Caracóis. Importações dispararam na última década

O caracol ou a caracoleta são cada vez mais um petisco apreciado pelos portugueses. Importações de caracóis dispararam nos últimos anos e a produção de caracoleta em Portugal nem sequer chega para os níveis de consumo no mercado nacional, mas tem tudo para crescer.

Estamos em setembro e, para os bons apreciadores de caracóis (ou caracoletas, claro), os que estão à venda já não servem. Ou não servem tanto. Pelo menos é o que diz a ‘lenda’: caracol bom, só nos meses sem ‘R’, o que significa que serão melhores de maio a agosto.

E este parece ser um petisco cada vez mais consumido pelos portugueses – que nos dias de muito calor acompanha bem com uma imperial (ou um fino) – como mostram os dados do Instituto Nacional de Estatística (INE) enviados ao i. Se em 2012, Portugal gastou 16724 euros na importação de caracóis, com ou sem concha, vivos, frescos, refrigerados, congelados, secos, salgados ou em salmoura, mesmo fumados (exceto caracóis do mar), o que representava, na altura, 1058 quilos deste petisco, em 2021, o valor quase que duplicava: gastámos mais de 2,3 milhões de euros (2 337 376 euros), o equivalente a 1 898 633 quilos deste molusco.

E, fazendo as contas apenas aos primeiros seis meses deste ano – os últimos dados que o gabinete de estatística tem disponíveis – foram gastos 226 1918 euros nesta categoria (o que equivale a 1 815 357 quilos), um valor muito superior quando comparado a igual período do ano passado, altura em que chegaram a Portugal 1 192 370 quilos, correspondentes a 1 465 324 euros.

Qualquer frequentador de uma casa de petiscos tem a ideia que é de Marrocos que chegam a maioria dos caracóis. Mas não é isso que mostram os dados do INE. É, aliás, no país vizinho que Portugal gasta a maior parte do dinheiro para trazer este petisco tão apreciado por muitos e tão odiado por outros.

A título de exemplo, em 2021, foi em Espanha que Portugal gastou a maior parte do dinheiro na importação de caracóis e derivados: cerca de 2,3 milhões de euros. Logo a seguir mas muito abaixo no que diz respeito ao valor, chega a Irlanda, onde foram gastos apenas 14 880 euros. Segue-se Indonésia com 4 763 euros. Vietname, França ou Tailândia são outros destinos de onde chegam caracóis que podem ter sido apreciados.

Ao contrário do que se diz, Portugal não importa caracóis de Marrocos desde 2019. Aliás, desde 2012, apenas o fez em 2018 e 2019.

Mas se precisamos de recorrer maioritariamente à importação no que diz respeito ao caracol, não falamos a mesma língua no que diz respeito à caracoleta.

 

Caracoleta é que é portuguesa

Ao i, Miguel Oliveira, presidente do Conselho de Administração da Widehelix – Cooperativa de Helicicultores, começa por explicar que em Portugal não se produzem caracóis mas sim caracoleta: Helix Aspersa Maxima.

“A quantidade produzida em Portugal está altamente deficitária versus a procura, mesmo contando apenas com o mercado nacional”, diz, acrescentando que “só para o mercado nacional, o que produzimos não chega, não ‘sobrando’ nada para exportação”.

E acrescenta que um dos fatores que veio agravar a situação – lembrando que “já éramos deficitários, mas agora a situação está mais grave –, foi que com a covid muitas explorações encerraram atividade, vindo a agravar a situação de escassez”.

Outro dos fatores, garante, é a guerra na Ucrânia. Isto porque os países de leste “são grandes produtores de caracoleta (Ucrânia, Polónia, Croácia, Bulgária, Bielorrússia), tendo vindo a minimizar a falta de produto mediante o aumento da procura, mas com a atual situação produziram muito pouco, agravando ainda mais a escassez do produto”, afirma o responsável.

Mas, independentemente destes problemas que Miguel Oliveira explicou acima, garante que a caracoleta produzida em Portugal “é considerada uma, senão a melhor a nível europeu, tendo desta forma, por parte dos distribuidores europeus, a preferência na procura”.

Resumindo, diz, “Portugal tem crescido enormemente na procura, mas diminuindo na produção, podendo dizer que a fileira existente está muito bem em rentabilidade, mas muito mal em quantidade produzida frente às quantidades pedidas”.

Questionado sobre se está a ser feita alguma coisa para mudar a tendência crescente de importação, Miguel Oliveira diz que “não tem havido a necessidade de fazer ‘formalmente’ muita coisa, visto que o consumo interno tem vindo a aumentar de forma exponencial e o externo também”.

Não há dúvidas, defende, que “a caracoleta sempre foi muito exportada, devido ao facto de o mercado externo pagar um preço mais elevado pela caracoleta”. Hoje em dia, acrescenta, “devido à grande escassez do produto, o mercado nacional ‘quase’ que acompanha o preço pago pelo mercado externo, pelo que muitas vezes não compensa a exportação. Ainda assim há mercados que pagam melhor e dessa forma ainda existe algum mercado para o qual se pode exportar. No entanto, tal não acontece porque não há quantidade suficiente”.

O i tentou ainda perceber se a helicicultura tem espaço para crescer em Portugal. O presidente do Conselho de Administração da Widehelix diz que esta é uma resposta “fácil e curta”: “Sim, muito”. E diz que, para que isso aconteça, “os produtores necessitam é de apostar em formação (a helicicultura é uma fileira em que a formação/conhecimento profunda sobre a atividade é fundamental para a produtividade e consequente rentabilidade da atividade) e em áreas de produção mais extensas de produção”.

 Mas são precisos mais apoios? “Os apoios existem, mas funcionam muito mal ou são mal direcionados”, diz ao nosso jornal. E explica: “O produtor já instalado, viu (como em todos os restantes setores) os custos aumentarem de forma exponencial”.

Defendendo que o Governo “fez um esforço” que a associação saúda, de isentar as rações do IVA, “o que deu uma grande ajuda”, Miguel Oliveira diz ainda que, no entanto, “o preço da caracoleta por unidade/kg também foi vendida a um preço mais elevado do que nos anos anteriores”.

Mas, para os novos ou potenciais produtores, “é que as ajudas não tem efeito”, acrescentando que “todos os dias temos conhecimento de produtores que submeteram projetos de apoio para se instalarem ou efetuarem melhorias nas suas explorações de forma a começarem a produzir, e desistem imensos.

A culpa é da burocracia que considera ser “um entrave gigante”, que associando “a esta burocracia (que não se entende), as aprovações são aprovadas com valores elegíveis completamente desajustados da realidade, o que leva a que a maioria dos proponentes desistam, muitas vezes depois de verem os seus projetos aprovados”, adianta.

Além disso, “os reembolsos e a burocracia associada com demoras enormes nos prazos de reembolso levam a que muitos potenciais produtores desistam da ideia antes sequer de submeterem o projeto, e outros mesmo depois do projeto ser aprovado (quando é)”, finaliza, defendendo que deveria existir “uma enorme reformulação na forma como os apoios são atribuídos, bem como na forma como sequer são aprovados (aqueles que o são)”.