Isabel II reservou para o seu funeral o seu mais importante ato público

Ficou claro perante a opinião pública que durante um longo período a Rainha Isabel II se dedicou a organizar aos mínimos detalhes todos os atos que compuseram o extraordinário evento que foi o seu funeral, acompanhado por centenas de milhares de ingleses e pela televisão por milhões de pessoas em todo mundo.

por André Jordan
Empresário

Apesar da sua espetacularidade, este espetáculo, com muitos atos, beneficiou do sentido de propriedade e de discrição, características da personalidade e da atuação pública e privada de Sua Majestade.

Desde o seu casamento com o Príncipe Philip Mountbatten, Isabel II vinha enfrentando situações de tensão por variadas razões.

 Pouco depois do seu casamento, que foi produto de uma paixão pelo marido desde que o conheceu aos 13 anos, a Rainha teve de enfrentar o desejo natural do pai de que os filhos levassem o nome Windsor Mountbatten. Esse desejo do seu marido deveu-se à influência do seu Tio Louis Mountbatten, primo de ambos os conjugues, que depois de uma carreira ilustre como militar, comandou as tropas Aliadas no Pacífico, ao qual se seguiu a sua nomeação para Vice-Rei da Índia, cargo em que foi o último ocupante no mandato em que foi declarada a independência daquele país, muitas vezes maior do que o Reino Unido.

A Rainha recusou alteração da exclusividade do nome Windsor, influenciada por Winston Churchill, naquele momento o primeiro-ministro. O resultado imediato foi que o Príncipe Philip, já Duque de Edimburgo, encetou uma longa viagem pelo Oriente acompanhado pelo seu secretário e amigo o capitão Michael Parker. Conheci Michael Parker no Rio de Janeiro quando ele acompanhou a grande bailarina Margot Fonteyn na sua primeira apresentação no Teatro Municipal do Rio de Janeiro, que na altura era presidido pela minha irmã Dalal Achcar.

Ao longo dos anos, inúmeras contrariedades ocorreram na família que afetaram o seu prestígio e puseram em causa a própria existência da monarquia. O casamento do seu filho André com a pândega Sarah Ferguson, que em uma das férias com o seu amante americano, travestido de conselheiro financeiro, foi fotografada com o homem chupando os dedos dos seus pés. Ao divórcio que se seguiu, Sarah continua morando com André, situação que persiste até os dias de hoje.

André, por sua vez, se deixou envolver numa teia de depravações sexuais organizadas por um financeiro americano de nome Jeffrey Epstein. Deste lamentável episódio resultou numa reclamação de uma das envolvidas que, na altura menor de idade, alegava ter sido colocada à disposição do príncipe e que reclamou uma considerável indemnização. A Rainha forneceu ao André os fundos necessários para terminar esse processo.

Os percalços do seu filho mais jovem e da sua mulher Sophie Ryes-Jones, ele como cineasta e ela como relações públicas, ficaram superados pela decisão de ambos abandonarem as carreiras pouco bem sucedidas e se dedicarem ao serviço da Coroa em fulltime. O casal tem sido reconhecido pelos seus serviços e estavam entre os favoritos da Rainha.

Por sua vez, a única filha Anne, nomeada Princesa Real, divorciou-se do primeiro marido e se casou com o Almirante Timothy Laurence.

Todos os incidentes acima perdem relevância diante do verdadeiro drama que foi o casamento e a vida do Príncipe Charles com Diana Spencer, filha do Conde Spencer, uma das mais tradicionais e prestigiadas famílias da nobreza britânica, da qual fazia parte Churchill.

Um casamento de sonho visto por milhões de pessoas de todo mundo e que cedo começou a se desintegrar pela evidente incompatibilidade do casal, agravado pelo facto de Charles ter uma relação amorosa com Camilla Parker-Bowles, sendo ela e o seu marido ativos membros do jet set social do Reino. Não demorou para descobrir que esse relacionamento nunca foi interrompido pelo casamento. Famosa a declaração de Diana «neste casamento, éramos três pessoas».

