O centenário do ministro de Salazar que esteve no Aljube

Cumprem-se hoje 100 anos do nascimento de Adriano Moreira, o transmontano que esteve preso no Aljube, foi ministro de Salazar, presidiu ao CDS e se torna o político com maior longevidade da história democrática.

Mas não é apenas um dos nomes fundamentais da política portuguesa, é também uma personalidade inconfundível do mundo académico, da advocacia e do humanismo em Portugal.

Nascido em Grijó do Vale Benfeito, em Macedo de Cavaleiros, a 6 de setembro de 1922, deixou a terra natal em direção a Lisboa quando era ainda bebé de colo, à boleia de uma oportunidade profissional para o pai, que era subchefe ajudante na administração do Porto de Lisboa.

As raízes transmontanas sobressaem sempre, mas foi em Lisboa, mais especificamente em Campolide, que Adriano Moreira viveu a sua infância e juventude, passando pelo Colégio de Santo António, pelo Liceu Passos Manuel, o Liceu do Carmo, também conhecido pela Mitra e, já em idade estudantil, a Faculdade de Direito de Lisboa, onde se licenciou em Ciências Histórico-Jurídicas.

Apresentou o primeiro pedido de habeas corpus de que há registo em Portugal, a favor do general Marques Godinho e do almirante Mendes Cabeçadas, argumentando que, tratando-se de militares, não podiam estar detidos no Hospital Júlio de Matos, às ordens da Polícia Política. A façanha valeu-lhe, no entanto, um bilhete de ida para a prisão do Aljube, onde ficou durante dois meses.

Nem tudo foi mau nesta experiência. Afinal de contas, foi lá que conheceu Mário Soares. “Até então, só o conhecia de nome. Era um jovem que muita gente apreciava, porque tinha uma certa alegria e também porque era muito determinado e consistente para a idade. Mas defendíamos posições inteiramente contrárias”, contou o próprio Adriano Moreira à revista Visão, em 1995.

A saída de Adriano Moreira da prisão, apenas dois meses da sua entrada, foi talvez “uma consequência do facto de Salazar, perante o «aprofundamento do conflito que as fações pretendiam agravar entre Santos Costa e Marcelo Caetano», tivesse considerado que o mais prudente mesmo era ordenar o arquivamento do processo e libertar «o rapazito», no caso, Adriano Moreira, que, ainda segundo ele, teria sido «o único que se portara com dignidade»”, explica a página na internet da Biblioteca Municipal de Bragança (baptizada com o seu nome).

 

Ministro

Do Aljube aos corredores do poder foi um passo. Moreira foi inicialmente chamado por Salazar para o Governo em 1960, para ocupar o cargo de subsecretário de Estado da Administração Ultramarina, numa altura em que lecionava no atual Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas (ISCSP). Foi nessa escola, aliás, que fez o seu nome como académico, onde defendeu a sua tese de concurso para professor ordinário do 1.º Grupo, com a dissertação O Problema Prisional do Ultramar, uma das suas principais obras académicas.

Depois de cerca de um ano como subsecretário, Adriano Moreira tomou posse como ministro do Ultramar, pouco depois dos massacres registados no Norte de Angola e do denominado golpe de Botelho Moniz

Duraria, no entanto, apenas dois anos nessa posição, depois de algumas divergências com Salazar que, segundo segundo Franco Nogueira, teria uma “fixação” por Moreira, que considerava um “homem novo, ideologicamente oriundo da esquerda moderada, de alta inteligência, de cultura política acima do comum, e que granjeara alguma fama como estudioso de questões ultramarinas”.

Em Angola, foi o responsável por várias mexidas políticas, como a abolição do indigenato, o alargamento da cidadania, a possibilidade de todos os portugueses entrarem, se fixarem e circularem em todas as parcelas do território nacional angolano, a publicação de um Código de Trabalho Rural, a criação de escolas de magistério primário e até o arranque dos Estudos Gerais Universitários, tanto em Angola como em Moçambique.

Adriano Moreira deixou o Governo de Salazar em 1962, regressando à vida académica, vendo-se obrigado a fugir para o Brasil depois do 25 de Abril de 1974, onde lecionou na Universidade Católica do Rio de Janeiro, na Escola de Comandos e de Estado-Maior e, ainda, na Escola Naval de Guerra.

Mais tarde, nos anos 80, afiliou-se no CDS-PP, a convite de Diogo Freitas do Amaral, Adelino Amaro da Costa, Narana Coissoró e Rui de Oliveira, acabando por tomar as rédeas do partido em 1986. Na política, Adriano Moreira destacou-se ainda no panorama internacional, sendo delegado de Portugal nas Nações Unidas, entre 1957 e 1959, valendo-lhe, em 1995, a medalha dos 50 anos, a única dada a uma personalidade portuguesa, pelo seu trabalho na defesa da independência de Timor-Leste e do fim da ocupação indonésia da antiga colónia portuguesa. É pai de Isabel Moreira, deputada eleita pelo Partido Socialista, que curiosamente se afirma pelas suas posições de esquerda e pela defesa dos direitos dos homossexuais.