Para já, lucros extraordinários ainda escapam

Governo anunciou apoios de 1,4 mil milhões que vão desde linhas de crédito ao alargamento de apoios às empresas intensivas de gás, passando por programas de formação à majoração de IRC.

‘Muita parra e pouca uva’. É desta forma que a maior parte das entidades empresariais resume as as medidas de apoio anunciadas pelo Governo para mitigar o aumento da energia e da inflação (ver páginas 58-61). Ao todo, serão disponibilizados 1,4 mil milhões de euros, que foram justificados pelo ministro da Economia, António Costa Silva, por «estarmos a viver uma situação geopolítica complicada» e que o plano foi desenhado «para responder a esta crise».

Ao Nascer do SOL, Henrique Tomé, analista da XTB, diz ser difícil avançar se as medidas são suficientes ou não «pois dependerá muito da duração das atuais circunstâncias», acrescentando que, neste momento, «todos os apoios são bem vindos, pois ainda existem setores que continuam a recuperar lentamente dos efeitos da pandemia». Questionado sobre se corremos o risco de assistir à falência de empresas, o analista defende que o cenário macro «não é animador» e que se espera «que os próximos meses sejam desafiantes para as empresas portuguesas».

Apesar dos riscos, diz, «o facto das previsões apontarem para um crescimento francamente positivo este ano na economia portuguesa, acima da média europeia, reflete alguma solidez no setor privado». Mas alerta que não se pode excluir «a possibilidade do próximo ano de 2023 tornar-se muito mais desafiador para as empresas, sendo que existe o risco de novas falências se as condições económicas agravarem-se ainda mais».

De fora, para já, fica a criação do imposto extraordinário sobre as empresas com lucros excessivos. Aliás, Costa Silva reconheceu que foi o primeiro a pôr o tema em cima da mesa, mas admite que ainda não está fora de questão, ao garantir que «é sempre uma opção em cima da mesa». No entanto, lembra que Portugal conta com especificidades no sistema fiscal, nomeadamente a contribuição sobre empresas de energia. «Temos de ter cuidado no desenho das medidas».

Também o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais assumiu que «nunca o Governo colocou essa hipótese de parte». Porém, acrescentou que este não é o momento oportuno para falar disso: «Não podemos estar a anunciar simultaneamente medidas de apoio às empresas e falar de taxar empresas». E afirmou também que o Governo vai atuar dentro da margem que tem disponível. «Temos que nos preparar para uma situação que não vai passar rapidamente, é absolutamente estrutural de mudança em relação àquilo que são os preços de energia e esses convocam todos a que tenham que se adaptar a nova realidade».

Apesar de ser uma medida que não gera consensos, a Associação Portuguesa de Empresas Petrolíferas (Apetro) já veio reconhecer que o setor «compreende e está disponível para colaborar», admitindo, no entanto, que «ninguém gosta muito de pagar mais impostos». 

Já Henrique Tomé considera que «seria uma decisão certa», ao lembrar que o setor energético «tem beneficiado do aumento substancial dos preços, refletindo-se sobretudo nos resultados trimestrais das empresas, cujo os quais poderiam sofrer uma maior carga fiscal para ajudar a financiar as medidas de apoio tanto às empresas como às famílias em matéria de apoios de compensação ao aumento dos preços da energia e do gás».

De acordo com o analista, esta medida «em nada iria prejudicar ou colocar em causa a saúde financeira das empresas, iria sim limitar parte dos lucros (excessivos) que muitas registaram durante os últimos trimestres devido ao efeito da inflação», refere ao nosso jornal.

Também de fora fica a possibilidade de as empresas poderem voltar a recorrer ao regime de layoff – instrumento criado durante a pandemia – e o Governo acena com a a aprovação de apoio ao emprego ativo e à qualificação dos trabalhadores. «Vamos ter formação no contexto de produção no local de trabalho para manter a atividade. É um pacote de 100 milhões de euros», revelou Costa Silva.

