Por Francisco Gonçalves
Nos últimos meses, na sequência da invasão russa à Ucrânia, a sociedade civil europeia ‘descobriu’ uma expressão nova: dependência energética. As opções para moderar ou conter a pulsão expansionista russa são diminutas em face da necessidade de muitos países da Europa central e oriental contarem com o petróleo e o gás russo para as suas sociedades.
Desde essa descoberta (que na realidade não foi descoberta nenhuma, era sabido, mas tolerado), que a energia está na agenda pública todos os dias: como podemos ter instrumentos negociais com uma Rússia expansionista, quando estamos dependentes (a União Europeia) para fazer funcionar o nosso tecido produtivo ou, simplesmente, aquecer as nossas casas e sobreviver ao rigor do inverno?
Na realidade, a questão apenas esteve afastada do debate público porque não tinha existido um facto que expusesse a nossa debilidade. É o lado bom das crises, obrigam-nos a ‘mudar de vida’.
Se, nas decisões das nossas lideranças, houvesse pensamento estratégico consciente das nossas debilidades, há muito que se tinham diversificado as origens dos hidrocarbonetos que importamos e demais fontes de energia que compõem o nosso mix energético. Isto é, não devemos estar dependentes de apenas uma geografia, sobretudo quando esta é uma potência (particularmente uma não democrática), nem quando na origem estão contextos políticos ou sociais instáveis.
Não foi por acaso que surgiram projetos, na primeira década deste século, como o gasoduto BTC (Baku-Tiblissi-Ceyhan), com origem no Cazaquistão, passagem pela Geórgia (Tiblissi) e destino no porto de Ceyhan, na Turquia, fazendo o ‘bypass’ à Rússia, mas continuando ainda longe da Europa central.
Há, todavia, um problema que nunca foi atacado: a possibilidade de usar a Península Ibérica como porta de entrada de gás e petróleo norte-americano ou africano na Europa, fazendo-o chegar ao centro do continente através de gasoduto/oleoduto através dos Pirenéus. Esta ideia teve sempre a oposição da França, desejosos de impor (e vender) a sua ideia da energia nuclear limpa (mais cara).
Quando, nas últimas semanas, o chanceler alemão Olaf Scholz trouxe publicamente a ideia de tornar Sines nessa porta de entrada, julgava-se que a oposição francesa estava ultrapassada. Pensava-se que os factos da guerra, associados ao amor próprio de Macron, recordando-se daquela imensa mesa na qual Putin o sentava no Kremlin, o tinham feito recuar nesta oposição, permitindo finalmente nova e vasta forma de abastecimento para a União, e possibilitando, paralelamente, que a Península Ibérica não mais seja uma ilha energética no contexto continental.
Os últimos dias demonstraram, porém, que nem a mesa russa era longa o bastante, nem os efeitos da guerra na Ucrânia foram os suficientes para que a França tivesse revisto a sua oposição a algo tão importante para o nosso futuro coletivo. O Presidente francês já disse publicamente que a França continua a opor-se ao desenvolvimento do projeto.
No artigo anterior escrevemos que a Europa estava desorientada e questionávamos se sabíamos o que andávamos aqui a fazer. A França, juntamente com a Alemanha, deviam ser o eixo político e económico da União. Deles deveria vir a liderança para o nosso futuro coletivo.
Uma liderança que, mesmo em tempo de guerra, não percebe a urgência do momento e a importância do tema, é o oposto do que deve ser uma liderança. Como diz o provérbio, «um exército de ovelhas liderado por um leão pode vencer um exército de leões liderado por uma ovelha»…