Luís Miguel já angariou quase 100 mil euros

Um aneurisma a meio das férias com a família do outro lado do Atlântico deixou Luís Miguel sem chão. A ajuda chegou dos portugueses.

Depois de, no dia 11 de setembro, o Nascer do SOL e o i terem noticiado que Luís Miguel Cardoso,  professor de Educação Física de 52 anos, tinha sofrido um aneurisma nos EUA quando se encontrava de férias – e a companhia de seguros apenas assumiria 30 dos cerca de 150 mil euros necessários para saldar a dívida do tratamento num hospital norte-americano –, os portugueses uniram-se para ajudar. Até ao final da tarde de ontem, já tinham sido angariados mais de 95 mil euros, disse ao Nascer do SOL Luís Miguel, que depois de ter contactado a embaixada de Portugal em Nova Iorque, o consulado, o Ministério dos Negócios Estrangeiros e a Câmara Municipal do Porto, diz não ter tido até hoje qualquer resposta. Já a companhia com quem tinha contratado o seguro de viagem, e com quem estava a ter dificuldades de comunicação até ao caso ser tornado público, garantiu já apoio e que as despesas hospitalares serão financiadas até 30 mil euros. Quase um mês depois de ter sofrido um aneurisma, a 29 de agosto, Luís Miguel diz-se desiludido com as entidades portuguesas e agradece a quem o tem apoiado. «Nem toda a gente pensa apenas no lado material da vida. Há quem se preocupe genuinamente com os outros e queira ajudar, deseje o bem de todos. É muito bom sentir isto. E aquilo que me deixa mais assoberbado é ver que há pessoas que até pedem desculpa por doarem apenas um euro. São tão bondosas, nem percebem a grandiosidade das suas ações», diz o professor, que entretanto já regressou a Portugal e está a ser acompanhado por um neurocirurgião que se ofereceu para seguimento do caso a título particular e no Serviço Nacional de Saúde.

 

Um azar durante as férias

Luís Miguel e a família estavam a viver umas férias de sonho: saíram de Portugal no início de agosto. Passavam pela Costa Rica e Guatemala, Belize e terminariam em Nova Iorque, contou ao SOL o professor, que é também diretor técnico regional da Associação de Voleibol do Porto. Luís Miguel começou a sentir dores de cabeça na Guatemala e foi ao médico.

«Lembro-me de que, quando passámos por Antígua, também no Mar das Caraíbas, durante três dias, tínhamos a ideia de, no segundo e terceiro dias, subirmos a um dos três vulcões, passarmos lá a noite e descermos posteriormente. A questão é que no final do primeiro dia voltei a ter dores de cabeça fortes», lembra. «O médico disse-me que, provavelmente, estava a ter enxaquecas devido à altitude. É que já estávamos a 2 mil e tal metros e queríamos ir aos vulcões, portanto, aí já seriam mais de 4 mil. Ele disse que não estava habituado àquilo e, a meio da tarde, já tinha comprado um analgésico que não surtiu grande efeito. Expliquei-lhe e ele deu-me analgésicos mais fortes que realmente atenuaram um bocadinho a dor. A minha família foi passear e eu fiquei à espera deles», confessa, recordando que se sentiu «bastante bem» nos dois primeiros dias na Guatemala. «Nos últimos dois dias, comecei a ficar assustado porque já estava a ser muito recorrente. Tanto que a minha namorada achava melhor que, assim que chegássemos a Nova Iorque, apanhássemos um avião para Portugal. Eu era o único do grupo que não conhecia a cidade, então voámos para lá, chegámos de noite, acordámos no dia seguinte e fomos passear».

Mas o pior estaria por vir: a meio da tarde, começou a ter um discurso desconexo. «Eu não dizia coisa com coisa, tinha muitas dores de cabeça e percebemos que não podia ter apenas enxaquecas. Contra a minha vontade, a minha família chamou a ambulância e ainda bem porque foi a minha sorte. Ainda falei com os paramédicos, depois levaram-me para o hospital, conversei com um médico, fizeram-me uma TAC e viram que tinha o aneurisma roto», diz, sendo que primeiro esteve no Hospital New York Presbyterian e foi transferido para o Weill Cornell Medical Center e operado pelas 5h do dia seguinte.

