Portugalidade – Artistas Femininas Contemporâneas

A Wikipedia merece a inclusão de apenas vinte e duas mulheres pintoras portuguesas na sua lista. A leitura das suas biografias indica as divisões sociais que frustraram tanto os seus empreendimentos. Aqueles que tiveram a sorte de pertencer à classe média, famílias artísticas puderam estudar no exterior.

Por Roberto Cavaleiro

A Wikipedia merece a inclusão de apenas vinte e duas mulheres pintoras portuguesas na sua lista. A leitura das suas biografias indica as divisões sociais que frustraram tanto os seus empreendimentos. Aqueles que tiveram a sorte de pertencer à classe média, famílias artísticas puderam estudar no exterior. Paula Rego estudou na Slade School of Fine Art em Londres e, após o casamento com Victor Willing, adquiriu dupla nacionalidade britânica e aí permaneceu pelo resto da sua vida criativa. Da mesma forma, Maria Helena Vieira da Silva foi para Paris, casou-se com o também artista húngaro Árpád Szenes e tornou-se cidadã de França onde permaneceu até à sua morte em 1992. Deolinda Fonseca, depois de se formar na Faculdade de Belas-Artes do Porto, passou a residir permanentemente na Dinamarca, onde o seu trabalho foi elogiado pela crítica devido á sua força de caráter. As três continuaram a expor em exposições realizadas em museus e universidades de Portugal.

Claro que alguns artistas portugueses nasceram no estrangeiro. Maria de Lourdes Ribeiro (conhecida como Maluda) nasceu em Goa e de lá mudou-se para Moçambique onde formou um grupo de pintura conhecido como Os Independentes. Mais tarde, auxiliada por uma bolsa da Fundação Gulbenkian, mudou-se para Paris e ali interagiu com a colónia portuguesa liderada por M.H. Vieira da Silva. Katharine Swift nasceu na Irlanda mas radicou-se em Portugal ainda jovem quando o seu pai, Patrick, fundou a famosa Olaria Porches com o seu estilo de pintura em cerâmica de fluxo livre. Isso a levou a abrir o Estúdio Destra em Silves na década de 1980 e ao lançamento de novos estilos na arte do revestimento decorativo.

De facto, era no mundo artístico da decoração da cerâmica e do desenho de tecidos para a indústria têxtil que muitas portuguesas mais pobres trabalhavam porque não tinham condições de entrar nas Belas-Artes. Era indicativo de uma sociedade do século 20 que ainda acreditava que os deveres domésticos e a criação dos filhos vinham antes da expressão criativa nas artes.

Esta escassez de pintoras é demonstrada por qualquer exame dos catálogos de galerias em todo o país. Por exemplo, o Núcleo de Arte Contemporânea de Tomar recebeu em 2004 a generosa oferta do importante crítico de arte José-Augusto França de duzentas obras de quarenta artistas, dos quais apenas sete eram mulheres: Lourdes Castro, Mariam Fala, Alice Jorge, Albertina Mãntua, Maria Lucília Moita, Cristina Valadas e Ana Vidigal das quais apenas a primeira consta na lista da Wikipedia.

Felizmente este desequilíbrio foi parcialmente compensado pela exposição realizada há exatamente um ano na Gulbenkian “All I want – Portuguese Female Artists from 1900 to 2020” quando foram apresentadas duzentas obras de quarenta mulheres. Neste local, foi possível apreciar a vasta gama de estilos e subtilezas da arte feminina portuguesa, desde as enormes instalações coloridas de Joana Vasconcelos, passando pelos minuciosos abstratos de Vieira da Silva, até à extravagância das narrativas surreais e satíricas de Paula Rego. A conclusão imediata é que não pode haver uma Escola Portuguesa genérica de arte feminina pela sua natureza altamente complexa e cosmopolita, mas uma leitura dos famosos Modos de Ver de John Berger convence-me que, pelo menos através dos olhos femininos, estas mulheres maravilhosas e criativas que enfrentaram com bravura as adversidades, preconceitos e desigualdades merecem elogios pela sua “Portugalidade”.