O cutelo continua a cair sobre o dragão na mesa do açougueiro

FC Porto e Sporting jogam amanhã no Estoril e no Bessa. Depois da goleada frente ao Brugge, o dragão parece desfeito e marcado por atitudes inadmissíveis.

Queira o bicho homem ou não, a frase fará sentido para sempre: “Está tudo dentro da cabeça!” E os alcatruzes da nora da vida continuam o seu esforço de nos baixar ou erguer enquanto a mula, como havia uma nos Moinhos, no lugar do Olival da minha infância, chamada Carriça, vai andando, de palas nos olhos, à roda e à roda e à roda do poço dos dias.

Ainda há pouco, há poucochinho, ouvia amigos meus, adeptos do Sporting, a lamentarem-se por uma época que previam desastrosa, incapazes de acreditarem que poderiam recuperar a distância que agora os separa de Benfica, Braga e FC Porto, por esta ordem de classificação. Ah! Como o tempo mudou, não foi? Uma vitória frente ao Tottenham, assente num fortíssimo espírito coletivo e em dois ou três rasgos de talento, devolveram os leões a um estado de graça e a uma absoluta confiança nas suas capacidades que vão ser testados amanhã, a partir das 20h30, no Estádio do Bessa, frente ao Boavista que, no momento em que escrevo, ocupa o quinto lugar da tabela, com mais dois pontos do que o seu adversário desta jornada. Oportunidade, portanto, para que a equipa de Ruben Amorim dê, calcula-se que de aqui até ao fim da prova, um salto para a linha da frente começando a ver menos gente entre si e os outros candidatos ao título. “Tudo dentro da cabeça!” – com esta máxima, o jovem treinador do Sporting, que é focado como poucos e não exibe semblantes, nem de euforia, nem de desespero, transformou um barco à deriva num navio de águas profundas, de tal ordem que jogou (quase) de igual para igual com o Tottenham, ainda sem derrotas oficiais esta época. Vamos agora perceber se a mentalidade à prova de bala que tem caracterizado os leões na Liga dos Campeões se transpõe para o campeonato, ainda por cima frente a uma equipa à moda de Petit, que é antes quebrar do que torcer. Admirar-me-ia se assim não fosse e não deixaria de ser um retrocesso preocupante.

 

O drama

Contará Sérgio Conceição com um pouco de sol do campo do Estoril-Praia (o jogo é às 18h00 e a meteorologia não tem estado de feição) para sarar as feridas de uma tremenda deceção europeia como foi a goleada em casa frente ao FC Brugge? Poderá contar. Mas não são males que se curem à base de fototerapia.

Quem diria que, depois da vitória clara sobre o Sporting, que se seguiu ao triunfo na Supertaça (é verdade, frente ao Tondela, mas um troféu) a queda no abismo fosse tão atrapalhada? Tinha aqui escrito na segunda-feira que o Brugge não era equipa de fiar, até porque tem vindo a construir uma equipa sobre uma base defensiva bastante sólida, uma marca que o fez surgir com brilho na Europa nos anos-70, chegando mesmo a uma final da Taça dos Campeões Europeus perdida para o Liverpool. Só o nome devia obrigar a pensar duas vezes: Club Brugge Koninklijke Voetbalvereniging. Irra!, que é de estalo. A verdade é que o FC Porto não pensou. Não pensou, não executou, nem sequer estrebuchou. Foi pura e simplesmente retalhado como se estivesse na mesa de um açougueiro. Digo, e volto a repetir, que em termos específicos de jogador por jogador, todos os três grandes estão, esta época, mais fracos do que na anterior por via da saída de jogadores que foram fundamentais nas suas participações específicas. E, na sequência disso, também referi que será um ano mais exigente para os três treinadores.

Começa a entrar pelos olhos dentro que o FC Porto foi o clube que pior se reforçou e que os milagres de Sérgio Conceição não podem cair do céu aos borbotões como a irritante chuva que inundou as Antas na terça-feira. Basta a ausência ou a menor produtividade de uma das peças principais e a equipa desmorona-se. Além disso, dentro de campo tem uma liderança única, a de Pepe, lá atrás, e não tem gente com estatuto ou personalidade para impor a sua palavra no meio campo (como poderia ter sido Sérgio Oliveira, por exemplo). O mito do FC Porto que se bate na Europa como ninguém não passa disso mesmo: um mito, excessivamente explorado por muitos opinadores, às vezes para abrilhantar derrotas pela margem mínima. Mas os sinais tornam-se mais preocupantes quando assistimos ao regresso de atitudes de violência gratuita como a de que foi vítima a família Conceição? Quem continua a permitir estes atos de selvajaria? A quem interessa que o treinador não se sinta tranquilo? São perguntas que só se encontram dentro do clube.