A Justiça e os seus labirintos…

A corrupção e o crime de ‘colarinho branco’ somam e seguem. Sem haver quem se empenhe em por cobro aos labirintos da Justiça.

Há muito que se tornaram habituais as críticas ao (mau) funcionamento da Justiça, por ser cara e lenta, e por ser suspeita de agir a duas velocidades, consoante os réus, ou seja, em função da linha divisória entre os que têm recursos fartos para contratar e pagar um bom patrono, e os que não têm alternativa à defesa oficiosa.

É comum, aliás, dizer-se que a Justiça se curva diante dos poderosos, e que são raros aqueles que resgatam nas prisões os crimes de que foram acusados. E provados.

Inevitavelmente, no cerimonial de abertura do ano judicial, repetem-se os mesmos rituais e ‘chavões’ e as mesmas lamúrias para justificar os atrasos – incluindo a sempre invocada falta de pessoal –, enquanto os megaprocessos adormecem empilhados, com os expedientes do costume.

Apesar de ser este o persistente quadro, próprio de um imobilismo corporativo paralisante – embora pintado na fachada de promessas e juras de mudança –, as conclusões recentes de um inquérito efetuado pela Rede Europeia de Conselhos de Justiça (abrangendo 27 países, e, no caso português, cerca de 500 magistrados judiciais), são simplesmente arrasadoras.

E são-no pelo lado pior, porque afetam a confiança na Justiça, pilar fundamental num Estado de Direito.

Ora o que se verificou foi que um quarto dos juízes portugueses inquiridos, acredita que a corrupção já se infiltrou na Justiça, admitindo ter havido entre eles quem aceitasse subornos ou cometesse outras irregularidades ao longo dos últimos três anos.

Estas conclusões são tão graves que a procuradora geral da República, Lucília Gago, se precipitou a pedir medidas que provem se a perceção corresponde à realidade, enquanto o Conselho Superior da Magistratura, alarmado, rejeitou a leitura ‘apressada’ dos resultados do inquérito e veio garantir que agiu no âmbito das suas competências, «sempre que teve conhecimento de atos censuráveis imputados a juízes».

O próprio presidente da Associação Sindical dos Juízes, Manuel Soares, acabou por dizer o óbvio, ou seja, que «não podemos olhar para um inquérito destes de braços cruzados e assobiar para o lado».

Nem de propósito, começou esta semana, no Supremo Tribunal de Justiça (STJ), a instrução da Operação Lex, envolvendo ex-desembargadores (um deles já jubilado), dois anos depois de ter sido deduzida a acusação do Ministério Público. Ao todo, são 17 arguidos, entre os quais o ex-juiz Rui Rangel, entretanto expulso da magistratura pelo CSM, acusado pelo MP de vários crimes, incluindo dois de corrupção passiva para ato ilícito.

O inquérito europeu seria, no entanto, desvalorizado pela atual ministra da Justiça, Catarina Sarmento e Castro, que, enigmaticamente, se referiu aos dados apurados como pertencendo a «um ano excecional». Vá lá entender-se porquê…

O certo é que, não obstante a delicadeza das desconfianças entre os próprios magistrados, o inquérito foi ‘despromovido’ rapidamente no espaço público, como se fosse algo sem importância de maior.

Curiosamente, numa sondagem publicada, em 2021, pelo JN e DN, anterior a este inquérito europeu, os resultados apontavam já para uma descrença generalizada, sendo os «tribunais e juízes» a instituição na qual os portugueses menos confiavam, a par dos políticos, por não serem devidamente fiscalizados.

A sondagem, nada lisonjeira – e que não deixava bem na fotografia, tanto o Ministério Público como a PGR –, passou igualmente à história como tantas outras, sem quase deixar rasto.

Não será de estranhar, pois, que o presente inquérito conheça a mesma sorte, enquanto se aguarda o desfecho da Operação Lex.

São frequentes as queixas que recaem sobre a desesperante lentidão da Justiça e o excessivo garantismo da lei, que permite a bons advogados eternizar processos, por vezes, até à prescrição, deixando sem julgamento quem pode pagar os expedientes processuais.

O inquérito da Rede Europeia, ao revelar as suspeitas instaladas no interior da própria corporação, sobre atos corruptivos de juízes, só veio legitimar as dúvidas que têm rodeado o constante adiamento de procedimentos judiciais, e as sentenças controversas, que aliviam protagonistas ou paralisam processos.

De facto, quem se conforma com as atribulações, algumas rocambolescas, que têm demorado – e ameaçam arquivar – antes de chegarem a tribunal, vários processos pendentes do ex-primeiro-ministro, José Sócrates ou do ex-banqueiro Ricardo Salgado, entre outros?…

Rui Rio ainda brandiu, antes de se retirar, que «o povo não entende» o estado da Justiça e que este constitui «o pior exemplo da doença do regime». Nisto teve razão, mas ninguém o ouviu.

A corrupção e o crime de ‘colarinho branco’ somam e seguem. Sem haver quem se empenhe, de uma forma consequente e determinada, em por cobro aos labirintos – e alçapões – da Justiça.