Isabel II como Francisco José I, ou como é difícil vencer a História (e as ervas daninhas)

A rainha Isabel II, desconfiamos, deixará saudades aos britânicos, como Francisco José I deixou aos austríacos. O seu desaparecimento não será o fim do mundo, será apenas o fim de um tempo e o começo de outro, ainda menos previsível do que aquele que temos conhecido

por Francisco Gonçalves

Sempre olhámos para Isabel II um pouco como para Francisco José. Monarcas competentes, de imensa abnegação, dignidade e sentido de serviço e do dever. Tiveram, ambos, longos consulados, mas, independentemente da capacidade política e de governação, as suas qualidades não foram suficientes para superar os ventos da história. Herdaram impérios em tempos conturbados. Quando faleceram, os seus territórios estavam reduzidos ao mínimo, ou quase.

A derrota do exército napoleónico em Waterloo, em 1815, não liquidou as ideias nacionalistas difundidas com as invasões. As vagas revolucionárias do século XIX levaram à implosão dos impérios continentais europeus, tendo as ideias de autodeterminação feito caminho para além da Europa, no pós-II Guerra Mundial.

Francisco José I, coroado em 1848, foi o imperador que acompanhou a segunda metade do século XIX. Isabel II, coroada em 1952, foi a monarca que marcou a segunda metade do século XX. Ambos tomaram medidas com vista à desagregação dos seus impérios, ambos foram impotentes perante as ideias que, naturalmente, se impuseram.

Esta crónica vem a propósito de como é complexo contrariar as ideias que fazem o ‘mainstream’ de um determinado tempo. Quando se permite que um conjunto de ideias e valores se imponham, as mesmas seguem depois o seu curso, ficando fora das mãos dos atores políticos.

Escrevemos, na crónica anterior, como o Brexit tinha tirado capacidade de visão universal à União Europeia. Em paralelo, a opção pelo Brexit tirou ao Reino Unido um fator de pertença externo, para além do interno: a rainha. Escócia, Gales e Irlanda do Norte são entidades distintas da Inglaterra. Durante séculos unidas pela pertença ao Império Britânico (hoje Commonwealth), com o fim do império tinham na rainha o seu principal fator de agregação.

A perda do ‘membership’ na UE representou a perda de um sentimento de pertença a uma ideia de Europa comum, e o regresso dos sentimentos de não pertença a esta união real. Caberá agora ao novo rei, Carlos III, saber ser o cimento de um reino cada vez menos unido.

Quando Margareth Thatcher regressava dos Conselhos Europeus, discursando sobre os ganhos britânicos obtidos naquelas cimeiras, ou quando falava do peso financeiro que a (então) CEE representava para os contribuintes, não ponderava nas consequências de longo prazo das suas palavras, e nos sentimentos que instrumentalizava no Povo.

Faltou a Thatcher, e à grande maioria dos seus sucessores, a capacidade (a alguns a vontade) de explicar, pedagogicamente, ao Povo, das razões da pertença à União Europeia. O resultado foi deixar germinar as sementes (ideias) das ervas daninhas. E todos sabemos com é difícil limpar ervas daninhas quando as deixamos crescer.

Não sabemos se o objetivo de Thatcher era, efetivamente, retirar o Reino Unido da União Europeia. Se era, foi bem-sucedida. Se não era esse o objetivo, não teve visão de longo prazo das suas ações. Convém que os políticos governem com um livro de História na mão, pois essa é a melhor forma de conduzir o futuro. Quase sempre governam com o livro de História na prateleira, pensando apenas a próxima eleição.

A rainha Isabel II, desconfiamos, deixará saudades aos britânicos, como Francisco José I deixou aos austríacos. O seu desaparecimento não será o fim do mundo, será apenas o fim de um tempo e o começo de outro, ainda menos previsível do que aquele que temos conhecido. De preferência, com menos ervas daninhas.