PSP e GNR já detiveram quase 70 incendiários

O número de pirómanos cresce exponencialmente se tivermos em conta os dados da PJ. O i falou com um bombeiro para tentar entender o fenómeno.

Entre o início do ano e o dia 21 de agosto, a Polícia de Segurança Pública (PSP) e a Guarda Nacional Republicana (GNR) detiveram, em conjunto, 69 incendiários. Ainda assim, este número já era superior há 10 dias, quando o Ministério da Administração Interna (MAI) mencionou que tinham sido detidos 119 suspeitos do crime de incêndio florestal.

“No período de tempo indicado, a Polícia de Segurança Pública (PSP), quer na sequência das inúmeras ações de vigilância, quer na sequência de denúncias, durante o presente ano, deteve 1 cidadão pelo crime de incêndio/fogo posto em floresta, mata, arvoredo ou seara”, confirmou a PSP ao i, enquanto a GNR apontou a detenção de 68 pessoas no ano corrente.

Mas é necessário olharmos para os últimos cinco anos e analisarmos os dados dos períodos homólogos. Por exemplo, segundo a GNR, em números enviados ao i, em 2021, por esta altura, tinham sido detidos 34 incendiários, 36 em 2020, 45 em 2019, 83 em 2018 e 31 em 2017. Já a PSP, por seu lado, indica quatro em 2021, seis em 2020, quatro em 2019 e sete em 2018.

Faltam-nos apenas os valores apurados pela Polícia Judiciária (PJ) que, até à hora de fecho desta edição, não respondeu.

De qualquer modo, importa referir que, a 14 de agosto, José Luís Carneiro fazia o seguinte ponto da situação: “Tínhamos 119 detidos, quer pela Guarda Nacional Republicana, quer pela Polícia Judiciária”, declarou na Batalha (Leiria), no final da sessão solene do Dia do Município, acrescentando que outras “investigações estão em curso, para detetar as causas de outros incêndios, e poderão vir a culminar noutras detenções”.

Segundo clarificou o ministro, o Executivo este ano reforçou muito “os mecanismos de fiscalização e de vigilância” e “esse trabalho de fiscalização e de inspeção” foi intensificado “numa articulação da Guarda Nacional Republicana com a própria Força Aérea, com vigilância aérea articulada com os 230 postos de vigia fixos e, depois, também a própria videovigilância que está colocada para serviço à floresta”.

O governante adiantou igualmente que este ano há “uma taxa de detenção que está já muito mais acima do dobro daquilo que foi a taxa de detenção nos anos anteriores”, o que “mostra também a eficácia do sistema no combate aos incendiários”. Assim, o ministro da tutela já ia ao encontro desta tendência crescente – em relação ao ano passado e a 2020, principalmente – registada pelos dados que a PSP e a GNR enviaram ao i. 

O perfil dos incendiários Mas o que leva estas pessoas a atearem fogos? Um estudo da Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais (DGRSP), levado a cabo em 2017, em parceria com a Escola da Polícia Judiciária, e ao qual a agência Lusa teve acesso, abrangeu 247 pessoas arguidas e condenadas por crime de incêndio que estavam, à data, em execução de pena ou medida na comunidade.

“Chamar a atenção, vingança/raiva, aborrecimento e o prazer em ver o combate ao fogo (161 casos, 73%), foram as motivações “intrínsecas ou expressivas”, expressas pelos inquiridos.  As restantes pessoas enquadravam-se nas “motivações mais extrínsecas ou instrumentais”, como formas de resolver problemas e a obtenção de benefícios (59 casos, 27%).

Importa referir que a maioria das pessoas arguidas e condenadas por incêndio pertenciam ao género masculino (91%), sendo a média de idades de 44 anos e constituindo a faixa etária entre os 41 e os 64 anos a mais representada. A maioria dos incendiários residia na zona Norte (104 casos, 42%), seguindo-se o Centro (98 casos, 40%), o Sul e Ilhas (45 casos, 18%); e estavam ativos profissionalmente (114 casos, 47%), sendo a área profissional mais representada a agricultura e pastorícia (50 casos, 21%), a construção civil (17%) e os serviços (10%).

Emanuel (nome fictício) é bombeiro há 8 anos. Ao i, explica que, sendo o fogo por si um espetáculo que provoca emoção para a própria pessoa, muitas das vezes sendo considerado um ato que a sociedade reprova, há uma adaptação de forma a que possa viver essa experiência de modo socialmente aceite. “Se o pirómano for aquele que gosta de ver o fogo, a floresta a arder, acaba por encontrar refúgio dentro dos bombeiros para passar por isso. Não precisa de pegar fogo a nada porque está no teatro de operações e vê tudo a arder”, esclarece o profissional.

“É um fenómeno que a Psicologia e a Sociologia nos ajudam a entender. Dentro dos incendiários, podemos, de forma muito redutora, apontar para dois tipos diferentes: o primeiro é aquele que gosta de observar o fogo, das chamas, de ver aquilo como um espectáculo. Depois, temos outro tipo: o pirómano que pega fogo para observar a atuação dos bombeiros e das forças de proteção civil. Gosta de ouvir as sirenes, gosta de ouvir as pessoas a gritar, do trânsito parar, etc. Todo o aparato criado para combater o incêndio fascina-o”, afirma Emanuel, que já acompanhou, pelo menos, uma pessoa que lhe confessou que sentia prazer a atear fogo.

“Bolas de papel em pequeno, por exemplo –, observava, gostava de ver tudo e, aos poucos, foi fazendo mais coisas. Imaginemos, punha a ignição numa ponta do quintal e ficava a ver o fogo a alastrar. Chegou a pegar fogo a objetos da escola e da rua, como caixotes do lixo, foi progredindo até que não conseguiu resistir e acabou por atear um fogo que se descontrolou e originou um incêndio gigantesco. Ele apanhou um grande susto porque pôs em causa a habitação de um familiar, a vida dos animais, etc. e ficou com medo dele próprio. Entendeu que tudo tinha começado com uma bolinha de fogo que lançava para o lavatório e apagava de imediato com água e passou para um ato criminoso”, recorda o bombeiro com uma experiência de quase uma década.