Horrores em série

A vigilância dos passos de idosos com distúrbios mentais é outro ponto crítico. Como nem sempre é efetiva, alguns abandonam as instalações que os acolhem, vagueiam por parte incerta, calcorreando caminhos e veredas desertas. Nunca se sabe até onde vão chegar e o que lhes pode acontecer, sendo certo que muitos são encontrados já sem…

Álvaro Carvalho, Médico especialista em Medicina Interna

Como se não bastassem os relatos arrepiantes que diariamente nos chegam sobre a criminosa guerra na Ucrânia, por aqui somos confrontados com notícias alarmantes, de que não conseguimos alhear-nos. Incêndios devastadores para o nosso ecossistema, homicídios macabros em série, alguns deles por razões fúteis, hedionda violência doméstica, assaltos e roubos à mão armada, afogamentos, mortalidade excessiva no mês de junho e aumento da sinistralidade rodoviária (Foi um péssimo exemplo a longa entrevista dada ao volante pelo Presidente da República, com o risco acrescentado pelos esgares faciais e o permanente gesticular de ombros). E sobre isto e outras realidades os responsáveis máximos mostram indiferença.

Na minha infância, vivida em meio rural, era frequente ouvir da boca de anciãos o seguinte provérbio: «Filho és, pai serás, conforme fizeres assim acharás». Desta forma, a sabedoria popular pretendia transmitir, de geração para geração, o legado popular, preparando os jovens para, futuramente, cuidarem dos mais velhos, imitando o comportamento dos ascendentes. Porém, a evolução social levou ao desequilíbrio demográfico e à desagregação das famílias (entrada da mulher no mercado de trabalho, emigração, guerra colonial, baixa natalidade, acréscimo da esperança de vida e consequente aumento dos idosos).

Neste contexto social desfavorável surgiram os Lares da Terceira Idade, que rapidamente se multiplicaram. Era uma tábua de salvação estendida a pessoas ou famílias que não tinham outra alternativa. Atualmente, algumas destas Instituições estão dotadas de ótimas estruturas físicas, mesmo nas zonas desertificadas do Interior do país. Todavia, carecem de recursos económicos e humanos para fazer face a algumas necessidades assistenciais que se lhes deparam: utentes cada vez mais idosos e dependentes, com dificuldades motoras, doenças crónicas, sujeitos a polimedicação, etc..

Contudo, as maiores dificuldades que enfrentam são colocadas por pessoas com perturbações mentais, transitórias ou definitivas, como é o caso das demências, que precisam de cuidados específicos. Idealmente, deviam ter apoio psiquiátrico e psicológico regular, sem menosprezar alguma ajuda que os familiares pudessem dar, muito além das visitas esporádicas. Aliás, alguns responsáveis desses lares queixam-se bastante desta falta de colaboração intergeracional.

A vigilância dos passos de idosos com distúrbios mentais é outro ponto crítico. Como nem sempre é efetiva, alguns abandonam as instalações que os acolhem, vagueiam por parte incerta, calcorreando caminhos e veredas desertas. Nunca se sabe até onde vão chegar e o que lhes pode acontecer, sendo certo que muitos são encontrados já sem vida. Não há forma de identificar e controlar eletronicamente os casos críticos, para evitar ocorrências tão dramáticas? 

O aumento da esperança de vida da população foi uma conquista notável da nossa sociedade. Mas é bom ter presente que não basta viver, é preciso ter qualidade de vida. Ora, Portugal é um mau exemplo nessa matéria. 

A solidão que enfrentam, e o horizonte fechado que vislumbram, leva cidadãos desesperados a pôr termo à vida, agora como nunca. É certo que podemos atribuir algumas dessas culpas ao confinamento e ao isolamento a que muita gente esteve sujeita. Mas o fermento estava lá há muito tempo e só não via quem não queria.

Começa a ser notícia, cada vez com mais frequência, um fenómeno semelhante nas enfermarias de diversos hospitais, onde acontecem suicídios chocantes. Seguramente que ocorrências destas seriam evitáveis com medidas de prevenção fáceis de concretizar. 

E que dizer dos idosos confusos que desaparecem do interior dos serviços de urgência ou, mais frequentemente, das salas de espera para onde foram empurrados, adornados com uma pulseira atribuída por uma triagem mais burocrática que técnica? Desorientados no espaço e no tempo, fogem daqueles locais agitados e vagueiam pelos descampados em volta, até disporem de energia. Esgotados, caem inanimados e se não tiverem a sorte do seu lado, são encontrados já cadáveres.

Entretanto, políticos e governantes desconhecem ou mostram-se indiferentes a estas situações, cada vez mais pungentes. Aliás, não será de esperar outra coisa de parlamentares que estão mais preocupados em legalizar a eutanásia do que a enfrentar esta cruel realidade social. Vendo bem, semelhante postura até facilita a concretização desse projeto legislativo.