O cardeal deve sair?

Por aquilo que vejo e sei dele, parece-me encarnar a figura do ‘bom cristão’: um homem simples, solidário, culto, bem formado, empenhado no bem comum. Acusam-no de ser muito conservador. Mas é óbvio que a Igreja tem de defender os seus valores. É curioso como certas pessoas fora da Igreja, que não são católicas nem sequer…

O cardeal Patriarca de Lisboa, D. Manuel Clemente, terá colocado o lugar à disposição do Papa.

A justificar o facto, estarão razões de saúde mas também o sentir-se «profundamente triste e agastado» com a forma como os media o têm tratado, responsabilizando-o designadamente pelo encobrimento de um caso de pedofilia na década de noventa.

Devo dizer que, não sendo católico, tenho simpatia por D. Manuel Clemente.

Nunca falámos pessoalmente, apenas nos encontrámos em cerimónias públicas uma ou duas vezes.

Mas, por aquilo que vejo e sei dele, parece-me encarnar a figura do ‘bom cristão’: um homem simples, solidário, culto, bem formado, empenhado no bem comum.

Acusam-no de ser muito conservador. Mas é óbvio que a Igreja tem de defender os seus valores.

É curioso como certas pessoas fora da Igreja, que não são católicas nem sequer cristãs, dizem o que a Igreja ‘deveria fazer’.

Ora, deverá a Igreja seguir o que dizem os não católicos ou até os seus inimigos?

 Deveria aceitar, por exemplo, o aborto e as mudanças de sexo?

Se a Igreja fizesse o que não católicos querem, deixaria evidentemente de ser Igreja.

Vimos, aliás, como acabaram em Portugal alguns católicos progressistas: filiados no Partido Comunista ou seus compagnons de route.

Todos os casos de pedofilia são gravíssimos.

Mas essa gravidade é dupla quando se trata de um católico – e quádrupla se for um padre.

O facto de ser uma chaga social, mais generalizada do que se pensava, não atenua a culpa dos sacerdotes implicados.

Mas como devem ser tratados estes crimes?

Desde há dois anos, a orientação do Vaticano é que sejam comunicados às autoridades civis dos respetivos países.

Mas antes não era assim.

E – convenhamos – quando se descobre um caso grave numa empresa, num clube ou num partido, o primeiro impulso vai no sentido de proteger a organização.

De ‘controlar os danos’, para que o caso não afete a sua imagem.

Nenhum responsável de uma instituição decide ir logo para o escândalo público: tenta resolver o assunto internamente, de forma discreta.

E procura tomar medidas para evitar que o caso volte a repetir-se.

Na Igreja Católica, quando os primeiros casos de pedofilia foram detetados, as coisas não se terão passado de modo muito diferente.

Até porque a sua revelação seria sempre objeto de uma exploração mediática gigantesca, afetando irremediavelmente a reputação da Igreja.

Como tem acontecido, de resto.

Ao ouvirmos certas notícias ou comentários, parece que a Igreja Católica é uma organização de pedófilos…

D. Manuel Clemente foi acusado de ‘encobrimento’ de um caso de pedofilia quando era bispo auxiliar de Lisboa, sendo cardeal-patriarca D. José Policarpo.

Na altura, ele e o cardeal terão decidido tratar do assunto internamente.

E, mais tarde, o agora cardeal falou pessoalmente com a vítima, que lhe pediu para não fazer queixa (o que é compreensível, pois desse modo o seu nome também seria arrastado na lama).

E o caso ficou por aqui.

Estamos numa época que se compraz em remexer no passado.

Foi o movimento Me Too, que procurou vítimas e descobriu responsáveis por casos ocorridos há décadas.

Ora, estes processos transformam-se facilmente em ‘caças às bruxas’.

Em oportunidades para ataques pessoais, vinganças mesquinhas, processos inquisitoriais.

Assim, nestas situações, mais importante do que remexer no passado é tomar medidas para que casos semelhantes não se repitam.

 E na Igreja não será diferente.

Se a erradicação da pedofilia não parece possível – pois os padres são homens, e a pedofilia existirá sempre na Igreja, como existe na sociedade –, urge tomar medidas para que se reduzam ao mínimo.

Mas remexer no passado pouco adianta.

Até porque é sempre difícil reconstituir com rigor o ambiente em que certos fenómenos ocorreram.

Tudo somado, julgo que a saída de D. Manuel Clemente do Patriarcado, além de não se justificar, não beneficiaria a Igreja portuguesa.

É nestes momentos que a hierarquia tem de se mostrar forte – e não ceder às pressões.

D. Manuel Clemente parece-me um homem bom e justo.

A forma como atuou há mais de vinte anos no caso de pedofilia foi certamente a que considerou mais correta.

Não retirou dela vantagens pessoais nem quaisquer outros benefícios.

A sua saída nesta altura não só não favoreceria a Igreja como daria força e alento aos seus inimigos.