Sanções afetam portugueses

Os portugueses vão sofrer este ano ‘uma quebra dramática no seu poder de compra e nas suas condições de vida já muito baixas’, alerta o economista Eugénio Rosa.

A guerra na Ucrânia, mas fundamentalmente as sanções contra a Rússia são a principal causa da escalada de preços. A garantia é dada pelo economista Eugénio Rosa no seu mais recente estudo: «Não se caia na cegueira de pensar que a culpa é apenas da guerra». E acrescenta: «A multiplicação das sanções à Rússia, pelo peso que ela tem nos mercados mundiais, está a determinar uma escalada de preços e a causar na Europa, e também nos EUA, uma situação insuportável para a vida dos cidadãos e, em particular, dos portugueses e para o funcionamento da economia».

No entanto, lembra o economista, o acordo para exportação dos cereais da Ucrânia «é a prova que há uma saída para o beco em que a União Europeia caiu». 

No seu estudo, Eugénio Rosa diz que os dados do Instituto Nacional de Estatística (INE) confirmam «a dimensão do problema face à passividade do Governo que nada faz para minorar os seus efeitos».

Em números, entre dezembro do ano passado e dezembro de 2022, estima-se que a inflação em Portugal aumente 12,2% – a anual 8,4% – e a subida de preços da energia que afeta os consumidores domésticos e as empresas (pois cerca de 40% da eletricidade produzida é consumida pela indústria) atinjam este ano 38,6%. «Esta situação a manter-se, e os governantes europeus já afirmaram que a guerra e as sanções se manterão por muito tempo, é insustentável tanto para a população como as empresas», alerta Eugénio Rosa.

E vai mais longe: «Em 2022, os portugueses vão sofrer uma quebra dramática no seu poder de compra e nas suas condições de vida já muito baixas».

O economista faz ainda outras contas. Este ano, o aumento das remunerações dos trabalhadores da banca, incluindo do banco público (CGD) foi inferior a 1%. O dos 734.000 dos trabalhadores da Função Pública foi de 0,9%. No dos trabalhadores do setor privado (cerca de 3.600.000) em média, a subida é de 2,2% na remuneração média bruta total, segundo os últimos dados divulgados pelo INE. E o aumento das pensões de cerca de 3.000.000 de reformados e aposentados variou entre 0,24% e 1%.

E acrescenta: «Estima-se que a inflação anual este ano atinja os 8,4%, que é enorme, e não se está a referir à inflação homóloga pois a perda de poder de compra dos portugueses seria ainda muito maior porque esta deve atingir, em 2022, cerca de 12,2%», avisa.

Para o economista é claro que «a multiplicação das sanções está a arruinar a economia europeia e a vida dos europeus».

E recorda o mais recente estudo do Fundo Monetário Internacional (FMI), que estima que a contração da economia russa, durante o segundo trimestre foi inferior ao esperado, já que as exportações não energéticas e de petróleo resistiram melhor que o previsto. «A procura interna também deu provas de resiliências, devido à contenção dos efeitos das sanções sobre o setor financeiro nacional e o enfraquecimento do mercado de trabalho não foi tão significativo como se acreditava», diz o FMI, acrescentando que «noutro sentido, as consequências da guerra para as principais economias europeias foram piores do que o esperado, devido ao aumento dos preços da energia e à perda de confiança dos consumidores e a um menor dinamismo da indústria causada pelos persistentes problemas na cadeia de fornecimentos e pelo aumento dos preços dos produtos consumidos».

Perante estas conclusões, Eugénio Rosa atira: «O que está a acontecer com as sanções à Rússia é precisamente o contrário do previsto pelos governos e vaticinado pelos media ocidentais. Quem o afirma é o insuspeito FMI, que não pode ser acusado de ser amigo de Putin».

Classificando as previsões do FMI de «sombrias», Eugénio Rosa lembra que, num cenário mais grave, «o impacto na Europa ainda seria maior» por via dos preços mais elevados das matérias-primas e condições financeiras e monetárias mais restritivas em quase todos países, embora de diferentes graus, «o que implicaria um crescimento regional quase nulo». E avisa que a recessão económica «atingiria certamente muitos países europeus inclusive Portugal» uma vez que no segundo trimestre deste ano o «crescimento já foi negativo» e, se isso acontecer no terceiro trimestre, «Portugal entrará em recessão económica, o que aumentará o atraso do país, com consequências sempre dramáticas a nível de desemprego». 

