Khosta-2. “Temos de estar atentos para evitar outra pandemia”

Há uma semana, um grupo de investigadores revelou que havia sido encontrado um novo coronavírus em morcegos, na Rússia: o Khosta-2. Rapidamente, surgiu uma preocupação generalizada. O i falou com James Ou, Professor de Microbiologia e Imunologia na Califórnia, Stephen Goldstein, investigador especialista em coronavírus, do Utah, também nos EUA, e Stephanie DeWitte-Orr, professora de…

Um novo coronavírus encontrado em morcegos, na Rússia, fez com que os cientistas pedissem um esforço urgente no desenvolvimento generalizado de vacinas. Caso contrário, acreditam que uma nova pandemia pode ser desencadeada por este vírus animal mortal que se espalha para os humanos. Semelhante ao SARS-CoV-2, o novo vírus respiratório descoberto entre os morcegos, conhecido como Khhosta-2, é coberto por proteínas de pico que podem infectar células humanas usando as mesmas entradas.

Ou seja, o mais preocupante é o facto de este vírus, em termos simples, não poder ser neutralizado através de nenhuma das vacinas existentes. É que nem mesmo os anticorpos desenvolvidos a partir da variante Ómicron foram eficazes contra o vírus do morcego, apesar de ambos os patógenos pertencerem ao mesmo grupo de coronavírus respiratórios agudos, conhecidos como sarbecovírus.

“Criticamente, as nossas descobertas destacam a necessidade urgente de continuar o desenvolvimento de novas vacinas contra o sarbecovírus com proteção mais ampla”, escrevem os autores do artigo ‘An ACE2-dependent Sarbecovirus in Russian bats is resistant to SARS-CoV-2 vaccines’, publicado no dia 22 de setembro. Explicam que quando investigadores russos encontraram pela primeira vez o Khosta-2 juntamente com outro vírus, o Khosta-1, em 2020, nenhum dos patógenos parecia particularmente perigoso. Mas, agora, o panorama parece ter-se alterado.

“Khosta-2 é um vírus relacionado com, mas distinto do SARS-CoV-2, o vírus que causa a atual pandemia de COVID-19. Khosta-2 foi isolado de morcegos de ferradura russos e tem potencial para infetar humanos”, explicar ao i James Ou, Professor de Microbiologia e Imunologia na Keck School of Medicine, na University of Southern California. “Por se tratar de um vírus distinto do SARS-CoV-2, não surpreende que as vacinas atuais não sejam eficazes contra o mesmo. Existem muitos vírus que afetam animais selvagens e que também podem infetar humanos, causando graves problemas de saúde. O Khosta-2 é um deles”, avança o docente cuja equipa laboratorial se foca na investigação dos vírus da hepatite B (HBV), vírus da hepatite C (HCV) e cancro do fígado. Na biografia de James Ou, disponível online, lê-se que tanto ele como os colegas estão “particularmente interessados em entender como esses dois vírus interagem com as suas células hospedeiras, como eles invadiram a imunidade do hospedeiro, levando a infeções persistentes e como eles causam doenças hepáticas, incluindo carcinoma hepatocelular”.

“Temos de estar atentos para evitar outra pandemia que possa ser causada por esses vírus zoonóticos”, avisa, indo ao encontro dos investigadores que deram o alerta para o perigo da eventual disseminação do Khosta-2. “O SARS-CoV-2, o sarbecovírus por trás do COVID-19, surgiu na população humana após a transmissão entre espécies a partir de uma fonte animal. Embora centenas de sarbecovírus tenham sido descobertos, predominantemente em morcegos na Ásia, a maioria não é capaz de infetar células humanas. O_Khosta-2, um sarbecovírus descoberto na Rússia, demonstrou interagir com o mesmo recetor de entrada do SARS-CoV-2”, explicam Stephanie N. Seifert, Shuangyi Bai, Stephen Fawcett, Elizabeth B. Norton, Kevin J. Zwezdaryk, James Robinson, Bronwyn Gunn e Michael Letko das Allen School for Global Health, da Washington State University e Tulane University School of Medicine (em Nova Orleães).

“Neste estudo, testamos o quão bem as proteínas spike desses vírus de morcego infetam células humanas sob diferentes condições. Descobrimos que o pico do vírus, Khosta-2, poderia infetar células semelhantes a patógenos humanos usando os mesmos mecanismos de entrada, mas era resistente à neutralização pelo soro de indivíduos vacinados contra a SARS-CoV-2”, escrevem os investigadores que se alinham com James Ou e também Stephen Goldstein, doutor em Biologia Celular e Molecular e investigador associado à University Of Utah, também nos EUA, que esclarece ao i que “o Khosta-2 é um coronavírus relacionado à SARS proveniente de morcegos recém-descoberto na Rússia, mas é muito diferente das linhagens conhecidas anteriormente, como as que incluem SARS-CoV-1 e SARS-CoV-2”.

