Papa em busca de bispos modernos

O Papa quer que os novos bispos portugueses ‘sintam os problemas da população’ e não sejam demasiado conservadores. Encontrá-los não é tarefa fácil e Ivo Scapolo leva anos a descobrir prelados que tenham uma ficha limpa e defendam uma Igreja moderna.

O Papa está determinado a rejuvenescer a cúpula da Igreja portuguesa, mas a tarefa não se adivinha fácil. «Como foi evidente com a nomeação do novo bispo de Braga, D. José Cordeiro, o Papa Francisco quer substituir a corrente teológica conservadora por bispos empreendedores que estejam mais próximos das pessoas e do mundo real, que se deem bem com as periferias», explica ao Nascer do SOL fonte eclesiástica.

E é aqui que entra a figura central de todo este processo: D. Ivo Scapolo, arcebispo italiano, núncio apostólico em Portugal, que terá a difícil tarefa de escrutinar quem pode ser bispo. Cabe-lhe a ele ‘vasculhar’ a vida dos candidatos e saber se não são suspeitos de práticas imorais ou mesmo do foro criminal, como pedofilia ou abusos sexuais.

Scapolo ouve padres e outras figuras do mundo eclesiástico, além de ‘civis’ que sejam católicos reconhecidos, nalguns casos até podem ser governantes. Depois de constatar se têm o cadastro limpo, o arcebispo italiano envia três nomes para o Vaticano, onde o Papa – juntamente com a  Congregação para os bispos, chefiada pelo cardeal Marc Ouellet – decide quem ‘sobe’ a bispo e se vai liderar alguma diocese ou se vai para bispo auxiliar.

O beijo e as carícias do cardeal

Curiosamente, Marc Ouellet esteve nos últimos tempos nas boca do mundo por ter sido  acusado de ter ter dado um beijo e acariciado uma mulher há 10 anos,  mas o Papa Francisco, depois de ter solicitado a um padre jesuíta, Jacques Servais, que investigasse o caso, chegou à conclusão de que não havia matéria para se abrir uma investigação canónica. 

Se o cardeal canadiano foi ou não vítima de difamação devido à sua luta pela ‘abertura’ da Igreja as opiniões dividem-se, mas há quem não deixe de estranhar que quem quer uma Igreja mais humana e próxima das pessoas seja confrontado com hipotéticos casos antigos.

E o que defende Marc Ouellet para a Igreja, segundo confessou à Vatican News, citado pela revista Família Cristã: além de não querer para bispos «‘carreiristas sociais’, pessoas que buscam os primeiros lugares, mas homens que sinceramente querem servir os seus irmãos e mostrar-lhes o caminho da fé e da conversão».

Também algumas fontes contactadas pelo Nascer do SOL falam na crescente influência do cardeal português Tolentino Mendonça junto do Papa, até na nomeação de novos bispos portugueses. Tolentino Mendonça seria o natural sucessor de D. Manuel Clemente, mas a sua ascensão no Vaticano augura-lhe outros voos para o futuro. Muitos acreditam que chegará mesmo a Papa.

Dioceses sem bispos

A luta pelo rejuvenescimento da Igreja portuguesa não tem sido fácil, já que substituir alguns bispos que se reformaram tem-se revelado tarefa muito complicada. Veja-se o caso de Setúbal, que tinha o bispo D. José Ornelas, que foi ‘transferido’ para Leiria-Fátima em março do corrente ano, não tendo sido substituído até hoje na terra do Sado. Na altura, D. José Ornelas afirmou, citado pela revista Família Cristã: «Esperemos que a nomeação do novo bispo não demore muito, porque isso não é bom». O nome mais falado é o de  Rui Valério, bispo das Forças Armadas.

Também Angra é outra diocese sem bispo, esta desde novembro de 2021. E o que disse o núncio apostólico ao presidente do Governo Regional dos Açores em abril, para justificar o atraso na nomeação? «Há muitos elementos sobre a conclusão desse processo, que é um processo bastante longo e que prevê a consultação dos bispos, sacerdotes, para conhecer as características da diocese, para saber qual a pessoa mais idónea e apta para realizar esse importante serviço».

Segundo o Açoriano Oriental, D. Ivo Scapolo prometeu a José Manuel Bolieiro que a substituição será feita «quanto antes», mas tratar-se-á de «um processo longo». Para se perceber o papel do núncio apostólico na abertura da Igreja, leia-se o que o próprio disse, citado pelo Açoriano Oriental: «A presença do núncio é sempre um motivo de conforto e tem como objetivo fortalecer a comunhão entre o Papa com a igreja local».

Além de estar em sintonia com o Papa, ou não fosse ele o seu representante em Portugal, Ivo Scapolo também não deve enfrentar o poder político e precisa de ter algum jogo de cintura. Bolieiro, na ocasião, disse que  «naturalmente que qualquer que seja a nomeação pela Igreja e pelo Papa será sempre bem-vinda e sempre bem acolhida. Naturalmente, não posso deixar de manifestar a vontade que pudesse ser um açoriano».

Ninguém quer arriscar

Como já se percebeu, o homem que tem de atestar a idoneidade dos futuros bispos tem uma tarefa mais difícil do que Cristiano Ronaldo conseguir voltar a ter o apoio dos adeptos do Machester United. Como se descobre que um hipotético candidato a bispo não teve no passado um deslize com alguma mulher, por exemplo?

«Essa é também uma das razões para se demorar tanto tempo a nomear novos bispos. Imagine que nomeiam alguém que meia dúzia de dias depois é acusado de ter feito assédio sexual a alguma ou algum católico», conta ao Nascer do SOL um padre dos arredores de Lisboa. Aliado à ‘ficha limpa’, Ivo Scapolo tem de descobrir quais são os padres que estão em sintonia com o Papa, o que não é tarefa fácil. Não há assim tantos padres progressistas e, já agora, sem serem progressistas. Faltam padres, diz-se com frequência. 

E, no caso da Igreja portuguesa, parece a história de puxar o cobertor para a cabeça, destapando os pés, ou vice-versa. D. José Cordeiro foi para Braga, deixando a diocese de Bragança-Miranda sem ‘chefe’ espiritual.  E, na Guarda, o bispo D. Manuel Felício completa 75 anos em novembro, altura em que deixará a diocese. 

Para se perceber a falta de bispos, atente-se no que escreveu a a revista Família Cristã no princípio do ano. «O que é certo é que, em cerca de dois anos, 10 das 21 dioceses portuguesas receberão ou precisarão de um novo bispo titular, sendo que o número poderá ser maior se a nomeação para alguma delas implicar transferência de um bispo titular de outra diocese. Uma remodelação que vai permitir rejuvenescer o episcopado português em termos de idade, e poderá corresponder a mudanças na sua liderança também, mas que não é claro quanto tempo demorará».

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