A colheita de 2022

Uma vez por ano gosto do ritual de ir ao Parque Eduardo VII e andar para cima e para baixo na Feira do Livro de Lisboa à cata de bons livros a bons preços.

Não é, confesso, um sítio que eu aprecie especialmente. Todo aquele grande relvado central me parece desproporcional e mal aproveitado, para não falar das torres colossais lá no alto, coroadas por uma espécie de anel cujo simbolismo desconheço (será uma alusão à velha aliança entre Portugal e Inglaterra?). Mas uma vez por ano lá estou eu no Parque Eduardo VII, a andar para cima e para baixo na Feira do Livro de Lisboa à cata de bons livros a bons preços. Normalmente levo já uma pequena lista de compras, uns quatro ou cinco títulos a que quero deitar a mão, a que se vão juntando depois as surpresas e as oportunidades do momento.

A minha primeira paragem, este ano, foi no stand da Relógio d’Água, à procura de Os Sonâmbulos – como a Europa entrou em guerra em 1914, de Christopher Clark. Depois de este verão ter lido A Beleza e a Dor da Guerra, o estupendo livro de Peter Englund que mostra a guerra de 14-18 através dos olhos de quem a viveu, fiquei com muita vontade de saber mais sobre as origens do conflito. E o título de Clark – Os Sonâmbulos, que sugere uma multidão a caminhar de olhos fechados para um precipício – há muito que me vinha espicaçando a imaginação. Para minha surpresa, embora se trate de um volume com mais de 600 páginas, custou uns meros dez euros.

Esse era um dos que constavam da lista de compras. O segundo não estava nos planos. Trata-se de A Arte na Era da Máquina, de Maxwell Fry (editora Perspetiva), um arquiteto e urbanista que trabalhou Walter Gropius e Le Corbusier. Fala de arte, arquitetura, ciência, indústria, tecnologia, criatividade e emoção.

Seguiu-se uma nova paragem, desta vez na Gradiva, em busca de O milagre europeu, em que E. L. Jones explica a combinação de circunstâncias que levou a que fosse na Europa, e não noutro lado qualquer, que nasceu o mundo moderno. Este livro «imperdível», como o descreveu uma pessoa amiga, custou apenas cinco euros.

Por fim, na Antígona, deparei-me com um título há muito desejado, também pela módica quantia de cinco euros, como anunciava um grande autocolante amarelo na capa: Os Livros da Minha Vida, de Henry Miller. O seu cunho provocatório está expresso logo nas primeiras linhas do prefácio: «Um dos resultados desta auto-análise – pois é a isso que este livro se resume – é a convicção profunda de que deveríamos ler cada vez menos, e não cada vez mais. […] não li, nem de longe, tanto como o erudito, o rato de biblioteca ou mesmo alguém com ’instrução’; no entanto, li indubitavelmente cem vezes mais do que deveria ter feito para o meu próprio bem». O penúltimo capítulo chama-se simplesmente ‘Ler na Retrete’. Entretanto, pelo caminho, ainda me foi dado descobrir as preciosas edições da casa suíça Lars Müller, que, com as suas capas de tecido, mais parecem agendas de luxo ou livros de honra. Como eu suspeitava, revelaram-se demasiado dispendiosas. Mas a melhor surpresa ainda estava para vir, um encontro com um amigo que não via há alguns anos. Para quem lá trabalha, a Feira do Livro pode ser esgotante, e o meu amigo parecia cansado. Só queria que a feira acabasse. Eu não.