Aeroporto de Lisboa longe de estar esgotado

‘Há várias loucuras que nos têm tentado vender sobre novo aeroporto, vão de Beja a Monte Real, passando por Alcochete, Montijo, e Ota. Já gastámos muitos milhões de euros em estudos que teriam sido melhor gastos na remodelação capaz da aerogare’, defende João Soares. 

O Aeroporto Humberto Delgado está longe de estar esgotado, defende João Soares, que lamenta que «essa história esteja a ser repetida há mais de 50 anos». O antigo presidente da Câmara da capital recorda: «Tenho vindo a dizer isso desde que fui autarca em Lisboa e já saí da Câmara em 2002».

A solução, no seu entender, passa por resolver o problema na aerogare. Já no Facebook tinha admitido que «há um problema de funcionamento da sua aerogare que pode e deve ser emendado com relativa facilidade», acrescentando que esta tem «sido remendada, a partir do projeto inicial de Keil do Amaral dos anos quarenta do século passado, com remendos que de uma forma geral só dificultam a sua funcionalidade e fluidez».

E ao nosso jornal lembra que a infraestrutura tem duas pistas: «A primeira, mais antiga, é a 1735, mas está inoperacional, e depois tem a 0321 que é uma pista de altíssima qualidade». No entanto, reconhece que esta segunda tem o entrave de não ter taxiway – percurso que os aviões fazem fora da pista, antes de descolar ou depois de aterrar – que é um dos problemas colocados ao tráfego aéreo, sobretudo nas horas de maior expediente. 

Ainda assim, um argumento que não é suficiente, no seu entender, para as «várias loucuras que nos têm tentado vender sobre novo aeroporto, que vão de Beja a Monte Real, passando por Alcochete, Montijo, e Ota. Gastámos já muitos milhões de euros em estudos sobre estas tretas. Teriam sido melhor gastos na remodelação capaz da aerogare e na construção de um taxiway que acompanhe a pista principal de Humberto Delgado».

E vai mais longe nas críticas. «Um super aeroporto, com gastos em infraestruturas de acesso como novas pontes e, num crescimento demencial de um imobiliário especulativo, não corresponde ao modelo de desenvolvimento que eu cidadão português quero para a nossa terra».

Pressão da Vinci

João Soares chama ainda a atenção para a pressão que tem sido feito pela concessionária de aeroportos. «A ANA/VINCI quer fazer o negócio da utilização valorização dos terrenos do Aeroporto Humberto Delgado, e também o da construção de um novo aeroporto. A ANA/VINCI é dirigida por alguém que negociou a privatização da ANA do lado do Governo, e agora a presidente».

E apesar de garantir não ter nada contra a privatização chama a atenção para a necessidade de ter de existir um controlo político nesta matéria. «O que querem fazer é um grande negócio com os terrenos do aeroporto. A Portela é uma imensa mais-valia para a cidade de Lisboa e para o país», salienta.

Cartão vermelho

Também em relação aos opções que têm sido postas em cima da mesa, João Soares dá cartão vermelho. «Primeiro falou-se na Ota, o que era um disparate completo e é uma localização que vai sendo posta. Primeiro com Cravinho, ministro de Guterres, depois foi retomada com José Sócrates e Mário Lino. A seguir Alcochete e Montijo. Têm sido disparates atrás de disparates», acusa, considerando que esta última opção é das que fazem menos sentido. «Acabar com a Base Aérea do Montijo é dificultar inutilmente operações vitais da Força Aérea Portuguesa. Nomeadamente na busca e salvamento», salienta.

Já em relação à opção Beja não hesita: «Beja é outra loucura que anda para aí. Vai-se fazer um TGV para um aeroporto que ninguém usa?», questiona. 

E vai mais longe. «Penso que estes investimentos disparatados serão melhor utilizados a melhorar, e muito, a nossa pobre rede ferroviária, que bem precisa».

E num cenário em que o aeroporto da Portela estiver esgotado – o que no seu entender, ao contrário do que tem sido muito repetido, «não está nem de perto, nem de longe de acontecer – defende que a alternativa é pôr as companhias de aviação low-cost em Alverca: «Tem ligação ferroviária e autoestrada. Essa é uma solução viável se for preciso se é que que vai ser preciso». 

Alverca ganha novos contornos

É certo que a alternativa Alverca como resposta ao ‘esgotamento’ da Portela tem vindo a ganhar novas dimensões. De acordo com os defensores desta solução, Lisboa tem a desvantagem de estar mais longe do centro da Europa e defendem que a conectividade não pode ser inferior a Madrid e Barcelona. 

E em relação a Alcochete, os que advogam a solução de Alverca garantem que esta alternativa representa uma poupança de 2.200 milhões de euros. «O campo de Tiro de Alcochete em termos de custo-benefício é a mais desfavorável das plataformas europeias, além de ser a mais distante do centro também é a mais cara, em termos de custo direto/custo colateral e sem transferência direta avião/comboio», conclui um estudo a que o Nascer do SOL teve acesso.