“Embora a sequência da sua proteína spike seja muito diferente, ela mostra a capacidade de se ligar à ACE2 humana e entrar nas células humanas. Isso mostra que mesmo vírus relacionados com a SARS fora da Ásia representam um risco zoonótico”, realça. “As evidências agora disponíveis indicam que os anticorpos da vacinação ou infeção por SARS-CoV-2 não previnem a infeção por Khosta-2 e vírus relacionados”, afirma, frisando que este facto “destaca a necessidade de desenvolver vacinas amplamente protetoras”. “Esses esforços estão em andamento, mas exigem maior investimento e urgência de agências de financiamento do governo, como o The National Institutes of Health dos EUA”, isto é, a principal agência do governo dos Estados Unidos responsável pela investigação biomédica e de saúde pública.

 

Pensar no futuro sem esquecer o passado

“A nossa investigação demonstra ainda que os sarbecovírus que circulam na vida selvagem fora da Ásia – mesmo em lugares como o oeste da Rússia, onde o vírus Khosta-2 foi encontrado – também representam uma ameaça à saúde global e às campanhas de vacinação em andamento contra o SARS-CoV-2”, esclareceu, em comunicado, o autor principal do estudo que referiu a existência deste novo coronavírus, Michael Letko, da Washington State University. Esta descoberta já conduziu a que uma equipa da Organização Mundial da Saúde decidisse investigar de forma mais aprofundada o Khosta-2.

Mas… o que acontecerá futuramente? Tal como James Ou e Stephen Goldstein, também Stephanie DeWitte-Orr, virologista e professora associada de Ciências da Saúde e Biologia na Wilfrid Laurier University, em Waterloo, no Canadá, teme aquilo que poderá acontecer. Mas elucida que ainda não existem certezas acerca do impacto que este vírus teria nos seres humanos. “O_Khosta-2 é um vírus que pode infetar células humanas e não pode ser neutralizado por anticorpos produzidos pelas vacinas atuais contra o SARS-CoV-2. Isso é verdade”, declara a professora associada do Departamento de Ciências da Saúde e Biologia daquela instituição de Ensino Superior.

“No entanto, o que não sabemos é o quão virulento esse vírus é num corpo humano ou em qualquer animal que não seja um morcego. Não sabemos se causaria doenças ou se o nosso sistema imunitário seria capaz de o eliminar rapidamente. Esta é uma informação-chave que é necessária antes de ficarmos muito preocupados com o Khosta-2 como uma ameaça à saúde humana”, adianta a investigadora que recebeu o Early Researcher Awards – que distingue jovens investigadores – do Ministro da Investigação e Inovação de Ontario.

Contudo, o perigo inerente à transmissão de doenças por parte destes morcegos já era abordado anteriormente, como em 2006, quando investigadores chineses, norte-americanos e australianos indicavam que “os morcegos têm sido identificados como um reservatório natural para um número crescente de vírus zoonóticos emergentes, incluindo henipavírus e variantes do vírus da raiva”. “Recentemente, nós e outro grupo identificámos independentemente várias espécies de morcegos de ferradura (género Rhinolophus) como hospedeiros de um grande número de vírus que têm uma relação genética próxima com o coronavírus associado à síndrome respiratória aguda grave (SARS)”, apontavam, afirmando que a pesquisa que conduziam tinha como base a identificação das espécies de reservatório para o vírus progenitor dos coronavírus SARS responsáveis por surtos durante 2002-2003 e 2003-2004.

“Além dos coronavírus do tipo SARS, muitos outros novos coronavírus de morcego, que pertencem aos grupos 1 e 2 dos 3 grupos de coronavírus existentes, foram detectados por PCR. A descoberta de coronavírus do tipo SARS em morcegos e a grande diversidade genética de coronavírus em morcegos lançaram uma nova luz sobre a origem e a transmissão dos coronavírus SARS”, esclareciam, sendo que, como é habitual dizer-se, a História repete-se. Nestes casos, é tudo menos positivo e podemos recordar alguns pontos da cronologia do surgimento da covid-19 e do caminho percorrido, em Portugal, até ao controlo da pandemia. Por enquanto, nenhum caso de Khosta-2 foi identificado em seres humanos ou, pelo menos, divulgado.

