Chile. Mais de 70 deputados vão ter de ‘doar’ cabelo para análises de droga

78 dos 155 deputados do Congresso Nacional chileno terão de fazer testes de despiste ao consumo de drogas, num pacote de medidas que pretende  aumentar a “transparência” parlamentar no país.

Há quem diga que a política é uma das áreas mais stressantes do mundo: em Portugal, por exemplo, Pedro Passos Coelho chegou ao poder em 2011, com uma cabeça recheada de cabelo lustroso e saudável, e deixou o poder cerca de cinco anos depois, praticamente careca. O mesmo aconteceu com Barack Obama, que chegou à Presidência dos Estados Unidos com um cabelo curto, sim, mas com aspeto saudável e sem uma única cã à vista. À saída, já não se podia dizer o mesmo.

No Chile, 78 congressistas dos 155 que completam a Câmara de Deputados Nacional do país vão perder algum cabelo, mas não necessariamente pelo stresse da sua profissão. Esse cabelo será, sim, usado, pelos especialista do laboratório da Universidade do Chile, que vão realizar testes de despiste ao consumo de diferentes drogas.

A primeira ‘rodada’ de testes acontecerá entre 22 e 30 de agosto, sendo que os 78 congressistas em causa foram escolhidos aleatoriamente. De forma a testar toda a Câmara de Deputados, e que cada um deles seja testado, pelo menos, duas vezes durante o seu mandato de quatro anos, estes testes vão acontecer duas vezes por ano.

A lei chilena estabelece que cada congressista tem de deixar por escrito, nos primeiros 15 dias do seu mandato, que, caso o teste dê positivo, autoriza o levantamento do sigilo bancário. Os parlamentares em questão devem justificar todas as transações que realizaram acima de 800 unidades de desenvolvimento (UF), cerca de 27,5 mil euros.

O cabelo Curioso é o elemento corporal que os membros do laboratório da Universidade do Chile vão utilizar: o cabelo. Afinal de contas, dizem os especialistas, como a toxicologista Ana María Bermejo, citados pelo jornal espanhol El País, este é um dos melhores indicadores do consumo de drogas nas pessoas, e aquele que permite fazer um desenho mais pormenorizado do consumo de drogas de uma pessoa. “Todas as substâncias acumulam-se no cabelo durante meses e persistem, não importa o quanto laves o cabelo ou uses tinturas”, diz a mesma.

A informação no website do laboratório EasyDNA, sediado em Braga, que fornece também serviços de testes ao uso de drogas, corrobora essa afirmação sobre a qualidade do cabelo neste âmbito. “A análise do cabelo pode detetar com precisão os medicamentos usados até 90 dias antes do teste e provou ser cinco vezes mais eficaz do que os testes de urina”, pode-se ler no website da EasyDNA, que afirma que ”quando comparado a outros métodos de teste de drogas, o teste de amostra de cabelo é conhecido por detetar um período muito mais longo de uso de drogas”.

O objetivo desta nova regulamentação passa por prevenir o “consumo indevido de estupefacientes ou psicotrópicos ou substâncias”, de forma a aumentar os padrões de transparência no seu trabalho e evitar “a prática de crimes de tráfico de drogas ou outros a eles relacionados, e qualquer relação entre esta Câmara e as redes de narcotráfico que existem no país”.

A decisão de fazer os congressistas passar por este teste não foi, no entanto, pacífica, tendo alguns membros da Câmara de Deputados criticado a mesma. A comunista Marisela Santibáñez, por exemplo, assegurou que a prática “viola o direito à vida privada e o princípio da autonomia corporal”. Por outro lado, no entanto, a deputada Camila Flores, do partido de centro-direita Renovação Nacional, comemorou o projeto, argumentando que os parlamentares têm “a obrigação de demonstrar ao público” que não são “viciados em drogas” e não têm nenhuma ligação com tráfico de drogas”.

Cocaína no parlamento alemão, europeu e britânico A medida até pode ser inédita, mas não vem como uma surpresa. Nem novidade.

Recorde-se, por exemplo, o polémico caso dos resquícios de cocaína encontrados nas casas de banho do Parlamento alemão. Corria o ano 2000, quando a televisão SAT.1 publicou uma investigação em que retirou amostras das superfícies de 28 sanitas do Parlamento alemão, que foram enviadas para o Instituto para Biomedicina e Investigação Farmacêutica de Nuremberga. Dessas 28 amostras (retiradas de casas de banho utilizadas exclusivamente pelos parlamentares e jornalistas), 22 testaram positivo para vestígios de cocaína.

Cinco anos depois, em 2005, os repórteres da mesma televisão alemã foram à procura de cocaína num outro Parlamento: o Europeu. Munidos com toalhitas húmidas, os repórteres recolheram amostras de dispensadores de papel higiénico, maçanetas e outras áreas do prédio de Bruxelas. Praticamente todos os 46 cotonetes que a estação televisiva recolheu estavam contaminados com cocaína, com 10 amostras a acusar “quantidades significativas” da droga (entre 20 e 30 microgramas).

Mas isto não é só história do início do milénio. Em 2021, no Parlamento britânico, ao mesmo tempo que o então primeiro-ministro Boris Johnson divulgava uma plano para combater o consumo de drogas, foram encontrados vestígios de cocaína em vários locais dentro da Câmara dos Comuns, situada no Palácio de Westminster.

Em 11 dos 12 lugares testados, incluindo nas casas de banho junto ao gabinete de Boris Johnson e da então ministra do Interior, Priti Patel, foram encontrados vestígios desta droga.

“Há uma cultura da cocaína no Parlamento”, disse ao The Sunday Times um ex-deputado britânico, que afirmou que “algumas pessoas o fazem” a tempo inteiro. “Alguns são nomes conhecidos, outros são jovens parlamentares ambiciosos, mas todos correm o risco de perder as suas carreiras”, descreveu.