Putin e a fuga para a frente

A dúvida atual não passa por saber se a Rússia perderá esta guerra. Mesmo com os 300 mil reservistas que mobilizou, a guerra estratégica está perdida.

por Francisco Gonçalves

Quando, há alguns dias, o Presidente russo fez o seu discurso de fuga para a frente, acossado pelas derrotas das últimas semanas na guerra da Ucrânia, colocou o seu país ainda mais atrás no século XXI.

Se, este século, e a sua economia, parecem assentar, cada vez mais, no conhecimento, a Rússia está atrás e aparenta estar a ser condenada pela sua liderança a ficar cada vez mais atrás. Na economia atual compreende-se o caminho de um país percebendo o que ele produz, o que ele faz por produzir e, naturalmente, para quem ele vende – os seus mercados de destino.

As exportações russas mais relevantes são os hidrocarbonetos (petróleo, crude ou refinado, e o gás, 43%), o ouro (6,7%), a platina (3,2%) e o trigo (3%). Os seus principais mercados de exportação são a China (15%), o Reino Unido (7,7%), a Holanda (6,8%), a Alemanha (4,3%), o Cazaquistão (4,2%) e a Turquia (4%).

Não ignorando que as exportações russas incidem sobre produtos que são, muitos deles, estratégicos, a realidade é que estes não têm componente de conhecimento integrada. Perante a transição energética em curso, esses produtos tendem a perder relevância, perdendo, o seu produtor, consequentemente, importância relativa.

Mandava, o bom senso, que estivesse a ser seguida uma política de inovação, com vista à substituição de exportações. Para tal, seria avisado um forte investimento na educação, com vista a potenciar a dita economia de conhecimento. Todavia, o investimento russo em educação é 3,4% do PIB, contra a média de 5% do PIB, na OCDE. Curiosamente, o investimento em defesa é 4,3% do PIB, contra o objetivo de investimento de 2% do PIB, nos países da NATO.

Isto é, a Rússia é uma economia atrasada, que mais atrasada ficará. Paralelamente, com os problemas com o ‘Ocidente’, a Rússia tenderá a centrar-se na Ásia, onde poderá encontrar mercado para o que produz. Ainda que o eixo da economia mundial esteja a dirigir-se para esse continente, este caminho tornará a Rússia cada vez mais dependente da China e, ironicamente, cada vez menos relevante.

Se o objetivo do conflito na Ucrânia era tornar a Rússia mais relevante, o curso da guerra, e a reação do mundo, vão tornando a Rússia um Estado quase pária. O responsável da política externa russa, Serguei Lavrov, apenas teve autorização para pisar solo americano para se dirigir do aeroporto até ao edifício das Nações Unidas.

Ameaçar o ocidente com armas nucleares, por estar a perder a guerra em que meteu o seu país, é a fuga para a frente de Putin. A sobrevivência do regime e a sua sobrevivência política (e talvez física) dependem cada vez mais do curso da guerra.

Não sabemos, nesta fase, se o interesse de Putin, e do regime, serão os interesses do Povo russo, mas começa a ser cada vez mais clara a divergência, ainda que aos russos não chegue informação que lhes permita avaliar com clareza isso mesmo. O comboio do século XXI anda em alta velocidade e esse, a cada dia que passa, afasta-se da Rússia.

A dúvida atual não passa por saber se a Rússia perderá esta guerra. Mesmo com os 300 mil reservistas que mobilizou, a guerra estratégica está perdida.

A dúvida que resiste está em saber se haverá condições, internas, para evitar que todo o mundo venha a pagar pelo erro de um homem e da clique que o ajudou a destruir o século do seu país.