Os preconceitos contra a raça, o sexo e a falta de sentido do ridículo

José Falcão ao apresentar-se naquela figura na SIC, pretende combater o preconceito racial e os preconceitos contra as pessoas que não têm a noção do ridículo e não se importam de fazer figurinhas…

As modernas lutas contra os preconceitos raciais e sexuais assentes na artilharia da cultura de cancelamento, no bombardeio nas redes sociais e nos mísseis de alta precisão dos artigos de opinião estão a produzir grandes avanços civilizacionais. Há perseguições. Medo. Autocensura. Enfim, tudo o que se deseja numa sociedade livre.

Porque os tribunais foram substituídos pela justiça nas redes sociais que proferem sentenças à velocidade da luz. E é tudo muito simples e eficaz, uma vez que ser acusado de racismo, misoginia, transfobia ou outra fobia qualquer equivale a ser condenado. Tal como na Coreia do Norte, deixou de haver inocentes ou sequer o direito à defesa. Há, sim, o direito à autocrítica, ao pedido de desculpa e à promessa de não reincidir no crime. 

No entanto, a verdadeira liberdade não pode ser alcançada sem campos de reeducação para estes novos crimes. Por exemplo, pelo crime de apropriação cultural de tranças africanas a atriz Rita Pereira passaria o mês de Agosto a trabalhar numa herdade agrícola no Alentejo. Trabalharia de sol a sol e, à noite, além da sua autocrítica, ouviria preleções sobre os crimes do Ocidente, a maldade inata dos brancos e a necessidade de indemnizar as suas vítimas. O cantor Agir, pela baralhada em que se envolveu com a canção Filha de Tuga, também seria reeducado num destes campos, sendo ainda obrigado a compor mú sicas onde expiasse a sua culpa de ter nascido branco.

Para estes campos também deveriam ser enviados aqueles que estão a tentar sabotar a construção do admirável mundo novo. Os que afirmam que as novas guerras culturais dividem a sociedade e promovem o ódio que dizem combater; os que defendem que julgar o passado à luz do presente é capcioso; os que recordam que nesse mesmo passado todos os povos cometeram barbaridades; os que recordam que praticamente só no Ocidente existe liberdade e se respeitam os direitos humanos; os que, em suma, não se envergonham da sua herança genética e da sua identidade cultural. Na Coreia do Norte têm sido obtidos excelentes resultados na reeducação dos negacionistas da verdade suprema. O Winston Smith que há em cada contestatário acaba sempre por se tornar uma criatura dócil e obediente. 

No entanto, a estes combates pela civilização há que acrescentar um outro que tem sido esquecido: a erradicação do preconceito contra as pessoas que não têm o sentido do ridículo, ou até contra a própria noção de sentido do ridículo. Voltaire pedia a Deus para tornar os seus inimigos ridículos – mas o que isso significa? A definição de ridículo é algo complexo e que varia de cultura para cultura. As perucas dos juízes ingleses, os trajes dos doutoramentos honoris causa e da Confraria do Vinho do Porto, ou Donald Trump, são exemplos que desafiam o conceito de ridículo.

Porém, esta possibilidade de julgar a indumentária alheia, como os batiques africanos ou os turbantes indianos, não passa do tal preconceito que urge combater. Aliás, o conceito de ridículo é uma invenção patriarcal e homofóbica. Basta ver os comentários que se fazem aquando das Gay Prides quando aqueles senhores marcham com as caras pintadas, plumas na cabeça e o rabo à mostra: «Que ridículos!».

Isto vem a propósito da recente ida do ativista antirracismo José Falcão ao noticiário da SIC Notícias. Vestido com uma camisa multicolorida de tipo batique que se abria sobre uma t-shirt negra, calções e sandálias, pareceu a muitos preconceituosos contra a falta de sentido do ridículo absolutamente ridículo. E, ao lado da entrevistadora e da outra convidada – ambas vestidas de acordo com normas burguesas e patriarcais –, já ultrapassava essa categoria ontológica para entrar noutra ainda por definir. Porém, o problema não era dele, mas sim dos preconceituosos que julgam deter a verdade sobre os dress code e remetem para o Carnaval toilettes semelhantes à do ativista. 

É provável que em Inglaterra não o deixassem entrar assim na BBC, no torneio de Wimbledon ou sequer no Harrods, mas os ingleses elegeram três vezes a senhora Thatcher.

Na verdade, José Falcão matou dois coelhos de uma cajadada: o coelho racista e o coelho burlesco. Ao apresentar-se naquela figura na SIC, expondo-se a milhões de pessoas, pretendeu não apenas combater o preconceito racial, mas também os preconceitos contra as pessoas que não têm a noção do ridículo e não se importam de fazer figurinhas. Nesta altura do ano, muita gente lhe devia estar agradecida.

Faltou-lhe um palito na boca, umas meias nas sandálias e uma boina à Che Guevara, mas, tirando essas pequenas falhas, conseguiu-o com brilhantismo.