso do clube e que rende outros 100 milhões de euros mais. Estes 700 milhões de dinheiro fresco serviram para que o exercício 2021/22, terminado em junho, tenha sido fechado com saldo positivo, algo relevante pois ao não ser o Barça uma sociedade anónima, a sua direção está obrigada a apresentar de forma solidária sobre os bens pessoais dos seus membros, um aval bancário que cubra 15% do orçamento de gastos do clube e que se executa quando haja prejuízos. Outra parte desse capital foi aplicada na amortização da divida e, a mediaticamente mais chamativa, na compra de Raphinha, Kounté e Lewandowski que custaram, entre os três, uns 160 milhões de euros.

O clube confia em que, estas operações financeiras sejam suficientes para cumprir o fair play imposto por LaLiga e, desta forma, poder inscrever, antes que comece o campeonato, não só a esses três reforços como também a Christensen e Kessié que chegaram grátis e Dembelé e Sérgio Roberto que renovaram contrato, o presidente de LaLiga, Javier Tebas, acha que o Barcelona «vai por bom caminho mas ainda lhe falta muito trabalho para poder inscrever aos jogadores que já contratou e que pretende contratar». Esse trabalho passa por desprender-se dos dez jogadores que sobram, até agora só saíram Lenglet,Coutinho e Trincão que renderam 23 milhões de euros, mas não se trata só de conseguir receitas com as vendas, mais importante ainda é adequar a massa salarial, ou seja, o montante que o clube está autorizado a gastar com os salários dos técnicos e jogadores, a última avaliação feita em Março dava-a como sendo negativa em 114 milhões e isso diz bem do enorme esforço que o clube terá de fazer para normalizar a situação, não será fácil, os jogadores sentem-se confortáveis com os altos ordenados que têm, não querem perder dinheiro e resistem tudo o que podem para não terem de mudar de ares. Esse é o caso de Frankie de Jong, custou 86 milhões de euros pagos ao Ajax, o seu rendimento não tem correspondido ao que se esperava e o ordenado de 20 milhões de euros brutos anuais é um pedregulho nas contas do clube que está desejando vendê-lo quanto antes e que até já sabe quem é o jogador que quer para o substituir: o nosso Bernardo Silva. O Barcelona não para e também pensa em contratar aos dois laterais do Chelsea, Azpilicueta e Marcos Alonso, não admira que haja muita gente que não compreenda que um clube em tão má situação possa fazer tantas contratações, a explicação está dada: não há milagres nem artes de magia mas sim ousadia, saber manobrar a engenharia financeira, hipotecar, em algo, o futuro da instituição a favor do presente e pedir aos Deuses que, depois de todo este esforço, a equipa funciona e ganhe o que os adeptos esperam porque, se assim não for, tudo pode terminar num doloroso e tremendo fracasso.