O direito à saúde é mesmo para todos?

 Mas quem não dispõe de tais recursos, não tem outro remédio senão continuar no serviço público, onde a capacidade de resposta se vai esgotando de dia para dia. 

Há poucas semanas fui abordado por um leitor que, conhecendo os meus artigos, me questionou com toda a frontalidade: «O dr. acha que o direito à saúde é mesmo para todos?». Sem estar à espera da pergunta – e percebendo que não era assim tão inocente… –, não quis deixar de responder. «A saúde é um direito que toda a gente tem», avancei com todas as cautelas, calculando onde ele queria chegar. «Mas na prática sabe que não é bem assim…», ripostou ele, inflexível na sua posição. «Tem razão, há muito por fazer nessa área», respondi entristecido, consciente do panorama desolador que nos rodeia. 

É mais um exemplo a mostrar que as pessoas estão descontentes, desiludidas e inquietas com o problema da saúde. Algumas delas, conscientes das múltiplas dificuldades, caso tenham possibilidades económicas, recorrem ao setor privado através de seguros de saúde – que, nos últimos anos, têm aumentado consideravelmente. Todos os indicadores o comprovam e o Estado que tire daí as devidas conclusões. 

Aqui, os utilizadores já sabem que têm regras para cumprir e aceitam as condições predefinidas sem qualquer contestação. Mas quem não dispõe de tais recursos, não tem outro remédio senão continuar no serviço público, onde a capacidade de resposta se vai esgotando de dia para dia. 

E, ao contrário do que seria de esperar, no Serviço Nacional de Saúde (SNS) só se fazem exigências, invocam-se direitos, e não existem deveres nem se cumprem regras. Continuo sem perceber como se respeitam todas as normas impostas no setor privado e no serviço público nos recusamos a aceitá-las! Sem regras, haverá sempre abusos – e têm sido esses constantes abusos que, em grande parte, o puseram no estado em que está. 

Todos sabemos que o SNS é uma das grandes conquistas do 25 de Abril. E sabemos também que, à luz da Constituição, ele deve ser livre e tendencialmente gratuito. Contudo, não está escrito em lado algum que não deva obedecer a regras e que possa funcionar à medida dos interesses e caprichos de cada um. 

Perante os insucessos do SNS, que toda a comunicação social, incluindo noticiários e telejornais, tristemente nos vai mostrando, são os privados os grandes beneficiados com a situação. Com tudo aquilo que se conhece, parece até que o SNS lhes vai estendendo a passadeira para eles passarem tranquilamente, crescerem e multiplicarem-se. Vejamos: portas escancaradas para cada um entrar as vezes que quiser e servir-se a seu bel-prazer, utentes sem médico de família, profissionais mal remunerados e em número insuficiente nos vários serviços, trabalho nada aliciante, impregnado de burocracia e tarefas administrativas a apontar para objetivos que nada têm a ver com as necessidades dos doentes. Assim vai o triste SNS de que muito se fala mas a favor do qual pouco se tem feito. 

De quando em quando, lá se pinta a casa por fora, ficando logo com outro aspeto; mas, por dentro, está quase em ruínas. Em desespero de causa, há sempre quem procure o setor privado em situações de emergência, sem estar coberto por qualquer seguro – mas depressa reconhece não ser possível lá continuar, pelos preços incomportáveis exigidos. 

Por tudo isto, só há uma solução. Por mais voltas que se possam dar, acabamos sempre por chegar à mesma conclusão: investir a sério num SNS que funcione, que dê resposta e que sirva os portugueses. É preciso mudar para restituir confiança. Mudar para que todos acreditem e se sintam seguros. 

O direito à saúde tem que ser para todos e não apenas para quem tem conhecimentos no setor público, ou para quem dispõe de capacidade económica suficiente para seguir outro caminho. Porém, a manterem-se as atuais condições – isto é, se nada for feito e continuarmos como até aqui – terei mesmo de admitir, tal como o leitor deixara no ar, que o direito à saúde não se aplica a todos e é um privilégio apenas de alguns. Vamos ter de aceitar isto?