 

Dos primeiros casos à vacinação generalizada

Há três anos, surgiram os primeiros casos de covid-19 e, há dois e seis meses, em Portugal. Naquela época, alguns portugueses repatriados de Wuhan e a avaliação de dezenas de casos suspeitos deram que falar e, em somente 19 dias, o país viria a ultrapassar a barreira dos mil casos, a 20 de março de 2020. No espaço de quatro dias já eram mais de 2 mil, sendo que este crescimento foi travado aquando do decreto do primeiro estado de emergência, a 18 de março, que levou ao primeiro confinamento.

No final desse ano, ainda sem a comercialização dos testes rápidos, eram confirmados 413 678 casos de covid-19 e 6 906 mortes, com a letalidade a rondar 1,6%, sendo superior a 14% nos maiores de 80. E a barreira do milhão de testes, no espaço de 30 dias, só seria ultrapassada em novembro de 2020. Mas foi exatamente nesse inverno que a pandemia se agravou em território nacional e os meses de janeiro e fevereiro de 2021 foram assustadores.

Em abril, o caso português parecia ganhar contornos menos severos. De acordo com a previsão do Centro Europeu de Prevenção e Controlo das Doenças (ECDC), o país encontrava-se então numa situação epidemiológica estável e estava fora da tendência crescente do número de casos de covid-19, que se verificava nos países da União Europeia (UE). Seguiu-se o processo de vacinação liderado pela task force de Henrique Gouveia e Melo – que, no dia 27 de setembro de 2021, abandonou este cargo –, atual Chefe do Estado-Maior da Armada, que foi fortemente elogiado nacional e internacionalmente, no entanto o país ainda viveria alguns momentos complicados.

Por exemplo, já no decorrer deste ano, em junho, noticiava-se que Portugal continuava a ser o país da União Europeia (UE) com mais novos casos de infeção por SARS-CoV-2 por milhão de habitantes nos então últimos sete dias. Segundo o site estatístico Our World in Data, Portugal, era também o país da UE com mais novas mortes diárias por milhão de habitantes nos últimos sete dias e o terceiro no mundo naquilo que dizia respeito a esse indicador.

Atualmente, de acordo com os dados disponibilizados pela plataforma ‘Our World in Data’, a 16 de setembro, quase 10 milhões de pessoas tinham sido inoculadas com a primeira dose da vacina (94,7% da população) e quase 9 milhões contavam com todas as doses recomendadas até à data (86,5% da população), sendo que a pandemia de covid-19 parece estar sob controlo.

 

“Isto não É a covid-19”

Outro dos sustos que a população mundial teve relacionou-se com a varíola-dos-macacos – conhecida por monkeypox – que, desde o primeiro dia, foi associada a comportamentos sexuais de risco, pois pensa-se que entre humanos se propaga principalmente através de grandes secreções respiratórias, ou seja, quando se fala prolongadamente muito próximo da cara de outra pessoa ou se tosse ou espirra, já que os sintomas desta infeção incluem síndrome gripal.

Assim, no final de maio, o Centro Nacional de Prevenção e Controlo de Doenças (CDC) dos EUA deixava claro que esta doença não é como o novo coronavírus, enfatizando que a monkeypox não se dissemina facilmente pelo ar porque requer contacto próximo com uma pessoa infetada. Tem de existir um “contacto físico sustentado, como pele a pele com alguém que tem uma erupção cutânea ativa”. Roupa de cama, roupas partilhadas e materiais semelhantes também podem contribuir para que o vírus se espalhe.

Ainda assim, o CDC reconhecia que o vírus pode ser transmitido igualmente por gotículas respiratórias, embora não tão facilmente quanto a covid-19. Um doente com varíola-dos-macacos com lesões na garganta ou na boca pode espalhar o vírus através de gotículas respiratórias se estiver perto de outra pessoa por um longo período de tempo. Todavia, o vírus não se espalha facilmente desta forma, de acordo com a epidemiologista Jennifer McQuiston, do CDC. “Isto não é a covid-19”, afirmou McQuiston aos jornalistas há dois dias. “A disseminação respiratória não é a preocupação predominante. É o contacto e o contacto íntimo no atual cenário do surto”, mencionou, exemplificando que nove pessoas com varíola viajaram em longos voos da Nigéria para outros países sem alegadamente infetar mais ninguém nos aviões.

Até há uma semana, tinham sido registados 917 casos de infeção por monkeypox, mais nove do que o total registado há duas semanas, de acordo com a Direção-Geral da Saúde (DGS). Segundo os dados da DGS, 99% das infeções foram registadas em homens (837) e foram notificados oito casos em mulheres, existindo uma “desaceleração observada na notificação e, por aproximação, da transmissão da infeção”.