Filho de idosa com demência denuncia que lar da Santa Casa de Gaia vai ficar com suplemento extra em outubro

“É uma atitude repugnante. Se fosse um lar privado, ainda poderia entender: agora, uma IPSS?”, questiona o filho da idosa que tem quase 90 anos.

"Ninguém acredita nisto. É um email e tenho os nomes e números da chefia. A minha mãe está no Lar Salvador Brandão, em Gulpilhares, Vila Nova de Gaia, há volta de três anos e ficam com a pensão dela. O lar é da Misericórdia de Gaia, é uma Instituições Particulares de Solidariedade Social (IPSS), financiado pelo Estado, e ficam com a pensão, os subsídios de Natal e férias. A minha mãe tem uma pensão de sobrevivência e eu e o meu irmão ainda pagamos 300 euros juntos. E ainda pago as fraldas e os medicamentos por fora", começa por desabafar, em declarações ao Nascer do SOL, João (nome fictício), que prefere não revelar a identidade para proteger a mãe, mas explica que a mesma se encontra institucionalizada há cerca de três anos por sofrer de demência em estado avançado.

"Entretanto, o Governo anunciou que os reformados vão receber o equivalente a meia pensão e o lar já me avisou que vai ficar com ela. É uma atitude repugnante. Se fosse um lar privado, ainda poderia entender: agora, uma IPSS?", questiona o filho da idosa que tem quase 90 anos. "O Estado cria aquelas instituições para ajudar os reformados e fazem isto? Enviaram um email e nem houve diálogo nenhum. A minha mãe é bem tratada, felizmente. Neste momento, é alimentada por sonda, está limpa, com a roupa da cama asseada, não posso apontar o dedo a nada", admite, esclarecendo que "há é muita sujidade no espaço exterior do lar".

Importa lembrar que, no início do mês, António Costa elucidou que a proposta que o Governo enviaria para a Assembleia da República previa as seguintes subidas: as pensões até 886 euros vão aumentar 4,43%; as pensões entre os 886 e os 2.659 euros vão aumentar 4,07% e as restantes aumentarão 3,53%. "Com o suplemento extraordinário pago já em outubro e com os aumentos agora propostos à Assembleia da República, que serão aplicados a partir de 1 de janeiro de 2023, tal garante que todos os pensionistas terão ao longo de 2023 o rendimento que teriam se fosse aplicada a fórmula de modo estrito (…) Nenhum pensionista perderá rendimento em função desta medida", disse o primeiro-ministro.

"Em maio, solicitei o Atestado Médico de Incapacidade Multiuso e foi-lhe atribuída uma percentagem de 97%. Ela chegou a desidratar, há um ano, porque perdeu o reflexo de deglutição. Quando aceitei que lhe colocassem a sonda nasogástrica, veio do hospital com ela e pronto. As senhoras do lar dizem que ela já não tem reação, só quando a limpam", afirma, visivelmente triste. "E isto vai agravar-se: porque o Estado não está preparado nem há conhecimento suficientemente disponível sobre este tipo de doenças. Tenho um amigo de 65 anos que começou a esquecer-se de muitas coisas, o neurologista que o viu até achou que era cansaço e não demência. Ainda é autónomo, mas foi aconselhado a ir para um centro de dia para estimular o cérebro", observa, refletindo acerca da forma como os idosos são encarados em território nacional. 

"Respondi ao diretor a perguntar se ele não tinha vergonha de me enviar um email daqueles, pouco depois de o ter recebido, na quinta à tarde, e ele não disse nada. Eu fiquei indignado e resolvi denunciar a situação, mas há outras pessoas às quais acontece isto e ficam caladas. Só aqui em Vila Nova de Gaia, há pelo menos três lares, IPSS, e estão todos sem vagas. A minha mãe esteve em lista de espera durante muito tempo", recorda, revelando que "a lista de espera é fictícia", na medida em que "a pessoa que está em primeiro lugar, imaginemos, tem uma pensão de 500 euros e a família não pode ajudar. Se outra estiver em quinquagésimo lugar, mas a família ajudar, passa logo à frente. Quanto mais paga, mais vantagens tem", sublinha.

"Quando os doentes recebem os subsídios de férias e Natal, os familiares contribuem na mesma com 300 euros e não a dobrar. Portanto, se calhar, isso faz com que não ultrapassem os tais 1000 euros [em 2014, um utente dos lares das IPSS custava em média 980 euros ao Estado e família]. "Mas estou apenas a fazer uma regra de três simples, há coisas das quais não tenho certeza", adiciona. "E a ajuda do Estado, de 300 euros, não conta: isto é, o que conta sempre é a pensão e a contribuição familiar. Uma vez, fui pagar a fatura dos produtos de incontinência e vi fraldas XL: a minha mãe veste o S. Não paguei porque reparei. De outro modo, teria tido esse gasto", assume, exemplificando uma das circunstâncias em que sentiu que aquela instituição não estaria a ser tão correta quanto deseja.

"Bom, sinceramente se me espanta?", pergunta a ativista dos direitos humanos Francisca de Magalhães Barros, a primeira pessoa a quem João fez esta denúncia. "Depois daquilo que aconteceu no lar da Santa Casa da Misericórdia de Boliqueime, em Loulé, que passado uma semana já não é notícia, receber esta denúncia não me espanta nada", diz a também cronista e pintora. "A decadência de valores morais em relação aos nossos idosos tem um propósito, mesmo quando são postos em lares privados e muito bem pagos: o silêncio é endurecedor. Temos de, rapidamente, mudar este paradigma de que a velhice, ou que a terceira idade, é um fardo", frisa a jovem. 

"Aproveitar-se então da sua condição enquanto idoso, lá está, para mim é um atentado aos direitos humanos. Tirar proveito, dinheiro, de algo que é uma obrigação do Estado, do que são instituições do Estado, é inacreditável. É triste. É revoltante", adianta. "No entanto, aqui ninguém fica em silêncio, e se pudermos proteger os idosos, o nosso propósito vai sendo cumprido. Lar a lar. Instituição a instituição. Injustiça a injustiça".