Muito bonita e charmosa, jovem emocionalmente carente, não demorou em se envolver em vários casos amorosos com resultados mais ou menos desastrosos. Ambos os cônjuges acabaram por revelar em entrevistas na televisão a verdade das suas vidas.

A tudo isto a Rainha assistiu com equanimidade, mesmo no momento da morte trágica de Diana num desastre de automóvel quando fugia com o seu então amante Dodi Al Fayed, filho do controverso dono dos Armazéns Harrods, da perseguição dos paparazzi.

O casal real estava no Castelo de Balmoral e levaram dois dias para voltar a Londres, quando o funeral de Diana, Charles e os seus dois filhos William e Harry e o Duque de Edimburgo seguiram juntos a pé atrás do féretro.

Charles veio a casar com Camilla e gradualmente a Rainha foi aceitando a sua nova nora, ao ponto de a pouco tempo de morrer declarou que esperava que o povo inglês aceitasse Camilla como Rainha Consorte.

A todos esses abalos, as quais se agregam também um estilo arrogante e de pretensão de superioridade intelectual e cívica de Charles, a Rainha nunca demonstrou perder a calma, apesar da evidente tristeza com o desaparecimento do seu companheiro em 75 anos.

Isabel II passou a organizar diretamente o seu próprio funeral com o objetivo de demonstrar ao povo britânico e ao mundo a propriedade e o prestígio político e afetivo que os cidadãos lhe outorgam.

A consagração resultante, apesar da grandiosidade e da pompa dos eventos, confirmou claramente o apreço, autoridade e a potencial perenidade dos Windsor. Não faltou o esforço de Charles em mostrar-se popular indo ao encontro do povo alinhado pelas ruas, acompanhado do novo Príncipe de Gales, o seu filho William, que desfruta de uma popularidade maior do que a do pai, devido ao seu bom senso inato, o seu casamento exemplar com Kate Middleton e a participação em todos os eventos públicos do futuro herdeiro George.

Durante todos esses atos, ficou evidente o constrangimento de Charles diante da avassaladora consagração da sua mãe, gerando dessa forma esperança de que o novo Rei contenha o seu impulso de saber melhor o que é bom para o seu povo.

 Assim, Isabel II com inteligência e modéstia, que é atributo dos que realmente merecem o poder, encerrou a sua missão.

 

JORGE SAMPAIO

Há poucos dias foi assinalado o primeiro aniversário da morte do Presidente Jorge Sampaio, que ocorreu no dia do meu aniversário – 10 de Setembro.

 Tive o privilégio de conhecer e ficar amigo de uma das pessoas mais admiráveis que conheci e um estadista que, como poucos, vai ganhando prestígio à medida que vai passando o tempo.

 A sua estatura moral e cívica, a sua modéstia, dignidade e autoridade, o seu coração aberto aos outros, bem como do lado privado, a sua relação com a mulher, Maria José Ritta, de grande dignidade e colaboradora ativa no exercício de uma presidência, cuja qualidade e prestígio vão crescendo em retrospetiva. Sem falar da extraordinária e abnegada atuação de Jorge Sampaio na sua atividade nas Nações Unidas, no sentido de melhorar o entendimento entre as nações e as religiões e cujo herdeiro ficou sendo o atual Secretário Geral das Nações Unidas – António Guterres.

Tinha com o falecido Presidente afinidade de ideias e conceitos políticos e de uma experiência de vida nos Estados Unidos nas nossas respetivas adolescências (sou seis anos mais velho), quando vivemos o impacto New Deal do Presidente Franklin Delano Roosevelt, que retirou os Estados Unidos e o mundo da Grande Depressão e instituiu uma economia de livre empresa, entretanto sujeita a uma rigorosa legislação, especialmente na área financeira.

Esse sistema, que colocou os Estados Unidos na senda de uma grande expansão económica e social e que esbarrou contra a Presidência de Ronald Reagan em 1981, que introduziu o desmantelamento deste edifício regulatório, cujos efeitos negativos continuam influenciando a vida americana e mundial como ficou demonstrado na recente presidência de Donald Trump.