O pacote anti-inflação: a medida mais importante

Assim, numa espécie de Universidade de Verão que se prolongará até ao Inverno, o PS vai ensinar aos outros partidos o que não devem fazer. O curso chamar-se-á Como dar cabo de Portugal e será dividido em quatro lições.

por João Cerqueira

Os tempos estão difíceis, os cidadãos temem o futuro, o Governo faz o que lhe compete.

Para apoiar as famílias cujos rendimentos vão diminuir devido à inflação, o Governo lançou um conjunto de medidas, entre as quais «subsídios para não pensionistas, descida do IVA para a luz, congelamento dos preços dos transportes e teto máximo de 2% para aumento das rendas». O Governo aplaude as próprias medidas, enquanto a oposição diz que são insuficientes e rotula-as de fraude. Afinal, a TAP recebeu mais dinheiro do que as famílias vão receber.

No entanto, o Governo ainda não anunciou a medida mais importante para combater não apenas a inflação, mas também os principais problemas do país. Uma panaceia cor de rosa. Depois do derrube do Estado Novo, esta medida produzirá o efeito político, económico, social, cultural e ecológico mais importante dos últimos séculos.

Ei-la: o PS vai retirar-se da política.

Contudo, para não desperdiçar as capacidades de milhares de militantes e em prol da melhoria de vida dos portugueses, o PS vai dedicar-se a ensinar os outros partidos a fazer política e a governar. E, para tal, vai recorrer ao método pedagógico de mostrar os erros para, mediante a depuração da asneira, se encontrarem os procedimentos corretos. Dito de outra forma, o PS vai explicar tudo o que fez de errado nos últimos trinta anos para que os outros partidos não incorram nas mesmas asneiras. Será algo semelhante a um nadador-salvador lançar-se à água num dia de marés vivas para depois ser resgatado, in extremis, por um helicóptero. Com o seu exemplo irresponsável, demonstrará aos frequentadores das praias que é muito perigoso tomar banho naquelas condições. O método de mostrar as consequências das asneiras, quando não induz as pessoas a comportamentos irracionais e suicidas, é muito eficaz.

Assim, numa espécie de Universidade de Verão que se prolongará até ao Inverno, o PS vai ensinar aos outros partidos o que não devem fazer. O curso chamar-se-á Como dar cabo de Portugal e será dividido em quatro lições.

A primeira lição será Como levar um país à bancarrota. Tendo como orador José Sócrates e os seus principais ministros, os participantes aprenderão como em seis anos se pôde pegar num país razoavelmente equilibrado e começar a afundá-lo até ser necessário pedir ajuda à troika. Com recurso a Powerpoints, serão mostrados gráficos, imagens e vídeos com exemplos de despesas públicas descontroladas, obras inúteis, negócios duvidosos, contratos ruinosos para o Estado e muita propaganda a afirmar exatamente o contrário. No fim, o orador dirá: «Não façam isto, meninos. Mas, se fizerem, vão para um país sem acordos de extradição».

A segunda lição será Como arruinar o SNS. Tendo como oradora Marta Temido, os participantes serão confrontados com as principais medidas que arruinaram o Sistema Nacional de Saúde. Através destes Powerpoints, a oradora explicará aos alunos como ignorou as sugestões de médicos, enfermeiros e outros profissionais de saúde, como decidiu acabar com as parcerias com os hospitais privados e como insistiu num modelo de gestão centralizado semelhante ao SNS da Roménia de Ceausescu. No fim, dirá: «Não façam isto, meninas. E, já agora, adoeçam o menos possível».

A terceira lição será Como arruinar a Escola Pública. Tendo como oradores Tiago Brandão Rodrigues, João Leão e Alexandra Leitão, os participantes irão perceber como as escolas públicas têm vido a descer nos rankings ano após ano. Desta vez, o PowerPoint mostrará apenas duas frases: A Construção do Homem Novo e Os Pais Não São Donos dos Filhos. Então, os oradores explicarão como acabaram com a exigência de conhecimentos na escola pública, por que terminaram com os contratos de associação com as escolas privadas, como permitiram a balbúrdia nas aulas e como desmotivaram ainda mais os professores. Em suma, vão explicar como conseguiram gastar mais dinheiro e obter piores resultados do que as escolas privadas. No fim, os oradores dirão: «Apesar de tudo, ensinamos os meninos a brincarem com as pilinhas».

A última lição será Como ganhar eleições e impedir reformas. Tendo como orador António Costa, os participantes irão compreender a arte de fazer alianças com antigos inimigos para atingir o poder e arte de nada fazer para manter esse poder. Recorrendo a um PowerPoint com as belezas naturais do país, o orador explicará que a soma de votos é muito mais importante que a história e os princípios de cada partido e que a receita infalível para continuar a ganhar eleições é distribuir dinheiro pelas clientelas que dependem do Estado. Como tal, as reformas indispensáveis para a modernização do país são, por afetarem justamente essas clientelas que garantem a vitória eleitoral, um perigo que deve ser evitado a todo o custo. No fim, piscando o olho à assistência, o orador dirá: «O reformista é um tolo que entrega o poder à oposição.»

É provável que no fim desta última aula alguns participantes fiquem baralhados quanto à finalidade da mesma, interrogando-se sobre se tinham sido confrontados com um mau exemplo de governação ou, pelo contrário, com um grande lição de política. Deste modo, para evitar más interpretações e confundir cabeças nem sempre esclarecidas, receberão uma cópia do best-seller que esgotou no próprio dia e nunca mais teve novas edições: Memórias de um PS Desconhecido de Rui Mateus – que finalmente poderá regressar a Portugal.