Apoios do Governo pouco convencem

Analistas admitem que poderão ser necessárias mais medidas num futuro próximo. Descida do IVA na luz vai dar poupança de pouco mais de um euro.

por Daniela Soares Ferreira e Sónia Peres Pinto

Portugal foi dos últimos países a apresentar um pacote de medidas de apoio às famílias para combater a inflação. Também o montante de 2,4 mil milhões de euros ficou aquém. Espanha deu o tiro de partida quando anunciou, em março, ajudas de 200 mil milhões de euros. França reforçou em julho um novo pacote de 20 mil milhões de euros. O mesmo fez a Alemanha, no valor de 65 mil milhões de euros.

Para o analista da XTB, Henrique Tomé, Portugal «quis copiar o que os países mais desenvolvidos da Zona Euro têm feito nas últimas semanas», mas o resultado é bastante inferior. «A intenção do Governo acabou por se revelar francamente insatisfatória e o custo/benefício que tem para a economia é modesto e vai provocar um agravamento da dívida e o impacto real será pouco sentido nas carteiras dos portugueses».

Também Paulo Rosa, economista sénior do Banco Carregosa, admite que «ajudas pontuais são sempre preferíveis a medidas definitivas que podem sustentar a inflação e manter desancoradas as expectativas dos preços no consumidor acima do esperado. Uma espiral salários/inflação deverá ser evitada», diz ao Nascer do SOL.

E apesar de reconhecer que poderá dar algum alívio aos orçamentos dos portugueses, o analista lembra que a nova subida de juros por parte do Banco Central Europeu poderá criar «dificuldades acrescidas às famílias», daí acreditar que novas medidas poderão ter de ser levadas a cabo pelo Executivo «num futuro próximo». Mas tudo «dependerá da evolução da inflação nos próximos meses».

E qual o verdadeiro impacto? Henrique Tomé afirma que o impacto destas medidas vai ser reduzido, com a exceção da que atribuiu 125 euros por pessoa com rendimento bruto mensal até 2.700 euros, «todas as outras medidas de apoio acabam por ter um impacto marginal no orçamento das famílias». Já em relação à redução do IVA na eletricidade lembra que «corresponde a uma poupança de pouco mais de um euro, sendo que há casos onde essa poupança não é refletida», acrescentando ainda que «o índice de preços ao consumidor continua a mostrar que as categorias que apresentam maiores pressões nos preços concentram-se sobretudo nos preços dos produtos energéticos e nos produtos alimentares não transformados, sendo que este último ponto em nada beneficiou com as medidas de apoio do Governo».

As críticas não ficam por aqui. Paulo Rosa lembra que as medidas do lado da despesa não são as mais recomendáveis para combater a inflação, «bem pelo contrário podem continuar a suportar a procura e consequentemente a inflação».

O economista defende também que as medidas expansionistas do lado da receita são mais adequadas para travar a inflação e dá, como exemplo, a aposta na diminuição dos impostos indiretos relacionados com combustíveis fósseis importados. «Uma cabal redução dos impostos indiretos, nomeadamente daqueles que recaem sobre os hidrocarbonetos, manteriam os preços relativamente mais baixos a montante da cadeia de valor, diminuiriam a perceção de alta dos preços pelos agentes económicos, ancorando as expectativas da inflação em níveis mais baixos também».

 

Apoios

Uma das medidas é a atribuição de 125 euros a cada contribuinte com rendimentos até 2700 euros mensais brutos. Este apoio, que também abrange desempregados e trabalhadores independentes, começará a ser pago em outubro, sob a forma de reembolso do IRS ou como abono/subsídio. Os contribuintes devem atualizar os dados do IBAN no Portal das Finanças. A medida deverá abranger 5,8 milhões de pessoas, o que irá representar um custo de 730 milhões de euros. Será ainda dado um rendimento extra de 50 euros por cada filho até aos 24 anos, que vai abranger 2,2 milhões de dependentes e custará 110 milhões de euros. Estima-se que vá abranger 2,2 milhões de dependentes. António Costa deu exemplos:  «Um casal com dois filhos e em que ambos tenham rendimento individual ate 2700 euros mensais recebe em outubro pagamento extra de 350 euros», referiu.