«A primeira operação correu bem. Acordei durante algum tempo, falei com a minha namorada, ela até disse para eu não me preocupar porque estava tudo melhor. Estava muito sedado e, algumas horas depois, voltei a ter convulsões, senti-me mal, fiz mais uma TAC e detetaram mais uma hemorragia. Por isso, operaram-me novamente. Estava entubado, tinha tubos por todo o lado: na boca, no nariz, na cabeça… Fiquei bastante assustado, até porque via imensos médicos à minha volta», recorda.

«Não conseguia estar muito tempo acordado. Sempre que abria os olhos, tentava lembrar-me de tudo. Entre muitas das coisas boas que eles têm é que, mesmo na Unidade dos Cuidados Intensivos, permitem que os doentes tenham visitas durante 12 horas», diz, sentindo-se grato por ter tido a companheira sempre do seu lado. «Isso, realmente, transmite segurança. Ainda para mais, num país que não é o nosso, em que não sabemos como tudo funciona, a cultura é diferente, estamos a ambientar-nos, é tudo estranho… Mas a verdade é que eles são diretos e dizem tudo aquilo que se passou», declara, explicando que ficou surpreendido com este tipo de abordagem no hospital. «Até me explicavam tudo sobre a medicação, cada detalhe. Quando me tiravam sangue, diziam que tinham de perceber x e y. Relatam tudo, é espetacular!», exclama, explicitando que, ao terceiro dia naquela unidade hospitalar, já não tinha tubos na boca e ficou feliz por ter a oportunidade de comunicar oralmente.

«Questionei-os acerca de tudo aquilo que me passava pela cabeça. O que tinha acontecido? Eu tinha a noção do preço do sistema de saúde lá, estava preocupado. Sabia que o seguro não ia ser suficiente… Estava apreensivo, mas a minha família foi incansável desde o primeiro dia e a filha da minha namorada começou logo a tentar ajudar-me», relata, referindo-se a Francisca Neves, de 22 anos. 

Foi Francisca, a enteada, que começou a procurar ajuda. «Falámos com o consulado e não nos ajudaram. Quando cheguei a Portugal, escrevi uma carta à embaixada portuguesa em Washington, à Câmara Municipal do Porto e ao Ministério dos Negócios Estrangeiros – a autarquia disse que não conseguia ajudar, a embaixada não deu grande feedback e o Ministério não respondeu ainda», explicou há duas semanas ao SOL. Neste período, as respostas das entidades oficiais não chegaram, mas teve apoio da Câmara Municipal de Santo Tirso, da Associação em que trabalha, de cidadãos anónimos e empresas da zona onde vive.

 

As portas fechadas

«Não estávamos a pedir dinheiro: eu estava num país que me era estranho, queria apenas apoio», diz Luís Miguel. «Nem sequer sabia que meios tinha ao meu dispor. A minha namorada nem sequer sabia se eu acordaria. Ela, primeiro, ficou num hotel sem grandes condições e, mesmo assim, pagava mais de 200 euros por dia. Achávamos que seria possível ter algum apoio. Mas até para irmos ao_Consulado, tínhamos de fazer um agendamento, nem sequer seríamos recebidos no próprio dia», lamenta, avançando que Francisca fez essa deslocação e, presencialmente, garantiram-lhe que ali só tratavam de outros assuntos.

«Relativamente à embaixada, nunca respondeu a um único email. Da parte do Ministério dos Negócios Estrangeiros… Disseram logo que não tinham qualquer meio para nos ajudar. Da Câmara Porto, explicaram que não são uma entidade que tenha uma função nesse sentido. O Presidente da Câmara de Santo Tirso foi simpático e prometeu que ia dar o melhor para se juntar a nós e conseguir dinheiro através dos eventos que estavam a organizar».

«É estranho porque, penso eu, acho que foi a embaixada que disse, num órgão de informação, que nos tinha ajudado. E isso não é verdade. É pena porque parece-me que é a entidade que deve apoiar os portugueses que estão em situações como esta. É claro que vamos viajar, sabemos as responsabilidades que temos, mas ninguém imagina que terá um problema de saúde desta dimensão», diz Luís Miguel, contando que tanto ele como os familiares, antes de viajar, tinham contactado a seguradora MDS Portugal e optaram por fazer o seguro intermédio, «que nem sequer era dos mais básicos», porque imaginavam que podiam ter de receber cuidados médicos, mas não «algo desta envergadura».