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Recorde-se que os defensores da solução Alverca têm sugerido que a Portela seja transformada em aeroporto secundário, que receberia apenas viagens de médio curso, enquanto Alverca passaria a contar com os voos de longo curso. «Neste caso, o hub seria em Alverca, e não na Portela, como está previsto com a solução Montijo. Não há nenhuma cidade da Europa com um hub no centro da cidade», chegou a admitir  José Furtado, especialista português no setor e responsável pelo desenvolvimento deste projeto.

O responsável enumera ainda uma série de vantagens, nomeadamente no que diz respeito ao impacto com a natureza. «A pista de Alverca só terá conflito com bandos de aves (em menor número e com menor envergadura) em um só ponto a sul que, no presente tem o habitat totalmente estragado por parte do dique do Mouchão ter colapsado há três anos – desde então a ilha está submersa por água salgada no ciclo das marés».

Além disso, têm vindo a defender um «inovador sistema de dupla função que assegura competitividade da ligação ao centro». A ideia passaria por criar uma ligação através de um comboio automático que cumpriria o trajeto de 14,5 quilómetros em 12 minutos. 

Um cenário que, de acordo com o responsável, é bem diferente das soluções que estão em cima da mesa: Alcochete e Montijo. «No caso do hub Portela + Montijo, o acesso é feito por barco (13km), mais + bus (4km), o que não é comparável com nenhum aeroporto europeu. Já o hub Alcochete dependerá de um acesso por comboio (ramal), com +/- 1 hora (viagem + espera) e elevado custo 15-17 euros».

O mesmo documento chama a atenção para o facto de esta solução, em termos de gestão aérea, representar «um grande aeroporto, com um sistema de três pistas paralelas cujo canal aéreo tem uma envergadura semelhante aos dois grandes aeroportos de Tóquio, na extensão longitudinal é como hub Narita e na largura é como o doméstico Haneda».

Soma-se a estas vantagens, de acordo com o responsável, o facto de o hub Alverca estar operacional em dois anos e meio. Uma solução destas iria colocar a nova infraestrutura «em segundo lugar no ranking europeu e em nono lugar no mundial». Ao mesmo tempo, «as pistas desfasadas longitudinalmente melhoram a segurança nacional».

Prazo e ambiente

O mesmo estudo chama ainda a atenção para o prazo de funcionamento dos novos projetos. No caso de Alcochete é apontado que começaria a operar dez anos depois do hub Alverca-Portela.  

As desvantagens não ficam por aqui. A solução Alcochete levaria à destruição de 15 mil hectares de flora: sobreiro 3.683ha; pinheiro manso 585ha; pinheiro bravo 129ha; pinheiro bravo e sobreiro 187ha e folhosas (salgueiros, choupos, etc.) 22ha.

«Estamos perante um cenário desperdício de usar 15.000ha quando só são precisos 1.500ha», refere o mesmo documento, lembrando ainda que «a localização está contígua à zona de proteção especial do Tejo (Rede Natura 2020), o contexto hidrogeológico é o mesmo que em Rio Frio, tratando-se de um sistema aquífero alimentado diretamente pelas precipitações e com uma vulnerabilidade alta à poluição (solos permeáveis». 

A somar a estes obstáculos há que contar ainda, de acordo com o mesmo estudo, com a «extrema vulnerabilidade a que ficariam sujeitas as origens de abastecimento das cidades das imediações e a proximidade de zonas de proteção especial permite concluir pela existência de impactos ambientais muito significativos, cuja minimização e compensação para não parece possível, tanto mais que não se afiguram inferiores aos que justificaram o afastamento da localização Rio Frio».

Cartão vermelho também tem sido dado à solução Montijo, nomeadamente no que diz respeito ao impacto com a natureza. «A pista do Montijo tem três pontos de forte conflito com grande concentração de aves de médio e grande porte num ambiente que ainda está preservado. A pista de Alverca só terá conflito com bandos de aves (em menor número e com menor envergadura) em um ponto a sul que, no presente, tem o habitat totalmente estragado por parte do dique do mouchão ter colapsado há três anos – desde então a ilha está submersa por água salgada no ciclo das marés», refere o estudo elaborado pelo responsável.

Segundo o mesmo, os efeitos também serão menores em termos de ruído, afetando menos 300 mil pessoas. Também as ligações ferroviárias da solução hub Portela + Montijo são criticadas.

«Está totalmente desligada da rede ferroviária, está condenada mais cedo do que tarde por razões ambientais/ civilizacionais e não tem visão nacional. O mesmo acontece com a solução hub Alcochete, que é prejudicada pela elevadíssima distância e por estar num ramal: cinco vezes mais que concorrentes diretos Madrid e Barcelona (ambos com Metro e Suburbano); mais do dobro da distância da maioria dos outros aeroportos, enquanto as solução hub Alverca-Portela estará no top 3 europeu em termos de ligações expresso, metro, suburbano, entre outros», conclui.

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