Lucros das empresas

O economista fez as contas aos resultados de oito empresas – CGD, BCP, novobanco, Santander, BPI, Galp, EDP, REN, Sonae e Jerónimo Martins. Juntos, somaram 3.078,2 milhões de euros, um valor que representa um crescimento de 76,3% face a igual período do ano passado. Isto acontece numa altura em que os aumentos dos salários e das pensões no nosso país, em 2022, variaram entre 0,24% e 2,2% , recorda. «São lucros verdadeiramente obscenos quando comparamos com os aumentos das remunerações e pensões este ano e face ao alastrar da pobreza no nosso país». E acrescenta: «E isto perante a apatia e a indiferença do Governo e do presidente da República que nada fazem de concreto para minorar a situação», acusa o economista, atirando ainda que «o comportamento do Governo não se diferencia das grandes empresas que estão a tirar enorme proveito da crise perante a passividade daquele».

Eugénio Rosa aponta os contrastes: «Apesar das enormes dificuldades que enfrentam as famílias e as empresas», só no primeiro semestre deste ano, o Estado arrecadou 22.980,2 milhões de euros de impostos, ou seja, mais 5.262,3 milhões (+29,7%) do que em igual período de 2021, sendo mais 614,2 milhões de IRS e 2.131,6 milhões de IVA. Uma parcela «da enorme receita de IVA» que, nos primeiros seis meses deste ano atingiu 10.30,2 milhões «resulta também de impostos sobre bens alimentares (a taxa varia entre 6% e 13%) que mesmo os pensionistas têm de pagar embora a pensão média esteja abaixo do limiar da pobreza», finaliza.

‘Contas certas’
O Nascer do SOL já tinha feito as contas avançadas por Eugénio Rosa. A estratégia do Governo em ter ‘contas certas’ continua a ser cumprida, mas à custa do aumento da receita fiscal. Só as receitas fiscais e contributivas subiram 21,6% face ao mesmo período de 2021 e cresceram 14,9% face a 2019, permitindo um excedente de 1.113 milhões de euros, nos seis primeiros meses do ano. 

De acordo com os últimos dados divulgados pela Direção-Geral do Orçamento (DGO), a receita fiscal subiu 28,1% quando comparado com igual período do ano passado, puxada essencialmente pelo IVA. 

O IVA passou de 7.920,7 mil euros nos primeiros seis meses do ano passado, para os 10.052,3 mil euros no mesmo período deste ano. Feito o balanço, o estado conseguiu arrecadar, à boleia da inflação, 55,5 milhões de euros por dia neste semestre. Um valor que é superior a igual período do ano passado em 11,7 milhões de euros por dia, tendo em conta que em 2021 o Governo conseguiu 43,8 milhões diários em 2021 em IVA.

Esta subida deve-se, acima de tudo, à inflação. E a tendência é para se manter. Recorde-se que a taxa de inflação atingiu o valor mais elevado desde novembro de 1992, acima dos 9%.

O cofres do Estado também engordaram com o imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos (ISP): 1608,6 milhões de euros nos primeiros seis meses, contra 1523,9 milhões nos primeiros seis do ano passado. Quer isto dizer que o ISP valeu ao Governo uma média de 8,9 milhões de euros por dia. .

Mas o imposto que mais disparou e que mais ajudou à carteira do Governo foi o Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Coletivas (IRC). É que, se nos primeiros seis meses de 2021, o Estado tinha arrecadado 959,2 mil euros com este imposto, nos mesmos meses de 2022 esse valor disparou para 3.175,6 mil euros. Se no ano passado, o Executivo amealhou 5,3 milhões de euros por dia com este imposto, este ano esse valor disparou para 17,5 milhões de euros.

Esta subida resulta diretamente do aumento dos resultados das empresas, ou seja, quanto mais recebem mais pagam, o que trouxe para cima da mesa a hipótese de o Governo avançar com uma taxa sobre lucros extraordinários, discussão suscitada pelo crescimento de 153% dos lucros da Galp, que atingiram os 420 milhões de euros no primeiro semestre.