Ucrânia. Polónia quer resposta convencional face a um ataque nuclear russo

Caso sejam usadas armas nucleares táticas na Ucrânia, Varsóvia quer uma resposta “devastadora” da NATO. Washington mantém-se ambígua.

Enquanto Vladimir Putin fazia ameaças nucleares, a NATO desvalorizava-as, mas mantinha-se em silêncio quanto ao que faria no caso da utilização de armas nucleares táticas – ou seja, ogivas mais pequenas, feitas para serem usadas no campo de batalha – contra a Ucrânia.

O maior receio era que isso despoletasse um conflito apocalíptico, com mísseis intercontinentais – carregados com as chamadas armas nucleares estratégicas, mais potentes – a pulverizar cidades inteiras. Contudo, Zbigniew Rau, ministro dos Negócios Estrangeiros polaco, assegurou que, na opinião de Varsóvia, a resposta ao eventual uso de armas de destruição maciça pela Rússia deve ser “devastadora”, mas apenas convencional.

“Pelo que sabemos, Putin está a ameaçar usar armas táticas nucleares em solo ucraniano, não atacar a NATO”, explicou Rau, numa entrevista à NBC. “O que significa que a NATO deveria responder de uma forma convencional”, salientou.
Não espanta a posição do Governo polaco, sempre receoso dos seus vizinhos russos, tendo-se mostrado um dos mais firmes aliados da Ucrânia.

Por um lado, num confronto entre a NATO e a Rússia, Varsóvia passaria a ser a linha da frente, daí as reservas quanto ao nuclear. Por outro, a Polónia, à semelhança dos países bálticos, há muito que tenta pressionar a NATO a ser mais dura em relação a Putin.

Nem todos acham piada a isso. “Esta é uma afirmação disparatada do sr. ministro polaco”, comenta Carlos Mendes Dias, coronel na situação de reserva, questionado pelo i quanto a uma eventual resposta convencional a ataques nucleares táticos pelos russos. “A NATO não está em guerra com a Rússia, nem a Rússia com a NATO”, lembra o coronel. “A NATO só despoleta o seu artigo 5º se for ela própria atacada. A Ucrânia não pertence à NATO. E os países da fronteira estão constantemente a tentar arrastar-nos para essa situação. É escusado”.

“A Rússia não altera a situação que está a viver no espaço de batalha, que é a Ucrânia, utilizando armento nuclear. Só a vai deixar mais isolada”, frisa o coronel. No entanto, também se poderia apontar que antes de 24 de fevereiro a maioria dos analistas garantiam que uma invasão da Ucrânia não ocorreria, que isso seria contrário aos interesses do Kremlin. A imprevisibilidade de Putin não deixa os mais receosos descansados.

Do ponto de vista da Polónia, talvez a ameaça de uma retaliação convencional da NATO face ao horror de um ataque nuclear faça Putin pensar duas vezes. Afinal, os países NATO possuem enorme capacidade militar.

“Imagine que a Turquia , que também é NATO, deixa de aplicar o tratado de Montreux e permite a passagem de vasos de guerra”, exemplifica Mendes Dias. “É sabido que a marinha americana está no controlo dos mares do mundo, tem uma série de frotas incluindo no Mediterrâneo”, explica.

“A marinha britânica também lá está, com capacidades como mísseis de longo alcance. Há desde armamento antiaéreo, sistemas lança-foguetes múltiplos, aeronaves”, continua o coronel. “Em julho havia de 130 aeronaves dos aliados no nível máximo de alerta. A situação não é de hoje”.

Contudo, “se o Ocidente ataca coletivamente a Rússia com as suas forças armadas convencionais, então a resposta da Rússia poderia ser nuclear”, notou Evgeny Buzhinsky, um tenente-general russo na reforma, na semana passada, em declarações à Al Jazeera. É que “não há comparação entre o potencial militar convencional do Ocidente e o da Rússia”.

A questão é que “qualquer conflito nuclear entre a Rússia e os Estados Unidos levaria a completa destruição mútua”, alertou Buzhinsky. Putin tem nas mãos um arsenal nuclear enorme, estimando-se que possua quase seis mil ogivas.

Apesar dos apelos de Kiev para que a NATO se comprometa em responder a um eventual ataque nuclear russo, a Administração de Joe Biden tem evitado a clareza mostrada por Varsóvia. “Decidiu manter os avisos quanto às consequências de um ataque nuclear, deliberadamente vagos para que o Kremlin se preocupe sobre como é que Washington poderá responder”, explicou ao Washington Post uma fonte oficial na Casa Branca.

Esses avisos têm sido feitos diretamente ao Governo russo e de forma privada, ao longo dos últimos meses. E a ideia será cultivar aquilo a que se chama “ambiguidade nuclear”. Ou seja, dissuadindo um ataque, mas dando espaço de manobra para que Biden não se comprometa em desencadear uma guerra nuclear entre potências.

Neste espécie de jogo de póquer nuclear, Putin não só garantiu que não está a fazer bluff, como ainda conta com os referendos nos territórios ucranianos ocupados – nomeadamente Lugansk, Donetsk, Zaporínjia e Kherson – para aumentar a parada.

Com o anúncio do previsível “sim” à anexação pela Rússia, na quarta-feira, supostamente com entre 87% a 99.2% a favor, o Kremlin pode argumentar que, aos seus olhos, qualquer contra-ataque ucraniano seria um ataque a território russo.

Aumentando a pressão nuclear, por mais que o Ocidente denuncie os referendos como uma fraude, havendo inúmeros relatos de abusos e pressão sobre os eleitores. Sem contar com a ilegalidade de se conduzir um referendo em plena guerra, com boa parte da população em fuga, sem sequer se controlar a totalidade do território. Em Zaporínjia, os russos nem a capital deste oblast controlam.

Já Dmitry Medvedev veio explicitar publicamente as ameaças do seu líder. “Se a ameaça à Rússia exceder os níveis estabelecidos de perigos, vamos ter de responder”, garantiu o antigo Presidente, em tempos visto pelo Ocidente como a esperança de reforma na Rússia, hoje um dos mais belicosos dirigentes do Kremlin. E essa tal resposta nuclear russa “será sem pedir a permissão de ninguém, sem longos debates”, assegurou Medvedev, esta terça-feira, no Telegram.

O problema é que, à medida que as forças da Rússia são humilhadas no campo de batalha, também cresce o receio que o Kremlin recorra a medidas mais desesperadas. “Obviamente, o Presidente Putin está a perder a guerra na Ucrânia”, avaliou o ministro dos Negócios Estrangeiros polaco. “Portanto, a sua reação é lançar uma mobilização. Mas a mobilização não parece ajudá-lo a vencer a guerra”.