Primeira baixa do Governo. Marta Temido tanto tremeu que caiu

A morte de uma grávida morre que sofreu uma paragem cardiorrespiratória em transferência hospitalar em Lisboa levou à demissão da Ministra da Saúde. Fragilidades já eram evidentes mas este caso deixou a nu os problemas do setor, admitem ao i politólogos.

Marta Temido foi tremendo mas foi-se aguentando. A covid-19 mostrou algumas fragilidades em termos de governação, mas o sucesso do plano de vacinação acabou por salvá-la e deu-lhe carta branca para ser reconduzida no cargo, num Governo de maioria absoluta. O verão e os fechos das urgências de obstetrícia trocaram-lhe as voltas. A morte de uma grávida após paragem cardiorrespiratória, enquanto era transferida do Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte-Hospital de Santa Maria (CHULN) para o Hospital São Francisco Xavier, por ausência de vagas no serviço de neonatologia ditou o fim do seu trabalho à frente da pasta da Saúde, deixando a nu o desgaste deste Governo de maioria absoluta após cinco meses de assumir funções e que já um mês antes, durante o debate do Estado da Nação, mostrava sinais de fragilidade. 

Ao i, Paula Espírito Santo, especialista em ciência política, admite que “estamos perante um desgaste do Governo e de um acumular de situações que chegou ao ponto em que é insustentável a permanência de Marta Temido. O caso de uma morte, ainda por cima tendo havido já um alerta de uma sobrecarga no setor, em que não havia médicos suficientes tinha tudo para correr mal”. 

Uma opinião partilhada por José Filipe Pinto. “Tudo isto mostra o desgaste do Governo, de um poder absoluto que corrompe. A maioria absoluta levou António Costa e a sua equipa a baixar a fasquia e passou a ser um Governo de gestão, pouco interessado em fazer reformas”.

E acrescenta: “Os falecimentos são sempre lamentáveis e são situações que nunca deviam acontecer, tornando a posição da ministra muito frágil. E estes casos não podem ser vistos como isolados, porque os serviços continuam a rebentar pelas costuras, assistimos a serviços encerrados ou com  filas intermináveis que não são compreensíveis no primeiro mundo, logo a figura da ministra estava perfeitamente delapidada”, diz ao i.

O politólogo diz ainda que, “em nome da dignidade política já devia ter apresentado a demissão há mais tempo. Não quando houve mortes, mas na fase anterior quando o primeiro-ministro assumiu que o SNS tinha falhas gravíssimas/impensáveis. E quando usou esse adjetivo estava a responsabilizar a sua ministra e, nessa altura, já se devia ter demitido”. 

Funções de gestão José Filipe Pinto lamenta que uma pasta como a da Saúde continue em funções de gestão. “A ministra demite-se durante a madrugada,  António Costa aceita e vai a Moçambique sem deixar o problema resolvido. Como pode aceitar a demissão e mantê-la em funções? Mantê-la em funções é apenas para tratar da gestão corrente, não pode tomar decisões, ainda assim, continua a envolvê-la no processo, torna-se difícil arranjar um seguidor”, acrescentando que “não é correto que um ministro em gestão tome decisões relativo a todo o SNS, uma vez que, o SNS tem de ser objeto de uma reflexão que vai além de um partido, de um Governo porque é um instrumento estrutural da sociedade portuguesa”.

Esta reação surge depois de o primeiro-ministro ter garantido que a sua substituição não será rápida, reconhecendo mesmo que o seu pedido de demissão foi “inesperado” e que, “desta vez”, não se sentiu “em condições de não aceitar o pedido”

Uma situação que leva o politólogo a dizer que na formação do Governo há sempre dois critérios que são fundamentais. Um deles é a competência, outro é a lealdade política. “Não quero chamar de amizade, mas pertencer ao círculo próximo do primeiro-ministro” e, no seu entender, Marta Temido cumpria todos os critérios de competência, lealdade e confiança política do primeiro-ministro. “Os Governos de António Costa têm sido muito formados com base no segundo critério, de um círculo muito próximo de pessoas em que ele confia e muitas vezes não têm ainda um papel na sociedade que lhe permita o reconhecimento social. Isto quer dizer, que muitos dos ministros não desempenhavam papéis de personagens importantes no seu ramo de atividade. António Costa construiu um Governo entre as pessoas do seu círculo íntimo que o acompanham há muitos anos na política e só os deixa cair em última instância. Assistimos a isso, no último Governo, em relação à questão dos fogos, em que só deixou cair a ministra Constança Urbano de Sousa devido à elevada pressão do Presidente da República. Mas não deixou cair Eduardo Cabrita que os portugueses já o tinham demitido há muito”.

Secretários também saem Após a demissão da ministra da Saúde, os secretários de Estado, Lacerda Sales e Maria de Fátima Fonseca, também saíram, consequência da queda da ministra, conforme confirmou ao i, fonte do gabinete dos secretários de Estado. Já em relação à hipótese de Lacerda Sales suceder a Marta Temido José Filipe Pinto deixa a garantia: “Dificilmente seria um sucessor  porque é corresponsável com a ministra das tomadas da decisão. Se chegamos a este ponto em que a ministra não se sente capaz de resolver o problema então é evidente que não é a só ministra que tem essa responsabilidade é toda a equipa ministerial”. 

Paula Espírito Santo diz que nem sempre é certo que a equipa caia toda. “Ter caído a equipa toda significa que consideram, eles próprios, que não têm condições para continuar. Além do desgaste público, provavelmente também estão a considerar que não têm nem condições políticas, nem condições técnicas para poder executar a função que têm. Ainda por cima era uma equipa muito unida e muito próxima em termos de relação, uma parte já vinha até do anterior Governo”.