Despedimentos abalam Escola Portuguesa de Luanda

Professores da Escola Portuguesa de Luanda queixam-se de terem sido despedidos após contestarem contratos com condições ‘precárias’ e que ‘violam o direito laboral angolano’.

Um grupo de 15 professores da Escola Portuguesa de Luanda (EPL), angolanos e portugueses, queixa-se de «despedimentos irregulares» por parte da comissão provisória da instituição de ensino, alegando que lhes foi imposto um acordo que «viola a lei laboral angolana».

Uma professora que faz parte do grupo e que preferiu manter o anonimato contou ao Nascer do SOL que o novo gestor do estabelecimento de ensino remete os visados no acordo para uma cooperativa que «deixou de existir».

A EPL, criada em 1985 por um grupo de pais portugueses que precisavam de uma escola portuguesa em Angola onde colocar os filhos, foi gerida pela Cooperativa Portuguesa de Ensino em Angola (CPEA) até 2021. Mais tarde, em 2006, o Estado angolano cedeu um terreno e o Estado português construiu uma escola nova – ao abrigo do protocolo relativo ao Centro de Ensino e Língua Portuguesa de Luanda –, tutelada pelo Ministério da Educação português, mas gerida pela entidade privada que tinha um contrato de gestão com o Estado.

Contudo, a 7 de setembro de 2021 a EPL passou a ser gerida por uma comissão administrativa provisória do Ministério da Educação português, após o contrato de gestão assinado com a CPEA ter terminado a 31 de agosto do ano passado.

De acordo com a professora ouvida pelo Nascer do SOL, nessa altura, os docentes foram informados pela comissão provisória de que teriam de assinar um Acordo de Cedência de Interesse Público (ACIP) para continuarem a trabalhar no estabelecimento durante o ano letivo de 2021/22.

«Assinamos e durante esse ano letivo as condições de trabalho mantinham-se, mas findo o ano não sabíamos mais nada do que aconteceria após 2021/22», relata, indicando que na altura de assinar o acordo não lhes foi dada a possibilidade de contactar um advogado. «Não tivemos sequer a possibilidade de ter o ACIP na mão durante um dia, ou assinávamos ou não recebíamos o salário desse mês e não tínhamos trabalho dali em diante.»

Já durante o ano letivo, em maio de 2022, a meses de acabar o ACIP, a 31 de agosto, os docentes foram informados pelo presidente da comissão administrativa provisória, Eduardo Fernandes,  que seria elaborado um novo contrato com condições diferentes das que até agora vigoravam.

«Nesse novo contrato passaríamos a ser precários, passaríamos a não ter progressão na carreira, teríamos de aceitar horas extraordinárias e, relativamente ao meu caso, o meu salário era metade daquilo que eu auferia», explica a professora com 23 anos de serviço, acrescentando que todos os professores que estavam integrados na escola desde que esta era gerida pela CPEA recebiam de acordo com os anos de trabalho.

«As condições que eu tenho até dia 31 de agosto são as condições que adquiri ao longo dos meus 23 anos de trabalho», esclarece.

Meses depois, em julho, foram confrontados com um contrato novo, com a duração de um ano, que teria de ser assinado no período de três dias. «Contrato esse que viola os nossos direitos», indica a docente da EPL. 

Além da assinatura do novo contrato, também era exigida a assinatura de «uma carta de agradecimento à CPEA pelos feitos realizados ao longo dos anos». «Se não assinássemos a carta, não podíamos assinar o contrato.»

Esses documentos foram assinados pela maioria, apenas três docentes é que não o fizeram. Contudo, no entender do grupo, a CPEA não acautelou a passagem dos trabalhadores para a nova gestão. «Normalmente, os trabalhadores passam de um empregador para outro com todas as suas condições contratuais acertadas, mas aqui essas condições só duraram um ano. Findo esse ano muda tudo», diz a professora.

No sentido de reivindicarem os seus direitos, o grupo ainda pediu uma tentativa de acordo de conciliação junto do Ministério Público angolano. Na audiência, segundo alegam, a comissão administrativa provisória da escola recusou-se a negociar e indicou que os profissionais visados eram trabalhadores da CPEA. Já a 10 de agosto deste ano, o grupo que tinha tentado o acordo de conciliação foi afastado, tendo recebido um e-mail de despedimento a informar que não fariam parte do corpo docente no ano letivo de 2022/23 e no qual remetiam os trabalhadores para a CPEA, apesar de a cooperativa já ter sido extinta.

Após contestarem publicamente a decisão, receberam posteriormente um e-mail no qual eram readmitidos como docentes da escola com as mesmas condições previstas no ACIP do ano anterior. Segundo a professora da EPL, a comissão provisória alega agora que o despedimento foi motivado pela inexistência de negociações aquando do acordo de conciliação, tendo a comissão entendido que o grupo de professores não quis aceitar trabalhar nas condições previstas no novo contrato.

O Nascer do SOL tentou contactar o presidente da comissão administrativa provisória da EPL, mas não obteve resposta até ao fecho desta edição. Em declarações à Lusa, o embaixador de Portugal em Luanda, Francisco Alegre Duarte, disse tratar-se de uma situação essencialmente jurídica.

De acordo com o diplomata, com a passagem da administração da CPEA para o Estado português «não houve transmissão do vínculo laboral dos professores». Ou seja para que o grupo de docentes continuasse a lecionar, os professores teriam de celebrar um novo contrato.

«Isso foi o que aconteceu com a esmagadora maioria dos professores, incluindo alguns que decidiram contestar judicialmente a decisão», afirmou Francisco Alegre Duarte, confirmando que estavam em causa mais de 100 docentes.

«Houve reuniões e sessões de esclarecimento, em que foram sendo transmitidas informações sobre a não transmissibilidade do vínculo, e a esmagadora maioria dos professores assinaram os novos contratos», esclareceu o representante do Estado português.

Ao que apurou o Nascer do SOL, a maioria dos 15 professores deverão agora ser readmitidos, aceitando as condições contratuais impostas pela comissão provisória ainda que defendam que os contratos «violam a lei do trabalho quer em Angola como em Portugal».