Querido mês de agosto

por Nélson Mateus e Alice Vieira

Querida avó,

Agosto, para muitos, é sinónimo de férias. Mas não para todos. Não me recordo se alguma vez estive de férias em agosto. Em adulto, claro. Já nos tempos de estudante a conversa era outra. 
Sabes que há muitos que me encontram na rua e me dizem: «A sua avó lá está de férias, na Ericeira». Como se todos os que vivem perto do mar estivessem sempre de férias. Logo tu, que continuas a trabalhar, mesmo que seja em frente ao mar. Muitos não entendem o nosso trabalho.
Devem imaginar-te de fato de banho, estiraçada na areia o dia inteiro, «put the cream, you are very white», como diria o outro.
Por falar em fatos de banho, lembrei-me das idas à praia em tempos passados. Aliás, na Ericeira existem referências das idas a banhos da D. Maria Pia em 1864.
Hoje, cada um veste o que quer (em muitos casos quase nada) mas nem sempre foi assim. Os fatos de banho já taparam, homens e mulheres, dos pés à cabeça. Durante muitos anos o tom bronzeado foi associado às classes trabalhadoras mais pobres, imagina.
O uso de biquíni só começou praticamente quando nasceste, mas longe de ter as dimensões, reduzidas, que tem hoje. Julgo que até os homens iam à praia com roupa de banho de duas peças.
As minhas memórias de infância, na praia, já me remetem para indumentárias muito mais leves e da afirmação do “topless”.
Sabes que cada vez é mais frequente vermos mulheres islâmicas a banhos nas nossas praias. Mas, tal e qual como os nosso antepassados, vestidas dos pés à cabeça (literalmente). A descoberto só o rosto, pés e mãos.
O que também não esqueço são as canções: “Bikini pequenino às bolinhas amarelas”, do Nel Monteiro a cantar “Azar na praia” e do Dino Meira a cantar “Meu querido mês de agosto”.
Agora, vou preparar tudo para a Feira do Livro de Lisboa, que, como sabes, começa na próxima semana.
Sei que tens imensas recordações das idas à praia de outras épocas. 
Conta-me tudo.
Bjs

Querido Neto,

Nunca vivi muito tempo longe do mar – a não ser quando vivi no estrangeiro – e, mesmo assim, Dili era bem junto do mar, e por isso eu estava sempre caída na praia de Liquiçá (com as cabras a lamberem-me a cara…).
De resto eu costumo dizer que vivi sempre junto ao mar. Quando era muito criança, os meus tios adoravam a Praia do Guincho que, nesses anos 40 e 50, era um deserto, sem ninguém, com um vento e um frio terríveis e sempre cheia de abelhas. Antes de sairmos de casa, a minha tia ligava para o barracão onde havia o café do Sr. Muxaxo, a perguntar como estava o tempo. Nem sei porquê: fizesse o tempo que fizesse, íamos sempre.
Mas os loucos não éramos só nós: o barracão do Sr.Muxaxo era também o poiso dos Condes de Barcelona  e do Juanito, seu filho.
Às 11 da manhã, o Sr. António, que era pescador, banheiro e o mais que fosse preciso, chegava à praia, vendia um robalo à minha tia, esfregava as mãos e dizia: «embora, pessoal!».
Então eu, os meus dois irmão e uma prima fazíamos fila diante do mar e, à vez, o Sr. António pegava num de nós, com os dedos apertava-nos o nariz e zás!, atirava-nos para o meio do mar. Resultado: todos nós nadamos na perfeição.
Depois passámos para a Ericeira, onde o frio e o vento também eram terríveis e o sol só nascia – quando nascia – depois das quatro da tarde.
Depois casei e a praia, durante muitos anos, passou a ser a Costa Nova (de seu nome completo Costa Nova do Prado), perto de Ílhavo. É uma praia extraordinária, com a possibilidade de podermos ir a uma praia com o mar bravo – Praia da Costa – e também a uma muito calma – a Praia da Ria.
Quando andava a escrever o meu livro Praias de Portugal (publicado na altura da EXPO-98) fui a todas. Mais de 300.
Gosto de muitas, detesto outras – mas praias do meu coração só tenho duas: a Ericeira e a Costa Nova.
E não há nada a fazer…
Bjs