 

Pensionistas

Quanto ao apoio extraordinário a todos os pensionistas no valor de 50% do valor de uma pensão mensal deverá chegar a 2,7 milhões. A medida irá representar um custo de mil milhões. Esta medida aplica-se a todas as pensões sujeitas a atualização obrigatória por lei, ou seja, às pensões de valor inferior a 12 indexantes dos apoios sociais (5 265,72 euros em 2022). O pagamento será feito de uma só vez, juntamente com o pagamento da pensão de outubro, e corresponde ao adiantamento de uma parte das atualizações previstas para estas pensões em 2023. Para o Ministro das Finanças, não há dúvidas de que  este apoio chega «precisamente no momento em que os pensionistas terão mais necessidade de receber este apoio», acenando com a hipótese de poderem vir a recuperar o seu poder de compra.

 

IVA

O IVA da eletricidade passa a ser o da taxa reduzida (6%), quando estiver em causa atualmente a taxa intermédia de 13% (consumo de eletricidade que não exceda 100 kWh, num período de 30 dias, para consumidores com potência contratada até 6,9 kVA (famílias numerosas cujo consumo de eletricidade que não exceda 150 kWh). A medida poderá abranger mais de 85% dos consumidores e custará cerca de 90 milhões de euros por ano. Entra em vigor até 1 de outubro e até dezembro de 2023. Já em relação à passagem para o mercado regulado no caso do gás poderá abrange 1,3 milhões de clientes.

 

Combustíveis

Já o prolongamento das medidas para mitigar os aumentos de preços dos combustíveis, até ao final do ano, que inclui a redução do ISP, custará cerca de 537 milhões de euros. Com base nos preços em vigor na semana do anúncio, o Governo prevê que, em cada depósito de 50 litros, seja conseguida uma poupança de 14 euros (gasolina) ou 16 euros (gasóleo).

Rendas

O Governo vai impor o limite de 2% para os aumentos fixados pelo Estado para o próximo ano para as rendas habitacionais e comerciais. Uma vez que o aumento previsto na lei para a generalidade das rendas seria de 5,43%, a partir de janeiro, os senhorios serão compensados na exata medida dessa diferença em sede de IRS (ou IRC, se for o caso). A título de exemplo, numa renda mensal de 750 euros, o aumento previsto é de 15 euros. Para Fernando Medina, o travão imposto à atualização das rendas em 2%, seguindo o exemplo de Espanha, representa uma «mensagem de proteção das famílias e aos proprietários», que não permite «regresso a passado de má memória».

No entanto, essa medida exige por parte do Governo uma compensação que será dada aos senhorios. «Os senhorios quando entregarem a declaração têm de identificar as rendas e o sistema gerará automaticamente a tributação adequada, de acordo com esta regra que está aplicada».

 

Passes

Para os transportes, o Governo anunciou que os passes urbanos não vão sofrer qualquer aumento de preços durante todo o ano de 2023. O mesmo acontece com os bilhetes da CP, incluindo para viagens em linhas regionais e de longo curso. António Costa diz que fica assegurada «a devida compensação a esta empresa e às autoridades de transportes».

Recorde-se que Medina diz que se trata de um programa «prudente» relativamente às contas públicas do país. «Fá-lo com prudência, passos certos», mantendo «inalterados os objetivos do défice orçamental e da dívida pública».

E acrescenta: «Teremos a economia portuguesa a crescer 6,4%. Será a economia que crescerá mais em toda a União Europeia. Portugal ultrapassará o crescimento da Zona Euro no final de 2022. Esse crescimento não se limita a recuperar a perda, mas representa um crescimento, de facto, maior do que os países da Zona Euro vão registar».