Quase um mês depois, Luís Miguel olha para trás e sente que ainda teve alguma sorte. «Não tenho nada contra o Sistema Nacional de Saúde (SNS) e lá dei-lhe muito valor porque não existe nada do estilo, mas, efetivamente, em Nova Iorque têm outros meios e conseguem fazer outro trabalho. Dentro do azar, foi uma sorte muito grande não me ter acontecido isto quando ainda estava na América Latina».

«Nos EUA, a cada dia, ficava mais atrapalhado. Sabia que tudo era caríssimo. Como a recuperação estava a correr tudo bem, comecei a pedir para sair. Tivemos a sorte de uns amigos de uns amigos de uns amigos nos emprestarem um apartamento a poucos minutos do hospital eles foram impecáveis, deixaram-me sair, pediram-me para ir lá uma semana depois. Perceberam o nosso ponto de vista e estivemos constantemente em contacto com eles. Sempre que quis, falei com o meu neurocirurgião. O doutor Ibrahim Hussain é inacreditável. Já em Portugal, o meu neurocirurgião de cá enviou-lhe um email e ele respondeu-lhe um minuto depois!», relata, regressando ao momento em que o médico lhe comunicou que podia dar o contacto telefónico e o email aos colegas de Portugal, assim como escrever-lhe e telefonar-lhe quando necessitasse.

 

A conta para pagar

Mas depois veio o lado financeiro. «Ficámos a pensar: ‘Isto dos 30 mil euros não vai dar e só nos vão deixar sair mediante a assinatura de um plano de pagamento ou alguma coisa do género. Mas não, não fizeram nada disso: disseram logo que não existia [essa formalidade] e que, quando a faturação estivesse fechada, saberíamos tudo. Têm o departamento de Global Service que dá suporte aos estrangeiros que são lá tratados. E há muitos, até quem vá para os EUA só para isso», salienta, apontando que, neste momento, não tem a certeza se o montante dos 150 mil euros é exato. «As assistentes sociais deram-nos uma estimativa. Estou registado numa plataforma do hospital e acho imensa piada porque tenho acesso aos registos todos, até à hora a que x médico me viu, que y enfermeiro me fez a colheita de sangue… E também há a área da faturação. Estou sempre a ir lá, mas o doutor explicou-me que a mulher dele tinha sido também operada e recebeu a fatura semanas depois».

«Se o valor já tiver sido alcançado ou se já tivermos dinheiro em excesso, queremos criar um fundo para apoiar as pessoas que se vejam na mesma situação ou até doar um montante a associações ou instituições. Admito que sinto alguma ansiedade, até tenho escrito à seguradora para saber se eles recebem primeiro a fatura do que eu», diz, asseverando que a MDS Portugal «mudou completamente de postura quando o Nascer do SOL e o i, juntamente com a ativista Francisca de Magalhães Barros» narraram a sua história.

«Alteraram o comportamento de forma radical. Antes, até andávamos com o roaming desligado por causa dos custos e, a partir de determinada altura, tivemos de o ter ligado porque queriam falar connosco, estavam sempre a ligar… Foram dias e dias sem nos ajudarem, mas quando o Nascer do SOL e o i denunciaram a situação que eu estava a viver e os outros órgãos de informação pegaram no tema, tudo foi diferente».

«Até me perguntaram se conseguia andar porque se não conseguisse arranjavam alguém que fosse connosco no voo. E arranjaram-me a passagem para o próprio dia. Aí vimos o poder dos meios de comunicação social. Só posso sentir-me grato por terem estado sempre do meu lado», diz emocionado, expressando que teme o ponto em que se encontraria caso as circunstâncias que viveu e vive não tivessem chegado ao grande público. «Quando voltei, já vinha com o capacete: é mesmo esse o termo usado pelos médicos e enfermeiros. Como não tenho a parte esquerda do crânio, tinha de ter uma proteção. Umas terapeutas foram ter comigo ao final de uma manhã e, horas depois, já estava um senhor a fazer medições, a dar-me vários capacetes para eu experimentar, a fazer medições, a pôr esponjinhas aqui e ali para ser mais confortável… Não tenho palavras, foi tudo tão rápido e eficaz! Só não o uso quando vou dormir».

