Seca na Europa. Quando uma tragédia traz tesouros à superfície

Quase metade da Europa está em nível de alerta, no que diz respeito à seca, e os leitos secos dos rios trazem- -nos achados históricos. O i falou com o jornalista Christopher Schuetze, do New York Times, que acompanha o fenómeno.

A Europa está a enfrentar aquela que ameaça poder vir a ser a sua pior seca dos últimos 500 anos, com dois terços do continente em estado de alerta, estando o transporte fluvial, a produção de eletricidade e os rendimentos de muitos que dependem da agricultura obrigatoriamente reduzidos. O relatório de agosto do Observatório Europeu da Seca (EDO), da Comissão Europeia, indicou que 47% da Europa está em condições de alerta, na medida em que a humidade do solo é baixa e 17% da região de alerta é afetada pela vegetação. E este fenómeno, ao contrário daquilo que se poderia pensar, parece trazer surpresas: como as “pedras da fome”, que ressurgiram recentemente no leito do rio Elba, no norte da República Checa, junto à fronteira com a Alemanha, navios e bombas da Segunda Guerra Mundial nas águas  do Danúbio, aldeias-fantasma nas margens das albufeiras de Portugal e Espanha, balneários do século XIX, pontes medievais góticas e dólmenes pré-históricos.

“A severa seca que afeta muitas regiões da Europa desde o início do ano tem vindo a alastrar-se e a piorar desde o início de agosto”, lê-se no relatório, tendo sido acrescentado que a região da Europa Ocidental-Mediterrâneo provavelmente será aquela que enfrentará condições mais quentes e secas do que o normal até ao mês de novembro. Segundo o mesmo documento, grande parte da Europa, depois de ter vivido semanas de altas temperaturas neste verão, como Portugal, Espanha e França, o que agravou a seca, acabou por ter muitos incêndios florestais e consequentes alertas de saúde que conduziram a pedidos de mais ações para combater as mudanças climáticas.

Mas o problema permanece e a seca atual promete mesmo ser a pior dos últimos cinco séculos, até porque os dados finais confirmam a avaliação preliminar, como mencionou a Comissão num comunicado veiculado na terça-feira. As colheitas típicas de verão sofreram imenso, com as de milho a estarem 16% abaixo da média dos cinco anos anteriores e as de soja e girassol a caírem 15% e 12%, respetivamente.

É que, além disto, a produção de energia hidrolétrica foi afetada e muitos produtores de energia foram prejudicados devido à escassez de água que alimenta os sistemas de refrigeração. Estes reduzidos níveis de água dificultaram o transporte terrestre, como ao longo do rio Reno, e de outros, dos produtos colhidos, com cargas de transporte que sofreram uma queda acentuada devido ao preço do carvão e do petróleo, que tem disparado semana após semana desde a invasão da Ucrânia pela Rússia.

Apesar de o EDO ter observado que as chuvas de meados de agosto podem ter aliviado as condições, a verdade é que, em alguns casos, vieram com tempestades que causaram mais danos, como se verificou em Espanha. No país vizinho, os incêndios dizimaram milhares de hectares e, enquanto a precipitação dava tréguas em algumas regiões, os incêndios cresciam cada vez mais em Portugal, que enfrentou a terceira onda de calor desde junho.
Devido a este panorama, os leitos dos rios secaram e surgiram algumas “surpresas” – achados históricos extraordinários. Um dos primeiros jornais que noticiaram estas descobertas foi o New York Times. “Tenho escrito um pouco sobre o meio ambiente desde que comecei no jornalismo, há mais de uma década, e parece que o clima se tornou mais extremo. A primeira vez que notei algo assim foi em 2018, quando tivemos um verão louco/quente na Europa Central. Parecia uma verdadeira mudança. Muitas pessoas realmente perceberam que estavam a viver no meio da mudança climática, que não era apenas um debate sobre algo no horizonte futuro, mas que estava a acontecer então”, começa por explicar ao i o jornalista Christopher Schuetze, do NY Times.

“Isto assusta-me muito porque tenho dois filhos e acho que os verões secos/quentes vão fazer parte do nosso futuro… agora, teremos de nos adaptar”, sublinha. “Não tenho a certeza se devemos esperar um agravamento da seca a cada ano… Poderíamos ter anos melhores/mais húmidos. Mas, no geral, vai ficar cada vez mais seco e o clima cada vez mais extremo. No caso dos navios de guerra estavam, na verdade, na fronteira sérvia/romena. Mas aqui na Alemanha também encontramos achados no fundo de rios secos/lagos interiores. A questão é que houve uma grande seca há quatro anos, muitas das coisas que estão a ressurgir na Alemanha agora… Já as tínhamos visto há quatro”, narra o profissional que trabalha na redação de Berlim daquele órgão de informação.

“Acho que os navios de guerra são apenas relíquias, uma espécie de sinal de como as coisas estão más. O verdadeiro problema são outras coisas que acontecem quando a água seca.. animais selvagens/peixes moribundos, habitats destruídos. ecossistemas inteiros a desmoronarem-se porque os lagos que os sustentam secam por meses a fio”, reflete o jornalista que iniciou a carreira no  The International Herald Tribune.

“O que é tão problemático nisto tudo é que está a acontecer em todos os lugares. Estamos a ver pegadas de dinossauros a aparecer no Texas porque é muito seco. O poderoso rio Yangtze na China está a atingir o pior nível de seca em 100 anos. O Danúbio, o Reno… parece estar a atingir tudo ao mesmo tempo. E estas são apenas as coisas mais óbvias…”, lamenta.