O bónus perverso…

Apoiado num eficaz marketing político, António Costa valeu-se do pacote anti-inflação para desviar as atenções das asneiras, cometidas por alguns dos seus ministros…

Por muito que economistas e alguns analistas políticos e afins se afadiguem em explicar os contornos do bónus perverso, anunciado pelo Governo para os pensionistas e reformados em outubro, a verdade é que a ideia dificilmente não será bem-vinda e recebida com júbilo e vénias.

Com engenho e arte, António Costa e Marcelo Rebelo de Sousa, de mãos dadas, conseguiram uma proeza aparentemente impossível: repetir o corte das pensões na era da troika – diferido a prazo –, sem que os destinatários se importem com isso, e antes agradeçam a ‘generosidade’.

Apoiado no slogan ‘Famílias primeiro’ – desenhado à medida pelos especialistas do costume –, o governo conseguiu, de uma penada, ‘varrer para debaixo do tapete’, as crises do SNS e a demissão de Marta Temido; a devastação dos incêndios florestais, designadamente, da Serra da Estrela e as ‘gafes’ de Mariana Vieira da Silva;  a ‘bronca’ do anúncio do novo aeroporto de Lisboa, feita por Pedro Nuno Santos, à revelia do primeiro-ministro, seguida do ‘perdoa-me’; ou a trapalhada  de Fernando Medina, envolvido numa descarada troca de favores,  ao contratar um consultor para o seu gabinete. É obra.

E por muito que as oposições, da esquerda à direita, se tenham unido para reprovarem as «migalhas» e denunciarem o «embuste», o «truque» ou a «fraude», consoante o tom das intervenções, o certo é que o governo ‘embandeirou em arco’ com este pacote, sem quase mexer no IVA ou noutros impostos, e com a antecipada certeza de que os portugueses são pouco propensos a fazerem contas e a memória colectiva é curta.

Com mais uns tostões no bolso, o futuro logo se verá e, como diz a sabedoria popular, mais ‘vale um pássaro na mão do que dois a voar’.

Dir-se-á que, a partir de 2024, a mudança na base de cálculo da actualização das reformas começará a penalizar o rendimento dos mais de 3,5 milhões de dependentes do Estado, com fraco poder reivindicativo, mas que constituem um importante suporte eleitoral.

De qualquer modo, quantos serão os que se preocupam com aquilo que vão perder depois e não saúdam já este ‘suplemento de alma’? Decerto, poucos.

Percebe-se agora melhor por que razão António Costa se prestou, visivelmente feliz e descontraído, a mostrar em Moçambique os seus dotes de dançarino, emparceirando com uma artista local.

Na retaguarda, ficou Marcelo Rebelo de Sousa, empenhado com afinco na promoção do pacote das ‘Famílias primeiro’, antes de voltar ao Brasil, para partilhar os festejos do bicentenário da independência, e avistar-se, por fim, com Bolsonaro, desta vez, sem Lula por perto.

Ao contrário da era da troika, quando Pedro Passos Coelho precisou de ‘travar a fundo’, para salvar o país falido, herdado de José Sócrates, com esta nova maioria,  António Costa repetiu a receita da austeridade, mas oferecida numa embalagem tão vistosa que poucos se darão à canseira de discutir o engano.

Há muito que Costa nos ensinou que tem destreza no ‘jogo de cintura’ e que não lhe faltam as manhas, quer para preservar Marcelo-comentador na sua ‘gaiola dourada’ em Belém – entretido com os gráficos da sua popularidade –, quer para ‘arrumar a um canto’ os antigos companheiros da ‘geringonça’, que ainda não se recompuseram do ‘estampanço’ das últimas Legislativas.

Tudo ponderado, o governo está ‘para as curvas’, e Luís Montenegro bem pode ‘dar corda aos sapatos’ e não se deixar ‘adormecer na forma’, se quiser evitar o ocaso do PSD, como partido líder da oposição,

Apoiado num eficaz marketing político – a face mais visível da estratégia de governação socialista, sobretudo quando respaldada numa maioria absoluta –, António Costa valeu-se do pacote anti-inflação para desviar as atenções das asneiras, cometidas por alguns dos seus ministros, durante a ‘silly season’. 

Reconheça-se, entretanto, que o governo soube delinear algumas medidas para ‘encher o olho’, com a vantagem de terem um fraco impacto no equilíbrio das contas públicas, aliás, já ‘engordadas’ pelo aumento dos preços, ‘aditivando’ o Orçamento.

Intuiu-se depressa que a benesse trazia ‘água no bico’ e que a generosidade do Governo, embora neutra neste ano e no próximo, significaria, a partir de 2024, uma progressiva e efetiva redução do montante das reformas.

O certo é que embora desgastado com os episódios que mancharam o Governo ‘recauchutado’, o primeiro-ministro aproveitou a onda para lançar uma campanha de propaganda, a pretexto das aflições das famílias com o aumento exponencial do custo de vida, embora quase não tenha mexido naquilo que mais doi.

De facto, a formidável carga de impostos, que limita e espartilha os contribuintes, continuou praticamente intocada.

Costa fingiu que foi ao baú da avó desencantar uma prenda para os portugueses. É de temer que as próximas sondagens demonstrem que o logro funcionou…