 

Onda de solidariedade

De regresso a casa, a solidariedade tem sido muita. «No fim de semana passado, os meus colegas, professores na escola onde eu estive quando acabei o curso, que andam de mota, foram à Bênção dos Capacetes. Estiveram lá, tiraram uma fotografia e disseram: ‘Estás aqui connosco! O teu capacete está abençoado também!’ e eu só me ria», diz Luís Miguel, expondo, contudo, que tem dias melhores e outros piores, como qualquer outra pessoa. «O capacete não é desconfortável, só quando o uso durante muitas horas de seguida. Tendo em conta tudo aquilo que me podia ter acontecido, aguento o capacete sem qualquer problema. É o mínimo que posso fazer, até porque já não poderia estar cá. Quando saí do hospital e fiquei no apartamento, questionei-me se a minha cabeça ficaria sempre assim, perdi a minha autoestima, pus tudo em dúvida, fiquei frágil, mas… Valorizei a sorte que tive no meio do azar», reforça.

«Não tenho palavras para exprimir a gratidão que sinto. Parece tudo algo que era inalcançável e se foi tornando real._Mas também cheguei a ler alguns comentários como ‘Eles tinham dinheiro para a viagem e agora vêm pedir às pessoas para as contas do hospital’. Eu compreendo esse tipo de raciocínios, mas não me parece que tenhamos feito algo mau. Planeávamos uma viagem com a qual sonhávamos, tratámos do seguro… Felizmente, a esmagadora maioria das pessoas compreendeu que fomos apanhados de surpresa e não estávamos preparados para um aneurisma. Apesar das palavras maldosas, as positivas prevalecem e isso dá-me tanto alento… Ninguém faz ideia!», diz, explicando que esta tragédia também lhe mostrou que a maioria dos seres humanos ainda se preocupa com o próximo.

Também a filha de 22 anos, estudante universitária, o testemunha. «Cheguei a receber transferências de MB WAY de 1 euro com mensagens como ‘Boa sorte!’ ou com um trevo. Estas situações mostram o pior e o melhor que há em nós», disse ao SOL Maria.

Luís Miguel acrescenta que antigos alunos, alguns de há 22 ou mais anos, também o contactaram e isso deixou-o ainda mais feliz. «Gostava muito de dar aulas. E as turmas que conheci em Joane foram incríveis. Quase todos me enviaram mensagens, disseram que se lembravam de mim, e aqueles com os quais almoço e janto algumas vezes, aqueles das turmas realmente especiais que nos ficam no coração, estão sempre a perguntar-me como é que estou, a lerem as notícias, a partilharem a página @help_luismiguel do Instagram… São fantásticos».«Para além do doutor Ibrahim e de todas as pessoas que não me têm deixado, estando sempre a caminhar do meu lado, tenho de agradecer também ao meu neurocirurgião daqui. Ele não me cobra absolutamente nada, já fez isto com mais pessoas, e tenho acabado as consultas a abraçá-lo e a chorar. Este problema teve a parte positiva de eu conhecer pessoas tão boas, generosas e queridas!».

«Foi muito fácil agarrar-me ao caso do Luís Miguel, pelo facto de termos tido ambos um aneurisma, por genuinamente ser pedido com o coração (como tantos outros) mas, aqui, falei com diversas pessoas da família, vi o amor que lhe tinham, senti o que sentiram comigo e eu não fiquei com uma dívida no país que me salvou a vida», observa a ativista dos direitos humanos Francisca de Magalhães Barros. «Nenhum caso é mais um caso, mas este é certamente especial e é de tal maneira que acabou por mover com tantas pessoas depois, tantos artistas, com todos os canais de televisão, com tanta vontade de ajudar. O que eu sabia era que eu e o Nascer do Sol e o i não o íamos deixar ficar mal!», conclui a também pintora e cronista. «Há pouco tempo recebi uma mensagem em forma de ‘poema’, era do Luis. É o Luis. Estamos para sempre ligados, por assim dizer. É uma questão de empatia e de humanidade. Não se explica».