Novo ministro para aproximar setores

Manuel Pizarro vai pôr em marcha nova direção executiva do SNS, que já tinha defendido que devia ficar na região com maior eficiência em termos de saúde – leia-se o Norte. Oposição não aplaudiu escolha, mas Convenção Nacional de Saúde sim. Defende cooperação virtuosa entre público e privado, com regulação.

O Presidente da República não esperou pelo regresso do Brasil para agilizar a tomada de posse do novo ministro da Saúde e o dia do SNS na próxima semana já vai ter um novo rosto ao leme da Saúde. A escolha de António Costa recaiu sobre Manuel Pizarro, médico e eurodeputado socialista, que já tinha mostrado disponibilidade e dentro do PS seria uma escolha natural – desde que o Partido Socialista está no Governo era um nome colocado em cima da mesa para a pasta.

Com vários nomes falados nos últimos dias, e reserva até à última, a opção era continuidade mais do que disrupção e havia uma vontade de fundo: perante as dificuldades do sistema de saúde, dissipar tensões entre setor público e privado, disse ao Nascer do SOL fonte do Governo. Marca colada a Marta Temido, herança da governação em geringonça e da polémica com a ala mais ao centro do PS aquando da revisão da Lei de Bases da Saúde em 2019. E área em que o pensamento de Pizarro é oposto: discordou do fim das PPP na Saúde, elogiando os seus resultados, e defende a «articulação virtuosa» entre público e privado. 

E o primeiro sinal de apaziguamento parece estar dado: se a oposição parlamentar não aplaudiu propriamente a escolha, nem à esquerda nem à direita, a Convenção Nacional de Saúde, plataforma de diálogo  que junta 150 entidades do setor público, privado e social, associações de doentes, ordens, da qual Pizarro era até aqui alto-comissário, felicitou o novo ministro.

Foi no âmbito desta plataforma que Pizarro, que desde que esteve no Ministério da Saúde no segundo governo Sócrates como secretário de Estado de Ana Jorge, interveio mais sobre políticas de saúde nos últimos anos,  em que deixou de ter o setor como eixo único: disputou a Câmara Municipal do Porto e foi vereador da autarquia até 2021, tendo substituído em abril Carlos Zorrinho a liderança dos deputados do PS no Parlamento Europeu. Ontem, numa primeira declaração à chegada à Academia Socialista, deixou uma palavra de agradecimento à antecessora, pelo «trabalho extraordinário» durante a pandemia. «O país todo deve um agradecimento a Marta Temido», disse, garantindo vontade para trabalhar e que o convite que recebeu do primeiro-ministro era irrecusável. «Perante a importância deste setor da saúde e do meu percurso profissional enquanto médico, não poderia recusar este convite. Regresso a Portugal cheio de determinação e vontade de trabalhar, também eu em serviço da saúde dos portugueses e do Serviço Nacional de Saúde», referiu apenas.

 

Heranças e visão

No imediato, Pizarro terá a nova direção executiva do SNS para pôr em marcha – no último encontro da Convenção Nacional de Saúde, em abril, tinha defendido que se fosse mais longe, acabando com a Administração Central do Sistema de Saúde e que esta nova entidade deveria ser colocada na região do país com maior eficiência em termos de resultados em Saúde, leia-se Norte do país.

Há dois nomes na calha para o novo cargo de ‘CEO’ do SNS, sabe o Nascer do SOL. Carlos Nunes, presidente da Administração Regional de Saúde do Norte e, a Sul, Raul Miranda Julião, que foi diretor clínico dos serviços sociais da Câmara Municipal de Lisboa e era, desde maio, adjunto do Gabinete do Secretário de Estado Adjunto e da Saúde António Lacerda Sales.

Pizarro herda também a crise nos serviços de obstetrícia e a primeira decisão sensível, cara ao Governo socialista de Correia de Campos: concentrar ou não maternidades – até ao final do mês é esperada a proposta da comissão de acompanhamento. Tem também as negociações com médicos para retomar, o estatuto do SNS para operacionalizar e o Presidente da República com o pé no acelerador no que toca a soluções para os problemas na Saúde.

Em 2019, traçava assim a sua visão para a Saúde, desafiado a falar sobre o cidadão ‘no centro’ do sistema de saúde. «É assim que o sistema se tem comportado ou é uma frase para embelezar o discurso político?», questionava. «Acho que temos todos de fazer uma reflexão sobre o que é a sociedade portuguesa, quem são os 10,5 milhões de portugueses aos quais o sistema de saúde se deve dirigir e que devem ser o centro de preocupação e convém não esquecermos qual é a realidade do nosso país. Quase 50 anos depois da implementação do sistema democrático continuamos a ter 1,7 milhões de portugueses abaixo do limitar de pobreza e essas pessoas têm de ser destinatários prioritários de uma política nesta matéria», dizia, chamando a atenção também para os desafios do envelhecimento e que os anos de vida saudáveis são o indicador em que o país está pior nas comparações com os países desenvolvidos – e que o risco de pobreza nas idades mais jovem é uma marca para toda a vida. «É um tema que não pode ser excluído do debate sobre a saúde», afirmava. Chamava ainda a atenção que mais de meio milhão de portugueses ainda são analfabetos, o que também entra na equação e ainda para a fortíssima concentração urbana e «largas centenas de milhares de pessoas que vivem em zonas de baixíssima intensidade populacional».

«Temos de ter políticas para as pessoas concretas e para as comunidades onde elas estão inseridas», concluía, considerando que a forma do serviço de saúde chegar à pessoa tem de ter em conta as diferenças regionais. O que a nova direção executiva do SNS pode ajudar a equilibrar.

«Temos de passar à prática de uma vez por todas a promoção da saúde e prevenção da doença», elencava depois, considerando que questões como diabetes, tabagismo e obesidade infantil como problemas centrais e dispendiosas, que torçam os gastos de saúde insustentáveis. «Não seremos capazes de manter, quanto mais melhorar os resultados de saúde da nossa população, se não formos capazes de intervir sobre esses fatores e para isso precisamos do sistema de saúde e do conjunto da sociedade, não vai poder ser o sistema de saúde sozinho».

Apontava ainda a necessidade de melhorar a digitalização do sistema de saúde, maior acesso a registos de saúde e olhar para a saúde como produtor de riqueza também nesta área – «devíamos ter como desígnio nacional aumentar a exportação na área da Saúde», afirmava. «A informação circula muito mal no SNS e não circula de todo entre o SNS e os outros componentes do sistema de saúde e entendo que é prioritário resolver esse campo».

Por último, o tema quente dos anos da geringonça: defendia a «articulação virtuosa» do conjunto das peças do SNS e do sistema de Saúde em favor das pessoas. «Precisamos mesmo de articular melhor os cuidados de saúde, primários, os cuidados integrados. A circulação das pessoas não pode ser um inferno  e precisamos que isso aconteça assegurando a complementaridade entre o serviço público e o sistema privado e social. Há aliás belíssimos exemplos dessa articulação e devem ser discutidos de forma transparente e rigorosa. Só foi possível resolver o drama do atraso de cirurgias através do SIGIC numa complementaridade virtuosa entre público e privado sem que daí tenha acontecido nenhum drama, mas isso acontece também nos cuidados continuados», elencava. «Devíamos partir desses exemplos para que formas de cooperação com regras claras e transparentes e com plena responsabilidade do setor público pudessem colocadas ao serviço das pessoas».