O secretário de Estado dos Assuntos Fiscais remeteu para o próximo Orçamento de Estado o anúncio de «medidas mais estruturais em termos de capitalização». Também Henrique Tomé defende que é possível que existam medidas ‘mais agressivas’ no próximo documento. «Apesar das perspetivas de crescimento para Portugal serem relativamente positivas para este ano, os próximos anos serão certamente desafiantes e poderão levantar fragilidades dos países mais vulneráveis às condições económicas nos mercados internacionais, como é o caso de Portugal», acrescentando que a elevada dívida em Portugal «é um fator de risco num ambiente em que as taxas de juro estão a subir e espera-se que subam ainda mais, colocando assim o país numa situação pouco favorável e deverá ter de haver medidas / alterações no OE para conter o impacto destas subidas». No entanto, lembra que esta questão «também dependerá da atividade económica no país que será fator determinante para ditar a forma como o Governo irá atenuar se as atuais circunstâncias se agravarem».

 

Gás e energia

Uma das medidas destinadas às indústrias intensivas no consumo de gás passa por reforçar o programa que já existia de 160 milhões de euros para 235 milhões de euros. O plafond destinado a cada empresa sobe de 400 mil para 500 mil euros. Mas está em processo de avaliação a possibilidade de um apoio de dois milhões de euros para todas as empresas que tenham custos de gás mais elevados. E podem chegar aos cinco milhões com vista à manutenção de atividade industrial e no caso de as empresas terem tido perdas.

Além disso, o programa de apoio é estendido a duas indústrias que até agora não estavam aptas a beneficiar do mesmo: a indústria transformadora e agroalimentar, que terão acesso a cerca de 15 milhões de euros.

 

Linha de crédito

Também foi anunciada o reforço da linha de crédito em 600 milhões de euros, através de garantia mútua com prazo de oito anos. Operacionalizada pelo Banco de Fomento, a linha estará acessível a todos os setores a partir da segunda quinzena de outubro. «É uma linha abrangente, não só para os setores envolvidos com custos de energia elevados, mas também para os setores com outros efeitos da cadeia de abastecimento e das matérias-primas», disse Costa Silva, referindo que «cobre o comércio e os serviços».

 

Impostos

Entre as medidas fiscais estão a suspensão temporária dos impostos no gás usado na produção de eletricidade e cogeração e a majoração em 20% em sede de IRC dos gastos com eletricidade, gás natural, compra de fertilizantes e alimentação para animais.

Para António Mendonça Mendes, secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, «é um instrumento do ponto de vista fiscal mais adequado às empresas. Aquilo que estamos a fazer é atuar na diminuição do resultado fiscal que as empresas possam vir a ter».

E ficará suspenso, até ao final do ano, o Imposto Sobre Produtos Petrolíferos (ISP) – mas só para empresas – e a taxa de carbono sobre o gás natural utilizado na produção de eletricidade e cogeração. Esta medida fiscal, avaliada em mais de 25 milhões de euros, terá uma execução imediata.

 

Transporte ferroviário

O transporte ferroviário de mercadorias vai ser alvo de apoios, com subvenções diretas por locomotivas a diesel de 2,64 euros por quilómetro e a tração elétrica com 2,11 euros por quilómetro. A medida está avaliada em 15 milhões.  

De acordo com o ministro, este apoio era necessário para que não houvesse injustiça face ao setor rodoviário. «Com os apoios ao setor rodoviário estávamos a criar uma diferenciação», garantiu o governante.

 

Setor social

Já o o setor social vai contar com uma linha de financiamento específica no valor de 120 milhões de euros, com duração até dezembro de 2023, «para as IPSS fazerem face às necessidades e exigências sobretudo para a execução dos programas de investimento, em particular do PRR [Plano de Recuperação e Resiliência]». E, ao mesmo tempo, está prevista uma comparticipação financeira de cinco milhões de euros para o setor social, com vista a apoiar as instituições do terceiro setor ao nível da fatura do gás.