Funeral. Uma despedida com poucos angolanos presentes

Em Angola diz-se que ‘Ti Célito’ poderá ser a solução para desbloquear o impasse entre o MPLA e a UNITA. O partido do Governo reclama vitória, enquanto o ‘Galo Negro’ diz que os resultados foram falseados. Conseguirá Marcelo juntar João Lourenço e Adalberto Costa Júnior para fazerem as pazes eleitorais? 

Se tudo correr como o previsto pelo partido do Governo, esta semana, em Angola, as estruturas do MPLA tudo farão para festejar a vitória das eleições de 24 de agosto. Isto apesar da UNITA continuar a reclamar vitória, alegando que as atas sínteses que possui na sua pose lhe dá mais votos, que terão de ser subtraídos ao MPLA.

Quem não acredita nessa narrativa é a UNITA que garante que tem resultados bem diferentes daqueles apresentados pela Comissão Nacional Eleitoral (CNE) e apesar de já ter recuado um pouco nas suas reivindicações, Adalberto Costa Júnior afirma que os resultados das atas sínteses das mesas de voto lhe dão muito mais votantes, logo terão que ser subtraídos ao MPLA.

 A história é simples. Sempre que uma assembleia de voto conta os boletins, antes de fechar as portas deve afixar os resultados. E quase todas o fizeram, o que permitiu ao partido do Galo Negro dizer que os resultados apresentados pela CNE não coincidem com as tais atas síntese. Também como já se percebeu tem tudo para dar errado, a não ser que exista uma força “superior” que acalme os ânimos.

Ti Célito pode fazer milagres E quando se fala em milagres, qual é o nome que aparece na imprensa angolana, nomeadamente no Novo Jornal? Precisamente o do Presidente português, de quem se diz que estará a promover diligências nos bastidores para Adalberto da Costa Júnior se encontrar com João Lourenço para chegarem a um acordo. Marcelo Rebelo de Sousa foi o único chefe de Estado não africano presente no funeral de José Eduardo dos Santos. A sua chegada ao local das cerimónias fúnebres foi relatada pela TPA, que não deixou de se referir a Marcelo “como um amigo de Angola”.

O Novo Jornal avança mesmo que o líder da UNITA terá sido convencido por Marcelo a estar presente no funeral, quando antes Adalberto da Costa Júnior tinha revelado a sua intenção de não participar no ato. Pressionados pela imprensa, o líder da UNITA reconheceu que foi uma decisão difícil, mas que optou por ir prestar uma última homenagem ao antigo Presidente de Angola. Mas Adalberto não deixou de fazer críticas à cerimónia, que considerou muito partidarizada e de não ter contado com toda a família de José Eduardo dos Santos, numa indireta à impossibilidade de Isabel e Tchizé dos Santos terem sido impedidas de estarem presente. 

A imprensa angolana faz ainda referências ao facto do Presidente português não se ter referido ao resultado das eleições, contrariando aquilo que é o seu comportamento normal, falando de tudo, quando lhe apetece. “Esta posição ganhou renovada preponderância para uma eventual, nunca admitida, diplomacia privada do ‘Ti Célito’ entre os dois gigantes da política nacional, quando do lado do Índico, o Presidente de Moçambique, Filipe Nyusi, não se conteve e deu os parabéns a João Lourenço ‘pela vitória’ eleitoral, ignorando as posições da UNITA, que exige uma contagem através da comparação de atas síntese emitidas pelas Assembleias de Voto”, escreve o Novo Jornal. Há ainda referências à proximidade de Marcelo com João Lourenço, tendo mesmo sido convidado para um aniversário do Presidente angolano.

Marcelo, apesar de jogar à defesa, não deixou de dizer que esteve com Adalberto Costa Júnior, recusando-se a divulgar o conteúdo da conversa, mas há quem diga que o Presidente português conseguiu convencer Adalberto a aceitar os resultados, depois de revistos, e que darão à mesma a vitória ao MPLA. Aliás, a própria UNITA já recuou e deu a  entender que o partido de João lourenço venceu as eleições, embora com menos deputados.  

Quem também não se referiu à questão das eleições foi João Cravinho, presente em Angola, mas não se coibiu de falar de José Eduardo dos Santos: “Soube estabelecer com todos os Presidentes da República portugueses eleitos em democracia, devido à longevidade da sua carreira, relações que propiciaram a proximidade entre os nossos povos e nesse sentido também Portugal lhe deve muito”. Cravinho foi ainda mais longe. “É a homenagem que Angola e o mundo devem a José Eduardo dos Santos”.

Funeral longe do esperado As cerimónias fúnebres estiveram longe de ter um banho de multidão, estranhando-se mesmo a falta de adesão popular no sábado. Ontem, último dia de velório, as cadeiras estavam bem mais preenchidas e na rua viram-se centenas de pessoas, algo que muitos acreditariam que chegariam aos milhares. Seja pelo desencanto do povo com a política, seja pelo receio de confrontos, a verdade é que as cerimónias ficaram muito aquém do esperado, apesar da transmissão exaustiva da TPA. 

Talvez a pesada derrota que o MPLA sofreu em Luanda seja a razão para ter tido tão poucos apoiantes, havendo necessidade de preencher à pressa os lugares vazios.

Mas a cerimónia foi marcada por dois momentos inesperados. Primeiro pelo discurso de uma das filhas de José Eduardo dos Santos com Ana Paula, a viúva que conseguiu resgatar o corpo de Barcelona. E pelo desmaio de João de Deus, diretor-geral da Fundação Eduardo dos Santos, enquanto fazia o seu elogio fúnebre. João de Deus fez depois um vídeo na clínica para onde foi levado, dando conta de que está tudo bem.

 “É com o coração apertado e profunda tristeza, que hoje, como representante da família enlutada, estamos aqui todos presentes e unidos para prestarmos respeito ao nosso pai”, afirmou Josiane dos Santos. Como é do conhecimento geral, os vários filhos de José Eduardo dos Santos não estão propriamente na paz do senhor, e Josiane não deixou de afirmar que “não deixarei que usem o teu nome em vão, em benefício próprio e lutaremos as tuas batalhas com determinação”.

Já Isabel dos Santos, na véspera do funeral, escreveu nas redes sociais. “O que está a acontecer é de partir o coração. A traição, a falta de lealdade, queima no coração de quem tanto confiou. Quando somos traídos por quem amamos, choramos e lamentamos uma dor de morte é como se tivéssemos que enterrar alguém ainda respirando”.

Veremos como acorda hoje Angola, se em paz ou tumultos. Nos últimos dias tem havido trocas de agressões entre apoiantes dos dois principais partidos, algo condenado pelos políticos.